Monday, November 30, 2009

Do que esqueci em 2009 - A morte de Greg Moore

Um bizarro acidente quase salvou a vida do jovem piloto canadense Greg Moore. No paddock de Fontana, lindo oval californiano onde a CART disputaria a última etapa do campeonato em 1999, um veículo da organização acertou em cheio a scooter que Greg usava para se deslocar. O saldo de uma mão machucada poderia afastá-lo da corrida.

A Forsythe, rápida, contratou Roberto Moreno como piloto freelance para largar com o carro 99, mas sequer pôde esquentar o macacão do time canadense: após exames médicos e algumas voltas de teste, Moore foi liberado para largar (em último, pois não participara da classificação) na corrida na qual viria a morrer.

Os fatos seguintes são de conhecimento público. Nona volta, curva dois, relargada, 24 anos, 5 vitórias, contrato fechado com a Penske para 2000. Quatro temporadas, jovem promessa desde então. Algo incomum para os tempos modernos, seu óbito foi anunciado à imprensa antes do fim da corrida. Vídeo.



Saturday, November 28, 2009

Raikkonen, Sauber


O anúncio da retirada (temporária?) de Raikkonen e a volta da Sauber sob o camando de seu fundador, sem o intermédio do suspeitíssimo grupo Qadbak, acentuam a dimensão simbólica da foto acima.

Este é o ano de estreia de Kimi na Fórmula 1, época em que o piloto costumava performar desempenhos muito diferentes do que nos últimos anos. Precisa explicar? Basta ver a foto, a forma de ataque à curva, o contra-esterço, o pneu rasgando a linha branca mesmo em condições adversas. Um piloto que virava o volante como se não houvesse amanhã.

O clique foi dado no GP da Grã-Bretanha de 2001.



Wednesday, November 25, 2009

Memórias póstumas de Colin Chapman

O retorno da equipe Lotus é mais um capítulo da Fórmula 1 escrito com a pena da galhofa e a tinta da melancolia

O retorno do nome “Lotus” aos grids da Fórmula 1, a partir do ano que vem, já é um assunto pisado e repisado, repercutido à exaustão de jornais a mesas de boteco. Passado tanto tempo após o burburinho (que certamente será ressuscitado) que a notícia causou, talvez alguns pontos que merecem reflexão tenham permanecido intocados.

A história da Lotus tinha, antes de toda polêmica, um fim preciso e muito bem determinado: em algum momento da volta 50 do GP da Austrália de 1994, quando Mika Salo encostou seu carro no circuito de Adelaide, traído por um sistema elétrico. Mesmo no ano seguinte, quando a diminuta Pacific comprou seu espólio, a história da equipe era dada como encerrada.

Sua trajetória como equipe e símbolo da Fórmula 1 começou em 1958 e terminou 36 anos depois. É surpreendente notar como a Lotus teve um ciclo de vida orgânico, natural: era uma equipe jovem nos anos 50, passando por uma fase de amadurecimento no início dos anos 60 e chegando à sua plenitude em 1963, com o primeiro título mundial. Seguiram-se algumas fases mais inspiradas e outras menos, de maior ou menor sucesso, que podemos chamar de “vida adulta” da equipe, entre 1963 e 1988. No ano seguinte ela inicia seu envelhecimento e declínio até expirar em 1994, primeira temporada de sua história em que não marcou um ponto sequer.

Se o comportamento da Lotus foi orgânico, sua morte decorreu de causas naturais – ao contrário de outros construtores, como a Mercedes e a Alfa Romeo, por exemplo, nos anos 50, que faleceram como que em um acidente (literal, no caso da primeira).

Por outro lado, a presença da Lotus na Fórmula 1 contribuiu para acelerar muitos ciclos de vida e morte. Os pilotos admitiam que um cockpit da Lotus podia levá-los à vitória com a mesma facilidade que podia levá-los ao túmulo – e nisso ela se revelou uma grande metáfora do automobilismo de então, no qual sucesso e perigo corriam muito próximos. Talvez por isso nenhuma outra pintura tenha caído tão bem numa Lotus quanto o preto e dourado: a harmonia entre morte e vitória.

Afinal, foi ao volante de uma Lotus que Rindt sagrou-se o único campeão póstumo da categoria. E, oito anos mais tarde, ao mesmo tempo em que a equipe comemorava o que viria ser o último título de sua história, também lamentava o que viria a ser a última morte em um de seus carros.

A certeza do falecimento que a Lotus pôde dar a muitos dos seus pilotos, no entanto, não foi capaz de assegurar a si própria.

