Friday, April 24, 2009

Um olhar comparado sobre Tilke (continuação e final)

No dia 4 de junho de 1972, a Fórmula 1 alinhava para seu primeiro GP da Bélgica fora de Spa Francochamps. Estavam perto de Bruxelas, num descampado chamado Nivelles-Baulers. A pista, 3,724km, plana, não agradou a ninguém. Aos pilotos, porque, perto das outras sedes, não oferecia desafio compatível. Ao público, porque foi posicionado muito longe do asfalto.

Talvez Nivelles tivesse outra avaliação nos dias de hoje. Uma longa reta, terminada em uma curva rápida, sequências velozes, curvas longas. Mas ela não sobreviveu aos dias de hoje. Foi abandonada.

O arquiteto que levou a cabo o projeto de fazer uma pista veloz e segura na Bélgica para a Fórmula 1 chamava-se John Hugenholtz (1914-1995). Na época, era o diretor de Zandvoort, em seu país de origem. Muitos atribuem o desenho da pista holandesa a ele, mas o lugar foi construído para que os nazistas pudessem fazer desfiles. Hugenholtz não fez mais do que pequenos ajustes para que as corridas de carro fossem possíveis.

O GP da Bélgica recaiu sobre Zolder, um antigo projeto do mesmo arquiteto (1963), mas já com algumas chicanes introduzidas a posteriori. Nunca foi a pista preferida de ninguém, ao contrário de Spa Francochamps.

Uma das suas pistas mais duradouras foi Jarama, na Espanha, completada em 1967, para que o esporte a motor pudesse ficar mais próximo a Franco. Era um traçado curto e compacto, com subidas e descidas, sinuoso e seguro. Não há muitos registros de sua primeira impressão, mas as últimas são bastante negativas: travado.

O grande problema de Jarama foi a data de sua construção. Hugenholtz não tinha como prever que, apenas um ano após a inauguração, o automobilismo iria descobrir a pressão aerodinâmica, tornando os carros mais velozes em curva e as ultrapassagens mais difíceis, restritas a alguns trechos da pista. As motos, que não possuem pressão aerodinâmica, costumavam ser mais bem aceitas por lá.

Falando dessa forma, Hugenholtz parece mesmo uma espécie de Tilke de seu tempo. Dois projetos, no entanto, são a sua redenção. O primeiro deles é Suzuka, um circuito de testes encomendado pela Honda que reúne, de maneia mágica, as curvas mais impossíveis e enormes trechos de aceleração.

O segundo é Hockenheim, que não saiu pronto da mente do arquiteto: ele desenhou tão somente o Motodrom, o “estádio” do circuito. O porquê de suas curvas lentas e das enormes arquibancadas, você pode ler aqui.

Com algumas poucas linhas, Hugenholtz conseguiu dar toda a personalidade a um dos traçados mais únicos que a Europa teve até anos recentes. Quando Hockenheim foi obrigada a desviar da Floresta Negra, tal missão foi encomendada a Tilke, com resultados desastrosos.

Talvez por uma questão ‘genética’ do automobilismo, os melhores circuitos são aqueles que não foram totalmente desenhados em função das corridas: Spa é um exemplo; mesmo Nurburgring antiga, que nunca serviu como estrada, foi definida em função de seu relevo. Tilke poderia aprender muito com John Hugenholtz: entre outras lições, a de traçar as linhas respeitando as características do lugar, com a mão leve, sem tentar impor curvas travadas a lugares que não os pedem. Por mais que a força da grana lhe diga o contrário.


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