Friday, April 3, 2009
Ginástica Automobilística
Cnossos era rica e próspera há 4 mil anos. Encravada na costa da ilha de Creta, a cidade se aglutinava em torno de um palácio de arquitetura tão complexa que, atualmente, os especialistas consideram tal construção a inspiração para o mito do Labirinto.
Embora o mito diga que o Labirinto era a moradia de um monstro metade homem e metade touro comedor de atenienses, há evidências de que a vida real do lugar era muito mais pacífica. Numa época em que assírios e egípcios pintavam batalhas sangrentas em seus afrescos, os cretenses pintavam mulheres de busto nu colhendo açafrão e eventos comemorativos.
As grandes festas de Cnossos eram realizadas em uma praça localizada no centro do palácio. Uma das atrações dos eventos está representada no afresco acima: jovens pulam longitudinalmente sobre um touro. Por mais que a alegria esteja expressa do rosto das figuras, era uma atividade arriscada, que poderia levar a um tombo e à morte. Talvez por isso essa prática tenha mobilizado o interesse da população. É improvável que fossem eleitos vencedores, mas certamente uns impressionavam muito mais pelo arrojo do que outros.
Depois de alguns milênios, nossa sociedade resolveu reincorporar estas demonstrações cretenses de habilidade e coragem. Nos Jogos Olímpicos Modernos, porém, não se salta mais sobre um touro, mas sobre um “cavalo”, que nada mais é que uma estrutura metálica com a função de servir de apoio para saltos de ginastas olímpicos. Não há grandes riscos de morte num salto moderno. A platéia não verá sangue; talvez algumas contusões, certamente saltos fantásticos, e o grande público não faz idéia de quem é o melhor saltador: o vencedor será dado por uma bancada de juízes, que levarão em conta a complexidade da manobra e falhas de execução. Ninguém no ginásio discutirá o resultado final.
Não vejo um esporte mais distante do automobilismo quanto a ginástica olímpica. No automobilismo, o resultado de uma prova é óbvio e incontestável, mas o mérito discutível. Dois torcedores sentados na Arquibancada A de Interlagos podem passar a tarde discutindo qual piloto contornou melhor o Laranjinha.
No salto sobre o touro em Cnossos, também imagino a opinião pública discutindo qual dos jovens foi o melhor. Afinal de contas, o touro está sempre em movimento, existem várias formas de executar o pulo - da mesma forma que há muitas formas de se contornar uma curva, e nenhuma delas, a priori, é a melhor.
Os jogos de Cnossos são realmente parecidos com o automobilismo...
Mas não é isso o que os dirigentes da Fórmula 1 querem. Ao mesmo tempo em que eles tentam fazer com que saltar sobre o touro mais agressivo da cidade não provoque mortes, eles também querem ter o direito de julgar quem é o melhor saltador.
Trocou de motor? Perca dez posições. Envolveu-se em uma batida? Nós te consideramos culpado, você largará do fim do grid na próxima corrida.
Daqui a cinquenta anos, imagino o automobilismo sendo disputado: um competidor por vez dá uma volta no circuito. O vencedor não é o mais rápido. O Race Control julga as performances: “o piloto cometeu uma leve saída de traseira na curva dois, subiu na zebra da curva sete, freou depois do ponto obrigatório ao fim da reta e gastou mais os pneus do que o permitido. Sua nota será 7.25”.
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FIA,
Race Control
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