A nova equipe, que alinhará em 2010, é o fruto de um projeto suspeito da inglesa Litespeed associado ao milionário aventureiro malaio Tony Fernandez, bancados pelo dinheiro público da Malásia. Em outra palavras, não tem qualquer relação com o espírito livre e o gênio da engenharia sob os quais Colin Chapman fundou sua fábrica.

A apropriação do nome “Lotus” por terceiros esvazia toda a carga simbólica que ela carrega, apagando assim toda dimensão histórica da Fórmula 1, restando apenas a dimensão comercial. Não que a adição desta equipe no grid do ano que vem vá causar tal transformação – o problema são os próprios promotores da equipe e do esporte aceitarem a utilização do nome Lotus, não pelo que ele representa, mas por seu “valor de marca”. É a prova cabal de que o automobilismo, por um punhado de dólares, aceitou renunciar seu valor cultural.

Em seu opus magnum, Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis faz um morto narrar sua própria vida para mostrar o lado torpe e decadente da sociedade em que viveu. Decadência não falta na Fórmula 1 atual, a julgar pelos escândalos e crises que estouraram nos bastidores da categoria em 2009. E se o “retorno” da equipe Lotus é mais um capítulo escrito com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, que ao menos seja escrito por Colin Chapman! Considerando o mistério que cerca sua morte, não seria de todo absurdo nomeá-lo um defunto-autor.

Brás Cubas era certamente mais desocupado e menos talentoso que o engenheiro inglês, mas sua morte teve mais dignidade. Afinal, o retorno da Lotus retira do velho time de Colin Chapman a última fagulha de orgulho que Brás Cubas foi capaz de conservar: não deixar descendentes, não transmitir o legado de nossa miséria.

Monday, November 23, 2009

Kimi


Fora da Ferrari, sem ânimo e provavelmente com mais de sete dígitos na conta bancária, o campeão Kimi Raikkonen decidiu que passará 2010 longe da Fórmula 1, e talvez sequer volte em 2011. A ausência de Kimi acentua a homogeneidade dos já homogêneos pilotos da categoria.

Embora fechado, taciturno e alheio ao que se passa em seu redor, eis alguém que fará falta. Raikkonen é um piloto que oxigena esse mundinho vip e asfixiante do paddock cheio de falas calculadas, de bons mocismos, de 'public relations', de elogios respeitosos. Ele não sabe falar com a imprensa, e ocasionalmente sequer sabia no domingo de manhã em que volta faria seu pit stop.

Nas últimas duas temporadas Kimi quase nunca demonstrava brilho. Especula-se que estivesse desmotivado, mas sua recusa em revelar sentimentos não permite uma conclusão mais precisa.

E no entanto, ele é um dos melhores pilotos da década. Começou muito jovem e desacreditado, mas bastou entrar na pista para mostrar que estava na Fórmula 1
para vencer.

Logo se consolidou como arrojado e agressivo. Ajudaram a construção dessa imagem alguns momentos específicos, como atravessar uma cortina de fumaça
acelerando em plena reta de Spa-Francorchamps, em 2002, sem saber o que havia do outro lado.

E foi justamente a mítica pista belga que Raikkonen escolheu para tornar-se imbatível, ou quase. Lá obteve quatro vitórias acachapantes, das 18 que acumulou. Mesmo na Ferrari, em seus anos menos inspirados, parecia recuperar um pouco de sua velha forma: não por acaso foi em Spa sua última vitória (foto), e única em 2009.

Se o campeonato mundial veio em 2007, quase entregue de presente pelos adversários, pode-se afirmar que seus melhores momentos se concentram em 2005, ano em que a McLaren lhe entregara um carro rápido, mas que quebrava de maneira constante, às vezes bizarra.

Incapaz de superar Alonso e a Renault, restou a Kimi provar sua constante, não raro surpreendente genialidade. Na última curva de
Hockenheim durante a classificação, por exemplo, ou no tumultuado GP do Japão.

Mais de uma vez Raikkonen declarou que preferia ter corrido na Fórmula 1 dos anos 70. Sua condução em momentos de risco, e seu apreço por pistas notoriamente complicadas sugerem que o finlandês teria boas chances de sucesso.

Mas os tempos são outros e ele nunca foi o mesmo após carregar o número 1. Passou a ser batido nos sábados – dia em que a categoria frequentemente define seu vencedor – por Felipe Massa. Na Fórmula 1 dos reabastecimentos e da falta de ultrapassagens, também começou a faltar garra para o finlandês.

