Seria incorreto ver o GP do Bahrein como uma metáfora das escolhas que a Fórmula 1 tem feito? As antigas pistas desérticas das colônias africanas, tais como Tripoli, se deixavam levar por quilômetros e quilômetros de intermináveis retas. Hoje, Sakhir se fecha sobre si mesmo em chicanes disfarçadas de curvas e freadas fortes.
Ao mesmo tempo, nos mais antigos mitos de civilizações passadas, "ir ao deserto" sempre aparece como alegoria de autoconhecimento, de "viagem para dentro de si".
Não é difícil explicar por que a Fórmula 1 vai ao deserto. Um pouco antes da ressaca do livre-mercado (ou quando os Estados resolveram entrar no jogo neoliberal), Ecclestone descobriu que a fonte de renda mais segura para seu circo não provinha de grandes multinacionais, seus acionistas conservadores e ávidos pelo lucro imediato. Ao contrário, a melhor aposta seria estabelecer vínculos com o governo de países à procura de visibilidade e novos mercados para jogar capital (talvez também uma maneira eficiente de lavar dinheiro...).
Por isso que hoje ligamos as nossas tvs às 9h da manhã (Brasília) para ver uma ilha de areia no meio do Golfo Pérsico.
E o que vimos foi a Fórmula 1 fazer um investimento seguro. Sakhir parece uma das pistas mais bem adaptadas à dinâmica da Fórmula 1 atual, ao menos na aparência: basta contar quantas vezes o Safety Car entrou na pista desde sua primeira aparição, em 2004. Zero vezes.
É a primeira vez que um pole position não vence uma corrida há mais de seis meses. Como Button mesmo afirmou, ela foi vencida na primeira volta, em sua ultrapassagem sobre Hamilton. Em sua segunda prova de fato, o novo pacote aerodinâmico parece ter funcionado: ultrapassou-se, não a ponto de haver uma grande disputa pela vitória, isso aliás permanece monopólio das estratégias de box.
A Fórmula 1 sai do deserto e volta a sua Europa natal com um líder (Button), uma grande aposta (Vettel) algumas incógnitas (McLaren, Toyota). Mas há um deserto que permanece, do qual a categoria ainda não encontrou uma saída. É esse vazio, essa carência de sentido que permeia algumas corridas, e que nos obriga a perguntar por que afinal ligamos a tv para assistir carros andando em círculos no meio de um monte de areia?
Sinta-se à vontade para arriscar uma resposta.
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