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Friday, March 19, 2010

Fortuna


As representações atuais da Justiça tradicionalmente mostram uma figura feminina com os olhos vendados, já que, privada da faculdade da visão, ela seria capaz de julgar a todos como iguais. Nossa concepção visual de justiça é herdeira direta da deusa romana Iustitia. Ironicamente, porém, uma outra deusa grega, nas representações antigas, justamente por estar de olhos vendados distribui desigualmente os bens entre os homens.

Seu nome é Fortuna – o nome latino para a deusa grega Tyche. Nos séculos XV e XVI ela foi resgatada por Maquiavel para compor sua famosa teoria da virtù e da fortuna: ela seria uma das forças coordenadora do mundo, a força do imponderável, do indomável. Já a virtù seria o talento e a capacidade do indivíduo.

Transferindo Maquiavel para uma pista de corrida, teríamos a virtù como as capacidades do piloto e do carro, e a fortuna a força que embaralha as peças em jogo.

Se quisermos um exemplo mais concreto, poderíamos colocar que a virtù de Sebastian Vettel e de sua Red Bull provavelmente lhe dariam a vitória no GP do Bahrein; quis a fortuna, no entanto, que um problema no motor o arrastasse para fora do pódio.

Aliás, o GP do Bahrein pode ter sido chato para muitos, mas foi curioso ver tão bem a volta dessa componente na Fórmula 1, chamada fortuna: quebras, superaquecimentos e demais problemas determinaram boa parte do resultado final. A Fórmula 1 tem evitado ao máximo com esse tipo de evento.

Podemos ver isso na maneira como o regulamento trata os motores. Desenvolvimento congelado, obrigação de durar até três corridas, isso torna a categoria excessivamente previsível, controlada, do jeito que os anunciantes e investidores gostam – mas que não parece agradar a nós, do outro lado da tela.

Os problemas de Vettel e Massa no último domingo se fizeram sentir, mas não foram nada se comparados aos problemas enfrentados pela Virgin e pela Hispania, o que leva a crer que, se a Fórmula 1 deixou a Fortuna entrar, também fez o favor de lhe tirar a venda. A pontaria da divindade apresenta agora uma pontaria quase perfeita!

Já há alguns anos, na verdade, não vemos um campeão com diversas quebras ao longo do ano, ou com um carro pouco confiável. O programa da categoria trata de fazer com que os líderes não abandonem. Numa semana em que muito se discutiu acerca dos rumos dos GPs, é importante atentar para o fato de que alguns sinais de Sakhir parecem bastante esperançosos.

Não que tudo esteja bem, no entanto: enquanto se discute formas de estimular ultrapassagens e trocas de posição, seria interessante pensar simultaneamente em como fazer a Fortuna avançar para as primeiras posições do grid e se manter por lá. Talvez seja esta a grande questão.

Wednesday, March 17, 2010

Saído das sombras


A maneira sistemática como Nico Rosberg superou Schumacher ao longo dos treinos e da corrida em Sakhir pode não ter surpreendido uns poucos especialistas mais frios e atentos à Mercedes durante a pré-temporada. Mas para uma parte considerável do globo terrestre, a relação de forças entre os dois pilotos passou longe do que era previsto nas últimas semanas.

O retorno de Michael Schumacher era um dos eventos mais esperados do ano. A emissora alemã RTL registrou uma média de 10,5 milhões de espectadores durante o GP do Bahrein deste ano, frente a meros 5,39 milhões da mesma corrida do ano anterior – é preciso ponderar que esta não foi a primeira prova da temporada de 2009, o que torna a comparação de certo modo assimétrica.

Com um companheiro de equipe heptacampeão de volta às pistas após três anos, obviamente Rosberg foi relegado ao segundo plano durante a pré-temporada, e só na última sexta-feira, quando ele foi o mais rápido dos treinos, é que provou à imprensa mundial que ele merecia mais atenção do que havia recebido.

Estar á sombra de alguém, no entanto, não é, ou não deveria ser uma situação incomum para Nico. Afinal, seu pai é ninguém menos que Keke Rosberg, detentor de um título da Fórmula 1, vencedor de cinco GPs e, acima de tudo, um piloto cujos números não refletem a grandeza.

Nico estreou na Fórmula 1 justamente no Bahrein, em 2006, de maneira promissora: conquistando dois pontos e a melhor volta da corrida. Quatro temporadas completas depois, tudo o que tem a mostrar são duas voltas mais rápidas e dois pódios.

De um lado, toda a agressividade que supostamente “herdou” do pai costuma vir à tona menos como virtuosismo e mais como descontrole. Do outro lado, seu retrospecto não é sequer comparável ao de seu companheiro de equipe.

Ainda é cedo para saber o quanto Schumacher vai demorar para limpar a ferrugem, mas, enquanto isso, Nico Rosberg tem a chance de sair de uma vez por todas das sombras que pairam sobre si.