Em 2010, mais um autódromo Tilke entra no calendário. A temporada se inicia no Bahrein e termina em Yas Marina, não sem antes passar por Marina Bay, pela marina de Valência e pela marina da Coreia do Sul. Raikkonen não estará lá, mas provavelmente marcará presença em uma ou outra etapa de rali. Talvez ele esteja certo. Os ralis precisam de pilotos. Na Fórmula 1, bastam os motoristas.

Saturday, November 21, 2009

Cartazes - Coppa Acerbo 1935


Um dos meus registros preferidos do automobilismo do entreguerras: carros passando no meio de casas, um testemunho de como as provas da época eram uma experiência sensível, sem mediações (barreiras físicas ou não) entre o espectador e o evento.

O cartaz (já que é o assunto principal da seção) está no canto superior direito, integrando-se a paisagem. Vemos que as casas já estiveram em melhor estado - nada surpreendente, já que a I Guerra deixara a Europa em frangalhos e Pescara jamais esteve etre as regiões mais ricas da Itália.

Quando pensamos em automobilismo italiano recordamos imediatamente de Monza, mas convém lembrar que carros riscavam o chão de muitos outros lugares daquele país. A corrida em Pescara, conhecida como Coppa Acerbo, nunca foi tão importante quanto o GP nacional, mas era relevante o suficiente para que as melhores flechas de prata dividissem espaço com as Alfas todos os anos. O circuito era o mesmo que seria usado mais tarde no GP de Pescara de Fórmula 1 em 1957, até hoje conhecido como a pista mais longa a sediar um evento do Campeonato Mundial: 25,579 km, incluindo duas enormes retas e um trecho sinuoso e infindável.

Na foto, Tazio Nuvolari em sua Alfa Romeo.

Thursday, November 19, 2009

De cara nova

Pois bem, o Cadernos do Automobilismo mudou mais uma vez seu header. Nada muito diferente do último, mas como não faço isso frequentemente, acho digno gastar algumas linhas.

Completamente ignorante em design, usei um software simples e eficiente que um atencioso colaborador me indicou, o Paint.Net. Por isso o acabamento está mais primoroso, ou menos horroroso que o anterior. Fiz questão de deixá-lo menor para que o leitor não precise descer a barra de rolagem para encontrar o conteúdo.

A escolha da imagem de fundo é fácil de explicar: em preto e branco, para que não "grite" demais aos olhos, e antiga, para que os direitos autorais já tenham expirado.

Ainda estou ponderando se devo publicar aqui a foto original ou não (recuar demais na história é uma forma muito fácil de recuar também na audiência). Se o fizer, será apenas quando trocar novamente o header. Mas não se preocupem, já os tenho prontos aos montes - pretendo rodá-los com certa periodicidade daqui para a frente.

Wednesday, November 18, 2009

McLaren-Mercedes, 1995-2009


A última corrida da parceria McLaren-Mercedes pode ser definida nos seguintes termos: Lewis Hamilton largou da pole, abriu uma boa diferença para o segundo colocado e abandonou em seguida. Difícil imaginar um epitáfio melhor.

Ambas continuarão aparecendo juntas na geração de caracteres das transmissões, já que os alemães permanecem como fornecedores de motores de Woking. A diferença é que agora a Mercedes não possui mais ações da McLaren Group, a relação de parceria foi desfeita.

Assim como a corrida de Hamilton há algumas semanas, fica a sensação do que poderia ter sido e não foi, de que terminou sem a missão cumprida. Talvez os números ajudem a explicar: Do GP do Brasil de 1995 (o início da parceria) até Abu Dhabi, A McLaren foi a segunda equipe mais vencedora, com 60 triunfos (obviamente apenas atrás da Ferrari, com 106). Foi também a segunda em pole positions, marcando 66 delas (Ferrari, nesse período, em primeiro lugar com 90).

No mais, em 15 temporadas a equipe conquistou não mais que três títulos de pilotos e um único de construtores, há mais de uma década.

Já havia escrito sobre o tema no ano passado, mas agora, com os números fechados, o retrospecto é ainda mais desolador. A McLaren já foi parceira da Porsche e da Honda, e em ambos os casos a equipe de Woking acumulou muito mais títulos em muito menos temporadas. Cabe ressaltar que a cooperação entre o construtor e as marcas se limitava à esfera técnica – ao contrário da Mercedes, que por sua vez era dona da McLaren. Por outro lado, nos anos 80 e início dos 90 não era comum que uma multinacional comprasse para si participação acionária em uma equipe – manobra que e tornou regra posteriormente.

