Meu domingo começou às 21h00 de sábado, quando acordei de um sono de duas horas. Por um momento, hesitei em acordar, já que esta seria minha terceira noite mal dormida consecutiva e o dia prometia ser mais infernal e mais estressante do que qualquer outro. Mas levantei.
Não recebi autorização dos meus amigos para divulgar os horários de chegada na fila que determinaram um lugar excepcional, visão privilegiada e sombra durante o dia. Posso relatar, entretanto, que foi uma das noites na fila mais agradáveis que já peguei: tempo ameno, bons companheiros para jogar conversa fora, relativo conforto. Muitos dormiram ou cochilaram, algo que o nervosismo me impediu de fazer exceto entre 4h40 e 5h10, hora em que as cadeiras foram recolhidas, todos levantaram acampamento, desmontaram churrasqueiras e aquilo virou uma fila de verdade.
Às 6h30, os portões foram abertos e lá estavam nossas cadeiras cativas. As oito horas seguintes foram de expectativa e espera. E, ao contrário do que imaginava, ir ao banheiro e comprar comida foram procedimentos muito menos estressantes do que no dia anterior. Sempre havia um odioso beirute, ainda que velho, me esperando numa barraquinha e um banheiro químico em condições quase humanas para utilizar quando necessário. Em compensação, não vi a bandeira quadriculada em nenhum dos eventos de apoio.
É claro que, durante uma espera tão longa num ambiente tão confortável quanto uma masmorra medieval, conversar é um modo de evitar a insanidade. Falou-se muito de Grandes Prêmios passados, mulheres, rufiões e rufianismo (previsto no Código Penal).
Mas a diversão foi garantida por um argentino que conhecemos sábado, e que acolhemos no domingo, cedendo a ele e a seu grupo uma parte de nosso pequeno camarote disputado a tapa.
Ignacio, portenho, nos falou sobre a máfia, o Boca Juniors, o Estudiantes de La Plata, além de nos brindar com uma inspirada performance etílica de ‘O Sole Mio’. Ah, sim: Ignacio, de longe, foi o maior torcedor do Felipe Massa do fim de semana, fazendo inveja ao mais fervoroso brasileiro.
Motores ligados
Claro, desnecessário descrever tudo aquilo que a tv mostrou e que o público em casa viu tão bem com seus respectivos traseiros tão bem instalados nas poltronas.
Na arquibancada, a enorme tempestade que se formava atrás da Curva do Sol e a nuvem negra sobre o setor A foram recebidas com euforia. Alguns poucos preferiam tempo seco, confiantes na mais que comprovada capacidade de Lewis Hamilton se ferrar por seus próprios meios.
Foi uma largada emocionante, as primeiras voltas após o Safety Car reverberavam nas retinas dos setenta mil espectadores enquanto estas percorriam aqueles quatro mil metros de pista. Ao longo da prova, as emoções se dissipavam e alguém teve a brilhante idéia de sentar.
Desde sexta-feira até aquele momento, passando pelos eventos de apoio, não assisti a um treino sequer sentado. Nos três dias anteriores somados, pode-se dizer que acumulei seis horas de sono. A muito contragosto, por respeito aos meus colegas, sentei. Até agora não sei como resisti à tentação de dormir.
Eventualmente, levantava, me alongava para aumentar o ritmo cardíaco, e voltava a sentar. Em resumo, uma corrida chata, apesar das belas atuações de Massa, Vettel e Alonso.
Foi então que outras nuvens chegaram ao autódromo e a arquibancada levantou novamente, sacudindo as capas de chuva como se isso ajudasse a água a cair mais rápido. Quando enfim ela caiu, o nervosismo venceu. Ninguém soltou uma palavra. Cheguei a pensar que Hamilton havia colocado pneus para tempo seco em seu carro, tamanha a queda de rendimento.
Na ultrapassagem de Vettel, comemoramos como nunca antes havia feito, mas alguma voz mais sensata enunciou: “espera”. A chuva aumentava e ninguém conseguia acreditar que estava vendo um campeão mundial brasileiro surgir no Brasil. Quando Massa passou na linha de chegada, explodimos: gritando, vibrando, atiramos nossas capas de chuva ao alto, nos abraçamos, não sabíamos o que fazer. Foram os trinta segundos em que nos sagramos campeões.
De volta ao mundo real
Até que alguém falou que não. E o silêncio cobriu a arquibancada. Ninguém entendeu nada, e, quando entendeu, havia a certeza de que Glock deixara Hamilton passar de propósito.
Não houve pódio, houve velório. Não fossem os pneus de Glock (já inocentado), lá estariam os três últimos campeões mundiais. A chuva virou uma tempestade e lá sobrávamos, poucos, que relutavam em assistir à coletiva de imprensa, pelo telão, como se isso fosse mudar alguma coisa, talvez.
Se Hamilton mereceu o título, não o fez em Interlagos. Nervoso, apavorado, inconsistente, foi certamente a pior corrida do inglês na Fórmula 1 até o momento. Mas ele estava coroado e não tínhamos outra escolha que não aceitar.
O banho de realidade e de chuva lavou nosso espírito. Nem um pouco conformados, restou a certeza de que foi um fim de semana histórico, inesquecível, e de que estaremos lá de novo no ano que vem. E, se loucura a dois não é loucura, a cinqüenta mil também não há de ser: fomos os únicos a ver um brasileiro ser campeão no Brasil. Ainda que por trinta segundos, mas como diz Machado, “só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve”.