Foto: Nico, em Valência, fevereiro/2010

Sunday, March 14, 2010

GP do Bahrein 2010 – Um pódio com cara de flashback na nova Fórmula 1


Ferrari e McLaren sofrendo para chegar nos pontos? Claro que não! Isso é tããão 2009...

Quem acordou tarde hoje e só ligou a TV a tempo de ver o pódio pode pensar que se encontrava subitamente em 2007, quando Maranello e Woking quase monopolizaram os troféus. Mas então é essa a nova Fórmula 1? Que flashback...

Esse raciocínio faz bastante sentido para os idiotas da objetividade. Quem viu a corrida com os olhos mais abertos pode ter notado que, de fato, a Fórmula 1 mudou.

Em primeiro lugar, viu que os pit stops têm agora uma outra função. Antes uma parada bem planejada ajudava muito a corrida de um piloto. Agora ele não ajuda mais, e, muito pelo contrário, atrapalha muito se algo sair errado.

Os mais inocentes talvez esperassem um ‘show de ultrapassagens’ – nome que parece mais de um programa do Silvio Santos do que um slogan para uma corrida. Claro que isso não aconteceu. Por outro lado, as corridas voltaram a ser disputadas na mesma pista, ao mesmo tempo, sem aquela de “fulano está na frente de cicrano, mas está em uma estratégia diferente”. Resgatar as provas da virtualidade era mais do que necessário.

Dito isso, à corrida, pois. Alonso venceu por ter passado Massa na largada e por ter tido a sorte de Vettel apresentar problemas. Ao contrário do que esperava, os pilotos foram conservadores – até demais – nas primeiras voltas. Os “momentos decisivos” das próximas provas talvez se desloquem para o último terço do percurso.

A Ferrari comprovou seu pequeno e precário favoritismo frente a McLaren, Red Bull, e até mesmo Mercedes. A expectativa continua alta para quando a Fórmula 1 chegar nos circuitos de verdade.

Saturday, March 13, 2010

Vettel ignora "nova" Fórmula 1 e começa a corrida onde terminou a última


Muita coisa mudou desde que Sebastian Vettel cruzou em primeiro a linha de chegada do GP de Abu Dhabi, em novembro passado. Velhas equipes saíram, novas entraram, novas saíram de novo e outras, mais novas ainda, entraram. Velhos e novos pilotos também vieram se juntar ao circo.

Novos carros, novo regulamento em vigor, uma pista mais ou menos nova. Mas o primeiro pole position da temporada é aquele mesmo alemão que subiu ao alto do pódio em Yas Marina.

Sua pole, 1m54s101 no Q3, o torna o único piloto a largar à frente das duas Ferrari, que supostamente teria um ritmo de corrida melhor que as adversárias. Vettel foi quase três décimos de segundo mais rápido que Alonso no Q2, e um décimo mais rápido que Massa na última sessão. O brasileiro larga a seu lado.

No mais, os motores Mercedes, que brilharam ontem, se distribuem entre a segunda e a quarta fila do grid amanhã. Adrian Sutil, em décimo, mostra o potencial da Force India, e Robert Kubica, em nono, desperdiça seu imenso talento a bordo da Renault.

Já o Q2 joga alguma luz sobre disputas entre companheiros de equipe. Os ‘putas velhas’ Pedro de La Rosa e Rubens Barrichello parecem ter desbancado seus jovens parceiros com certa margem de vantagem.

Importante notar que o novo traçado do Bahrein provavelmente terá o tempo de volta mais longo do ano inteiro. Isso nos leva à conclusão de que uma diferença de dois ou três décimos no cronômetro de não é tão grande assim; e uma diferença de um décimo é muito, muito pequena.

A sorte está lançada!

Friday, March 12, 2010

Cara de pré-temporada

Ao menos para quem vê de fora, o primeiro e aguardado dia de movimentação em pista no Bahrein não pareceu muito diferente daquilo que se viu em Barcelona ou Jerez (ou mesmo em Valência, no caso da Hispania). Um pré-aquecimento, do qual poucos esperam retirar alguma conclusão mais aprofundada.

Os carros jamais haviam sido testados em condições de temperatura semelhantes, e a pista foi esticada para 6,299 km, portanto, não dando margem para comparações em relação aos anos anteriores.

Aliás, o novo anexo do traçado de Sakhir parece pouco mais rápido que um kartódromo. Fica uma sensação de ‘por que carros de Fórmula 1 estão passando por aí?’

É pouco útil especular até que ponto a tabela de tempos vai refletir o resultado final da corrida, ou mesmo o grid. Talvez a forma mais correta de proceder seja fazer o caminho inverso: depois de formado o grid – ou após terminada a corrida -, seria interessante voltar às tabelas de tempo de hoje para ver o que estava refletido e o que estava ocultado.

No mais, como esperado, as novas equipes ocuparam as últimas posições, e este parece o indício mais concreto que o dia nos revelou. A Mercedes colocou seus pilotos à frente, bem como a McLaren, na segunda sessão. Se isso configura uma vantagem real, ou psicológica, saberemos em menos de 24 horas.