Nos dois momentos em que a Mercedes havia participado de competições de Grand Prix, seu domínio havia sido quase total: tanto nos anos 1930 quanto em 1954 e 1955. Seu retorno aos monopostos, a partir dos anos 90, foi gradual; primeiro comprando a Ilmor, posteriormente juntando-se à Sauber (sua parceira nas provas de turismo) para entrar na Fórmula 1, para desistir em seguida e recomeçar com a McLaren.

Separadas, McLaren e Mercedes mantinham cada uma um retrospecto muito mais vitorioso do que unidas. Juntas, tudo que resta é o gosto amargo de ter ficado aquém. Um fracasso que os números quase não são capazes de demonstrar.


Tuesday, November 17, 2009

Indie Rocks – Scuderia Centro Sud, GP de Pescara, 1957


Mais uma vez Jo Bonnier, numa das poucas provas em que alinhou como piloto de Guglielmo Dei, dono de uma rede de concessionárias Maserati que atuava nas regiões central e sul da Itália – daí o nome de sua equipe, Scuderia Centro Sud.

Apesar de não ter obtido nenhuma vitória, a equipe de Dei é considerada uma das independentes mais bem sucedidas, tendo se mantido de 1956 a 1963 na Fórmula 1 – a maior parte do tempo atrelada de uma forma ou de outra à Maserati.

Infelizmente não tenho mais muitas fotos dos carros da Centro Sud correndo. Se você tiver alguma colaboração em relação a esta ou qualquer outra equipe “indie”, sinta-se à vontade para mandar para o email ao lado. Tudo será devidamente creditado, além de muito bem-vindo.

Friday, November 13, 2009

Fangio na BRM?


E já que falamos de Fangio, os leitores talvez se interessem por um post nos moldes Rianov Albinov.

Afinal, todos sabemos que o pentacampeão já correu na Fórmula 1 de Alfa Romeo, Maserati, Mercedes, Ferrari e BRM. BRM??

Sim, como mostra a foto! A equipe britânica de Bourne, Lincolnshire forneceu o cockpit para o argentino nos anos de 1952 e 53, bem como para seu compatriota José Froilan Gonzalez. Ocorre que neste mesmo biênio o Campeonato Mundial não foi disputado com carros de Fórmula 1, mas e Fórmula 2, devido a uma crise interna do esporte. Dessa forma, a participação de Fangio com este carro restringiu-se a eventos que não contavam pontos, e geralmente menores.

Inclusive, a postura dos dirigentes da BRM no início de 52, ao contratarem sua dupla de estrelas, é apontada como o estopim da decisão da CSI de abandonar os carros de Fórmula 1 naquele ano - uma história complicada que vai ficar para depois.

A propósito da foto: ela mostra Fangio durante o GP de Albi de 1953, em que foram aceitas inscrições tanto de F1 quanto de F2. Não se engane quanto ao cara de bandeira quadriculada na mão, pois o argentino não foi muito longe na prova. Abandonou após nove voltas, com problemas nos freios. Aliás, este modelo, o BRM P15, se provou uma roubada, em que pese (e pesava mesmo) o motor V16 que, acreditava-se o mais potente da época, de mais ou menos 600 hp. Sua grande virtude, no entanto, eram arrancadas curtas.

Thursday, November 12, 2009

Do que esqueci em 2009 - A primeira de Juan Manuel Fangio


Levei quase 400 posts para escrever este nome aqui: Juan Manuel Fangio. Você nunca o leu neste blog, nunca. Por que demorei tanto? Talvez porque seja difícil encontrar algo que jamais tenham falado de um dos mais talentosos pilotos que algum dia sentaram num carro de corrida.

No último dia 3 de abril, perdi uma dessas raríssimas oportunidades, pois a data marcou os 60 anos do dia em que o mundo ouviu falar pela primeira vez "Fangio".
Ainda não havia um campeonato organizado em 1949, e a maior parte das corridas ocorriam nas ruas das cidades europeias, mesmo os eventos de maior relevância. Um destes era o GP de San Remo, a primeira grande prova do ano. Ainda sob o impacto da ausência de Jean-Pierre Wimille, os olhares convergiram para uma das muitas Maserati 4CLT alinhadas, inscrita pelo Automovil Club Argentina e sem a pintura vermelha.