Não recebi autorização dos meus amigos para divulgar os horários de chegada na fila que determinaram um lugar excepcional, visão privilegiada e sombra durante o dia. Posso relatar, entretanto, que foi uma das noites na fila mais agradáveis que já peguei: tempo ameno, bons companheiros para jogar conversa fora, relativo conforto. Muitos dormiram ou cochilaram, algo que o nervosismo me impediu de fazer exceto entre 4h40 e 5h10, hora em que as cadeiras foram recolhidas, todos levantaram acampamento, desmontaram churrasqueiras e aquilo virou uma fila de verdade.
Às 6h30, os portões foram abertos e lá estavam nossas cadeiras cativas. As oito horas seguintes foram de expectativa e espera. E, ao contrário do que imaginava, ir ao banheiro e comprar comida foram procedimentos muito menos estressantes do que no dia anterior. Sempre havia um odioso beirute, ainda que velho, me esperando numa barraquinha e um banheiro químico em condições quase humanas para utilizar quando necessário. Em compensação, não vi a bandeira quadriculada em nenhum dos eventos de apoio.
É claro que, durante uma espera tão longa num ambiente tão confortável quanto uma masmorra medieval, conversar é um modo de evitar a insanidade. Falou-se muito de Grandes Prêmios passados, mulheres, rufiões e rufianismo (previsto no Código Penal).
Mas a diversão foi garantida por um argentino que conhecemos sábado, e que acolhemos no domingo, cedendo a ele e a seu grupo uma parte de nosso pequeno camarote disputado a tapa.
Ignacio, portenho, nos falou sobre a máfia, o Boca Juniors, o Estudiantes de La Plata, além de nos brindar com uma inspirada performance etílica de ‘O Sole Mio’. Ah, sim: Ignacio, de longe, foi o maior torcedor do Felipe Massa do fim de semana, fazendo inveja ao mais fervoroso brasileiro.
Motores ligados
Claro, desnecessário descrever tudo aquilo que a tv mostrou e que o público em casa viu tão bem com seus respectivos traseiros tão bem instalados nas poltronas.
Na arquibancada, a enorme tempestade que se formava atrás da Curva do Sol e a nuvem negra sobre o setor A foram recebidas com euforia. Alguns poucos preferiam tempo seco, confiantes na mais que comprovada capacidade de Lewis Hamilton se ferrar por seus próprios meios.
Foi uma largada emocionante, as primeiras voltas após o Safety Car reverberavam nas retinas dos setenta mil espectadores enquanto estas percorriam aqueles quatro mil metros de pista. Ao longo da prova, as emoções se dissipavam e alguém teve a brilhante idéia de sentar.
Desde sexta-feira até aquele momento, passando pelos eventos de apoio, não assisti a um treino sequer sentado. Nos três dias anteriores somados, pode-se dizer que acumulei seis horas de sono. A muito contragosto, por respeito aos meus colegas, sentei. Até agora não sei como resisti à tentação de dormir.
Eventualmente, levantava, me alongava para aumentar o ritmo cardíaco, e voltava a sentar. Em resumo, uma corrida chata, apesar das belas atuações de Massa, Vettel e Alonso.
Foi então que outras nuvens chegaram ao autódromo e a arquibancada levantou novamente, sacudindo as capas de chuva como se isso ajudasse a água a cair mais rápido. Quando enfim ela caiu, o nervosismo venceu. Ninguém soltou uma palavra. Cheguei a pensar que Hamilton havia colocado pneus para tempo seco em seu carro, tamanha a queda de rendimento.
Na ultrapassagem de Vettel, comemoramos como nunca antes havia feito, mas alguma voz mais sensata enunciou: “espera”. A chuva aumentava e ninguém conseguia acreditar que estava vendo um campeão mundial brasileiro surgir no Brasil. Quando Massa passou na linha de chegada, explodimos: gritando, vibrando, atiramos nossas capas de chuva ao alto, nos abraçamos, não sabíamos o que fazer. Foram os trinta segundos em que nos sagramos campeões.
De volta ao mundo real
Até que alguém falou que não. E o silêncio cobriu a arquibancada. Ninguém entendeu nada, e, quando entendeu, havia a certeza de que Glock deixara Hamilton passar de propósito.
Não houve pódio, houve velório. Não fossem os pneus de Glock (já inocentado), lá estariam os três últimos campeões mundiais. A chuva virou uma tempestade e lá sobrávamos, poucos, que relutavam em assistir à coletiva de imprensa, pelo telão, como se isso fosse mudar alguma coisa, talvez.
Se Hamilton mereceu o título, não o fez em Interlagos. Nervoso, apavorado, inconsistente, foi certamente a pior corrida do inglês na Fórmula 1 até o momento. Mas ele estava coroado e não tínhamos outra escolha que não aceitar.
O banho de realidade e de chuva lavou nosso espírito. Nem um pouco conformados, restou a certeza de que foi um fim de semana histórico, inesquecível, e de que estaremos lá de novo no ano que vem. E, se loucura a dois não é loucura, a cinqüenta mil também não há de ser: fomos os únicos a ver um brasileiro ser campeão no Brasil. Ainda que por trinta segundos, mas como diz Machado, “só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve”.
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