Thursday, June 4, 2009

A má tradução

Trágico, não fosse cômico, os distribuidores brasileiros terem lançado o filme Lost in translation (“Perdido na tradução”), de Sofia Coppola com o insosso título Encontros e desencontros. Houve perda, de fato.

No jargão editorial, diz-se que ler uma grande obra traduzida é como beijar uma bela mulher através de um véu. Não por acaso, portanto, a cena de abertura mostra a delicada derrière da personagem vivida por Scarlett Johansson (ou a ela atribuída), vestida por não mais que uma calcinha semitransparente. Nada seria tão eloquente.

No filme, a supracitada personagem, Charlotte, e Bob Harris (Bill Murray), dois norte-americanos, se veem em Tóquio perdidos em um imenso vazio emocional, mais vazio ainda porque tudo que os circunda parece ininteligível.

Porém o título não se refere apenas aos dois heróis atordoados com a língua estrangeira, mas sobretudo ao próprio lugar onde a ação se ambienta. O Japão para o qual Sofia Coppola aponta sua câmera é aquele que mergulhou de cabeça nas referências, no modus operandi, no consumismo, no hedonismo ocidentais. O que seus planos abertos e pacientes travellings atestam, porém, não é a importação bem-sucedida de valores, mas a gigantesca perda de sentido ocorrida quando se tentou traduzir a cultura estrangeira. Tudo está lá: a indústria do entretenimento, a estetização política e econômica, o espetáculo. Um espetáculo tão agressivo que parece ter se alienado da função de comunicar algo, até mesmo para os japoneses.

Os imensos e inúmeros outdoors são ilegíveis. Um elefante passeia por sobre a fachada de um prédio. Jovens eufóricos apertam botões coloridos em fliperamas coloridos, olhando para telas ainda mais coloridas onde muitas coisas acontecem mas nada parece acontecer. Falta sentido.


Da mesma forma a Fórmula 1 se prepara para correr em Istambul. Assim como a Turquia construiu Kurtkoy, os países ao leste do Bósforo têm erguido seus autódromos na base de superlativos: paddocks enormes, orçamentos vultuosos, pistas muito largas. China, Cingapura, Índia, Bahrein, Malásia, Coreia do Sul contratam um arquiteto ocidental (sempre o mesmo) para projetar à maneira europeia um local que abrigue um esporte extremamente ocidental impregnado de valores originários da cultura ocidental.

O resultado é que a Fórmula 1, ao pousar em Sepang, Sakhir, Xangai ou algum similar, parece tão deslocada quanto a jovem senhora Charlotte ou o velho imaturo Bob.

Charlotte e Bob se angustiam não apenas por não encontrar nada que faça sentido à sua volta, mas também por não encontrar sentido em si próprios. De forma análoga procede a Fórmula 1. A categoria se afasta cada vez mais de seu público, os conflitos dos bastidores explodem, as manobras políticas chamam mais a atenção do que as que os pilotos fazem em pista. E o espectador não consegue mais ver nesse espetáculo algum propósito: mais uma vez, tudo parece ininteligível.

Já não é de agora que a Fórmula 1 vem perdendo seu sentido. Mas ao contrário do caos da capital japonesa, Sofia Coppola não vai poder nos revelar a poesia perdida ou escondida nas pistas.



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