Desde a largada, na Corso Regina Margherita, Fangio dominou a prova de 90 voltas (dividida em duas baterias) pelo sinuoso traçado de 3,33km e vencendo sua primeira corrida de Fórmula 1 na Europa. O triunfo se repetiu em outras duas grandes épreuves naquele ano, nos GPs de Pau e de Albi. Dentre as corridas de menor relevância, o argentino também obteve êxito nos GPs do Roussillon e de Marselha - todos os quatro na França, e este último a bordo de um Simca-Gordini.
E desde então nunca mais o mundo esqueceu El Chueco.

Monday, November 9, 2009

Através do Muro de Berlim

Na noite do dia 9 de novembro de 1989, uma cidade dividida em duas se reencontrava pela primeira vez após 28 anos. Após protestos que chegaram a levar até um milhão de pessoas às ruas, o governo da DDR (RDA em português, conhecida como Alemanha Oriental) decidiu recuar e arrefecer o controle na fronteira com a Berlim Ocidental. Um anúncio confuso na televisão, no entanto, fez a população se deslocar em massa em direção ao muro, pegando a guarda de surpresa e forçando as autoridades a liberarem a passagem.

Hoje, exatamente, vinte anos depois, o mundo mudou a ponto de nos parecer até inverossímeis o mundo unipartidário daquele Leste Europeu e as relações que este mantinha com o Ocidente. Muitas destas relações passaram pelo automobilismo e observá-las, hoje, é a forma que encontro de prestar contas à história.

Hungaroring e AVUS
O movimento de protestos que culminou na derrubada do muro, e posteriormente na reunificação alemã, começou quando, em 23 de agosto daquele ano, a Hungria decidiu abrir sua fronteira com a Áustria, detonando assim um processo de imigração de cidadãos da RDA por aquela rota. Após duas décadas, notamos que a Hungria era o lugar mais provável para o rompimento do dique, visto o desprezo com que os magiares sempre trataram o
Pacto de Varsóvia (algumas vezes com funestas consequências, vide a marcha de tanques soviéticos por Budapeste em 1956).

Também não nos espanta, portanto, que a Hungria tenha aceitado de prontidão realizar um
GP de Fórmula 1 já em 1986 – na época, o país já manifestava sua vontade de participar da roda gigante do capitalismo. Foi construída Hungaroring, uma pista na medida exata para as câmeras de tv ocidentais.

Não foi a primeira vez, porém, que os cidadãos do Leste puderam ver os carros da Fórmula 1 com seus próprios olhos. Em 1959, o campeonato mundial abandonou temporariamente Nürburgring para disputar o GP da Alemanha (note, o GP nunca se chamou “GP da Alemanha Ocidental”, este dado será valioso mais à frente) em AVUS, próximo a Berlim. Na época, não havia o Muro dividindo a cidade, que seria erguido dois anos depois – de fato, após a Guerra a extremidade Sul do circuito foi cortada, pois chegava muito perto do setor soviético.

Curiosamente, a curva Norte de AVUS, inclinada (foto), era frequentemente chamada de “muro da morte”.

Tal feito obtido pela Fórmula 1, de atravessar a Cortina de Ferro, é no entanto risível perto da facilidade com que as motos costumavam correr do outro lado do bloco.

O comunismo e as duas rodas
Há uma explicação racional para isso: no Bloco socialista, era mais fácil obter uma moto para o transporte individual do que um carro. Além disso, havia locais tradicionais para corridas de duas rodas.

A Ioguslávia, por exemplo, recebeu o campeonato mundial de motociclismo de 1968 a 1990, a princípio em Opatija e depois em Rijeka (atualmente as duas cidades fazem parte da Croácia).

Milan Kundera
Mas uma das etapas mais fascinantes do Leste foi a da Tchecoslováquia, disputada em Brno (foto acima). Hoje a cidade dispõe de um autódromo permanente onde a MotoGP corre a etapa da República Tcheca (Tchecoslováquia, entre 1987 e 1993). Porém, as estradas próximas à capital da Morávia serviram como pista para carros e motos desde os tempos de
Masaryk.

A grande mobilização popular para assistir Giacomo Agostini (foto), Mike Hailwood, Phil Read e outros pelas estradas tchecas nos anos 60 mereceu, inclusive, uma menção literária. Foi no romance de estreia do celebrado autor Milan Kundera, intitulado “A brincadeira” (leitura recomendável). No livro, o personagem Jaroslav é um habitante do interior da Morávia muito ligado às tradições da região – principalmente à música – que tenta legar seu conhecimento ao filho. Este, no entanto, prefere ir com os amigos “assistir às corridas de moto em Brno”, simbolizando o colapso de uma identidade regional.