Friday, February 5, 2010

A hipertrofia de Sakhir


A etapa inaugural da temporada da Fórmula 1 será disputada em um circuito parcialmente novo: os carros percorrerão um inédito anexo da pista de Sakhir, que estende a volta de 5.412km para 6.299km.

O efeito real de tal mudança permanecerá incógnito até que algum monoposto saia do pitlane barenita, mas é razoável supor que a média final de velocidade caia devido às oito novas curvas (sendo que uma das ‘antigas’ será contornada também mais lentamente).

O aumento da extensão ecoa um fenômeno antigo e concretiza um fenômeno novo na Fórmula 1. O antigo é que a média do comprimento das pistas onde Fórmula 1 corre vem aumentando. O novo é que os autódromos parecem estar “esticando” seus próprios traçados.

Da mesma forma que Sakhir, Silverstone também pretende inaugurar um circuito mais longo este ano – a mudança ainda está sujeita à logística da Fórmula 1, já que a nova seção tomará espaço de parte do paddock.

Parece haver uma diferença essencial, porém. Enquanto o novo layout de Silverstone se volta para dentro (como se quisesse buscar sua essência?), a nova seção de Sakhir cresce para fora, de maneira hipertrófica, cancerígena.

Segundo os organizadores da prova, a parte nova foi finalizada em 2006 e pensada para provas de longa duração – em que dezenas de carros de todos os tipos se inscrevem. Numa Fórmula 1 que promete um grid de 26 carros, mas que corre em Mônaco e corre o risco de alinhar menos de 20 na estreia, logo nota-se que acomodar os novatos não é o motivo pelo qual a pista ficou maior.

O que, então, teria feito os diretores de Sakhir saírem da zona de conforto? Ou, mais poeticamente: onde eles querem que os 800m adicionais de pista os levem?

É de conhecimento público que o pequeno principado é sedento por publicidade, e que é pródigo em usar seu GP como um gigantesco outdoor – mesmo que a corrida descambe em uma tediosa hora e meia de um desfile de pilotos. Um bom traçado não costuma ser, atualmente, um indicativo de boas corridas, mas pode ser capaz de atrair alguma atenção da mídia.

Além disso, Sakhir se torna a segunda pista mais extensa do campeonato, superando Suzuka, atrás apenas de Spa-Francorchamps. E quando você imaginou que algum dia veria “Spa-Francorchamps”, “Suzuka” e “Sakhir” citadas na mesma frase?

Sunday, April 26, 2009

GP do Bahrein 2009 - Este implacável deserto


Seria incorreto ver o GP do Bahrein como uma metáfora das escolhas que a Fórmula 1 tem feito? As antigas pistas desérticas das colônias africanas, tais como Tripoli, se deixavam levar por quilômetros e quilômetros de intermináveis retas. Hoje, Sakhir se fecha sobre si mesmo em chicanes disfarçadas de curvas e freadas fortes.

Ao mesmo tempo, nos mais antigos mitos de civilizações passadas, "ir ao deserto" sempre aparece como alegoria de autoconhecimento, de "viagem para dentro de si".

Não é difícil explicar por que a Fórmula 1 vai ao deserto. Um pouco antes da ressaca do livre-mercado (ou quando os Estados resolveram entrar no jogo neoliberal), Ecclestone descobriu que a fonte de renda mais segura para seu circo não provinha de grandes multinacionais, seus acionistas conservadores e ávidos pelo lucro imediato. Ao contrário, a melhor aposta seria estabelecer vínculos com o governo de países à procura de visibilidade e novos mercados para jogar capital (talvez também uma maneira eficiente de lavar dinheiro...).

Por isso que hoje ligamos as nossas tvs às 9h da manhã (Brasília) para ver uma ilha de areia no meio do Golfo Pérsico.

E o que vimos foi a Fórmula 1 fazer um investimento seguro. Sakhir parece uma das pistas mais bem adaptadas à dinâmica da Fórmula 1 atual, ao menos na aparência: basta contar quantas vezes o Safety Car entrou na pista desde sua primeira aparição, em 2004. Zero vezes.

É a primeira vez que um pole position não vence uma corrida há mais de seis meses. Como Button mesmo afirmou, ela foi vencida na primeira volta, em sua ultrapassagem sobre Hamilton. Em sua segunda prova de fato, o novo pacote aerodinâmico parece ter funcionado: ultrapassou-se, não a ponto de haver uma grande disputa pela vitória, isso aliás permanece monopólio das estratégias de box.

A Fórmula 1 sai do deserto e volta a sua Europa natal com um líder (Button), uma grande aposta (Vettel) algumas incógnitas (McLaren, Toyota). Mas há um deserto que permanece, do qual a categoria ainda não encontrou uma saída. É esse vazio, essa carência de sentido que permeia algumas corridas, e que nos obriga a perguntar por que afinal ligamos a tv para assistir carros andando em círculos no meio de um monte de areia?

Sinta-se à vontade para arriscar uma resposta.