Grosser Preis von Deutschland
Mas as motos foram além, não se limitando apenas aos Estados-satélite do Bloco, como mantendo também, por doze temporadas, um GP da própria Alemanha Oriental (acima, Agostini).

Tudo começa antes da Segunda Guerra, quando as provas de motocicleta mais importantes da Alemanha encontram uma sede estável: algumas estradas no entorno da vila de Hohenstein-Ernstthal, passando inclusive dentro desta. Mais tarde, em 1937, a pista ganhou o nome da região em que se localizava, a Saxônia –
Sachsenring, portanto.

(Hoje as motos continuam a correr na cidade de Hohenstein-Ernstthal, numa pista chamada Sachsenring. Mas a atual foi construída nos anos 1990, após a reunificação, e é obviamente uma versão menor e mais travada que a original).

Após a divisão do país, a Saxônia foi alocada no bloco comunista, na RDA. A princípio, nem ela nem a RFA poderiam inscrever pilotos ou etapas no mundial da
FIM, mas esta última rompeu a proibição primeiro, devido a um ciclo de desenvolvimento da indústria (especialmente com a DKW e NSU) e o interesse popular nos anos 1950. A partir daí o GP da Alemanha foi sempre promovido na porção Ocidental, algumas vezes na popular Solitude, na nem tanto Hockenheim ou às moscas em Nürburgring.

Grosser Preis der DDR
Na década seguinte um fugaz brilho da indústria de motos da RDA (a fabricante MZ obteve notório avanço nos motores de dois tempos) animou o Partido a organizar uma prova, como propaganda para o Ocidente. E assim a antiga Sachsenring voltou aos seus dias mais gloriosos, agora como palco do GP da RDA.

Ela compôs o campeonato mundial entre 1961 e 1972. Como é possível notar na imagem acima, a presença dos espectadores era maciça. Ironicamente, eles próprios desempenharam um papel fundamental para que a corrida acabasse.

A história ocorreu em 1971 (abaixo, a largada da prova 350cc, naquele ano), ao fim da corrida das 250cc. O vencedor foi Dieter Braun, piloto alemão – da Alemanha Ocidental. A convenção esportiva manda que o hino do primeiro colocado seja entoado, o que de fato aconteceu. Mas a torcida presente não se limitou apenas a respeitar, como cantou em coro, a plenos pulmões, o Deutschlandlied.

As autoridades socialistas, ridicularizadas, reagiram de imediato. No ano seguinte, a fim de evitar problemas semelhantes, restringiram a participação no GP a ‘pilotos convidados’. E de 1973 em diante, apenas cidadãos do Bloco socialista poderiam se inscrever, o que acarretou o fim de GPs da RDA no campeonato mundial.

Nada mais prosaico. Nada mais característico do século XX.


Saturday, November 7, 2009

Cartazes - GP da Austrália 1993

Dentre os muitos marcos históricos que o GP da Austrália de 1993 nos deixou, o cartaz de divulgação certamente não é um deles: uma colagem de fotos sem sentido, num formato padronizado, uma avalanche de informação confusa e uma atenção mínima à paleta de cores.

Mesmo assim fica o registro. Ayrton Senna venceu lá a última prova, até o momento, sem reabastecimento. O GP seguinte caberia a Michael Schumacher, em Interlagos, em 1994, o primeiro em dez temporadas com reposição de combustível.

O destino tem das suas eloquências.



Friday, November 6, 2009

Do que esqueci em 2009 - A morte de Wimille


Com o fim da temporada, posso finalmente me dedicar a corrigir alguns dos erros de percurso enfrentados durante o ano: neste caso, registrar algumas efemérides que me passaram despercebidas e/ou que me ocorreram tarde demais.

A primeira delas, como não poderia deixar de ser, são os 60 anos da morte de Jean-Pierre Wimille. No dia 28 de janeiro, o francês treinava nas contorcidas ruas do bairro de Palermo, em Buenos Aires, para a primeira etapa de uma série mais ou menos regular de corridas de Fórmula Libre que ocorriam no Brasil e na Argentina. A prova não poderia ter um título menos personalista, como convém ao populismo latino-americano: Gran Premio del General Juan Perón y de la Ciudad de Buenos Aires (por motivos históricos, pode-se dizer apenas "GP de Buenos Aires").

Não se sabe o que ocasionou a batida do pequeno Simca-Gordini. Especulou-se que poderia ter sido a luz do sol que ofuscou a vista do pioto, ou sua tentativa de desviar de torcedores no traçado. O bólido francês bateu contra uma proteção da pista, voou, atingiu árvores. Foi a primeira corrida em que Wimille, 41, usou um capacete - incapaz, no entanto, de salvar sua vida. Alguns relatos dizem que, dentro da ambulância o piloto ainda conseguiu perguntar "o que aconteceu?", mas chegou sem vida ao hospital.

Jean-Pierre Wimille é considerado um dos melhores pilotos de sua geração, e regularmente chamado de "o piloto que venceria o primeiro campeonato mundial". Não à toa: era o primeiro piloto da Alfa Romeo, tendo conquistado o posto no braço, ao provar-se sistematicamente mais veloz que Giuseppe Farina.

O automobilismo deu ao francês o fim que a Guerra não foi capaz de lhe dar. Convidado pelo também piloto Robert Benoist, participou ativamente da Resistência contra a ocupação nazista, obtendo destaque na clandestinidade. Benoist não teve a mesma sorte.

Wednesday, November 4, 2009

Toyota, a equipe corporativa


Mesmo dentre os que acompanham a Fórmula 1 de perto, a Toyota se afasta da Fórmula 1 quase sem deixar lembranças. No meu caso, acho que associarei a equipe ao GP do Japão de 2007.

Naquele ano o evento se deslocou para Fuji, propriedade da Toyota, por vontade desta. A imensa maioria da torcida consistia de fãs da equipe branca e vermelha. A explicação era simples: responsáveis pelo autódromo anunciaram que bandeiras e cartazes de apoio a equipes e pilotos seriam proibidos nas arquibancadas. No entanto, a interdição não se aplicou à proprietária.

Jornalistas, habitués do paddock e mecânicos, mesmo os que trabalhavam há mais de três décadas, jamais haviam visto uma corrida sem bandeiras da Ferrari ao redor. O estranhamento foi generalizado e a imprensa,
principalmente a japonesa, criticou severamente os organizadores.

Os promotores, por sua vez, trataram de desmentir a informação e creditaram o engano a um problema de comunicação entre os organizadores do evento e os responsáveis pelo autódromo, mas tal versão não foi muito bem comprada pela mídia.

A confusão talvez seja bastante reveladora da posição que a Toyota ocupava na Fórmula 1: a equipe de uma empresa, mais do que qualquer outra. A Renault, por exemplo mantinha seu departamento de competições em Enstone, ex-Benetton, longe da fábrica. O mesmo se podia dizer da BMW Sauber, em Hinwill. A Mercedes se esconde atrás da McLaren, e agora da Brawn.

Já os executivos japoneses, desde 2002, sempre acompanharam perto demais o que se passava no QG da equipe, em Colônia. As decisões passavam por muitas instâncias administrativas, por pessoas distantes dos autódromos. Mais do que a equipe de uma empresa, era uma equipe corporativa.

Uma equipe da era das grandes corporações, do seu linguajar próprio e discurso sobre vitória a qualquer custo, sobre otimização,
kaizen, atingir metas. Um discurso que tornou a Fórmula 1 sedutora como plataforma de marketing, principalmente se o negócio da empresa é construir carros.

A Toyota preparava-se para estrear, fazia testes e mais testes em pistas europeias com Mika Salo em 2001, quando veio à tona o escândalo da
Enron. A este se sucederam vários outros casos de fraudes no balanço de grandes companhias, o estouro da bolha “pontocom” – alguns analistas dizem que a agressividade do discurso neoliberal foi freado, ao menos em parte, desde então. A Toyota estreou como equipe, em 2002, já na época errada.

Da pior maneira possível ela descobriu que um talão de cheques não ganha corridas. Único orçamento maior que o da Ferrari, amargou oito temporadas sem uma vitória sequer.

Outra bolha, outra crise, esta ainda pior, e os executivos em Tóquio não poderiam tomar outra decisão mais corporativa – encerrar suas operações na Fórmula 1. Nada mais condizente.

Foto: O sol se põe atrás de Trulli durante o GP de Abu Dhabi. A equipe do sol nascente faz a sua última corrida.

Sunday, November 1, 2009

GP de Abu Dhabi 2009 – O GP de Abu Ghraib e o triunfo do capital investido


Tantos especialistas debruçados sobre a corrida, e foi de um leigo (ao menos, não profissional) que recebi o comentário mais espirituoso e certeiro do fim de semana: “Esse prêmio de Abu Ghraib é uma tortura: não tem as curvas mortais de Suzuka e Spa-Francorchamps”.

O autor da frase é Claudio Júlio Tognolli, um dos mais famosos anônimos que já conheci. Jornalista veterano e prolífico, colecionador de palavras e meu professor na faculdade, que ultimamente vem se dedicando a criticar os blogs e a
twittar febrilmente. E sim, foi no Twitter que ele escreveu seu comentário.

As curvas travadas de Yas Marina, tal como
Abu Ghraib, são uma prisão que contrasta com a imensidão e o vazio do deserto. Dentro de seus limites o automobilismo se apequena frente à pujança do capital financeiro que se movimenta nas curvas pós-modernas das arquibancadas, dos iates e do hotel acima.

Foi comum ouvir as vozes habituais (de blogueiros a Galvão Bueno) se referirem ao Yas Marina como um “espetáculo”, que talvez designassem as instalações faraônicas ou o dinheiro colocado para erguer uma obra no meio do nada. “Espetáculo”, essa palavrinha que usamos mais ou menos frequentemente e que raramente conseguimos definir esconde uma definição bastante precisa do GP de Abu Dhabi.

Em 1967, quando a Fórmula 1 tinha muito mais graxa e muito mais graça, e muito menos câmeras ao redor, um enigmático incendiário chamado Guy Debord lançou um livro chamado “A Sociedade do Espetáculo”, cujas definições parecem cair como uma luva no automobilismo praticado hoje em dia. Segundo ele, o “espetáculo” não é apenas uma corrida ou um filme ou um programa de tv, mas sim um estágio do capitalismo em que nós, sujeitos, não mais possuímos a mínima relevância na vida econômica e social. Não somos mais atores do processo, somos meros espectadores assistindo os desdobramentos do capital.

Muitos autores comparam “A Sociedade do Espetáculo” à “Indústria Cultural” de Theodor Adorno, que escreveu sua obra em 1947, mas que ainda conserva uma atualidade desconcertante. O trecho abaixo se aplica a qualquer filme feito por Hollywood em tempos recentes:

“É com razão que o interesse de inúmeros consumidores se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados. O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na onipresença do estereótipo imposta pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os
conteúdos efêmeros devem responder”.

Em outras palavras, ele afirma que as pessoas são mais atraídas em um filme pelos efeitos especiais que ele contém do que pelo conteúdo batido e bobinho da narrativa, que aprendemos a tolerar. Jamais exigiremos conteúdos novos, atuais e fascinantes enquanto houver explosões, batidas e cores vibrantes desfilando na tela.

Em Yas Marina, a corrida foi disputada no crepúsculo para que os milhões gastos em iluminação artificial pudessem revelar-se em pirotecnia. Vimos o pôr-do-sol, vimos os refletores acesos, vimos, acima de tudo e de todos, a cobertura do hotel trocando de tonalidades de novo e de novo e de novo.

Afinal, o circuito “moderno” e “de última geração” reproduz a mesma lógica da qual Adorno falava há 60 anos: uma pista tola revestida por uma “espetaculosa” camada de razão técnica. “A Indústria Cultural é o triunfo do capital investido”, dizia Adorno. Os bilhões de petrodólares gastos por Abu Dhabi apenas confirmam este raciocínio.

E já que estamos falando em corrida
Quase ia me esquecendo, houve uma corrida por lá. Dentro dos limites dos guard rails, a última corrida do ano provou cabalmente tudo o que já sabíamos. Em primeiro lugar, que a McLaren tinha o melhor carro, de longe, em circuitos de mentira.

Segundo, que a Red Bull tinha o melhor caro do ano. O azar deles foi ter descoberto isso tarde demais. Claro que isso se deve ao mérito da Brawn, que pode pendurar 2009 na parede e colocar seu nome em cima.

Terceiro, que esta corrida não valia nada. O que é muito positivo, pois traz de volta a leveza dos anos em que a Fórmula 1 tinha diversos eventos fora do campeonato. Na maior parte do ano, as tabelas e classificações nos tiram a atenção do “aqui e agora” (‘hic et nunc’) do automobilismo, e os pilotos são levados a acelerar com mais desapego. Isso se torna claro quando lembramos das corridas em Adelaide, que fecharam as temporadas de 1985 a 1995.


Assim sendo, a perseguição de Button a Webber nos metros finais recapitulou algumas disputas em GPs da Austrália de outrora, como Lafitte versus Streiff (1985), Piquet versus Mansell (1990), Berger versus Schumacher (1992) e tantos outros.

Yas Marina tem a grana que Adelaide nunca viu, mas não a paixão e o desafio que aquelas ruas australianas apresentavam. Infelizmente.