
No jargão editorial, diz-se que ler uma grande obra traduzida é como beijar uma bela mulher através de um véu. Não por acaso, portanto, a cena de abertura mostra a delicada derrière da personagem vivida por Scarlett Johansson (ou a ela atribuída), vestida por não mais que uma calcinha semitransparente. Nada seria tão eloquente.
No filme, a supracitada personagem, Charlotte, e Bob Harris (Bill Murray), dois norte-americanos, se veem em Tóquio perdidos em um imenso vazio emocional, mais vazio ainda porque tudo que os circunda parece ininteligível.
Porém o título não se refere apenas aos dois heróis atordoados com a língua estrangeira, mas sobretudo ao próprio lugar onde a ação se ambienta. O Japão para o qual Sofia Coppola aponta sua câmera é aquele que mergulhou de cabeça nas referências, no modus operandi, no consumismo, no hedonismo ocidentais. O que seus planos abertos e pacientes travellings atestam, porém, não é a importação bem-sucedida de valores, mas a gigantesca perda de sentido ocorrida quando se tentou traduzir a cultura estrangeira. Tudo está lá: a indústria do entretenimento, a estetização política e econômica, o espetáculo. Um espetáculo tão agressivo que parece ter se alienado da função de comunicar algo, até mesmo para os japoneses.
Os imensos e inúmeros outdoors são ilegíveis. Um elefante passeia por sobre a fachada de um prédio. Jovens eufóricos apertam botões coloridos em fliperamas coloridos, olhando para telas ainda mais coloridas onde muitas coisas acontecem mas nada parece acontecer. Falta sentido.
O resultado é que a Fórmula 1, ao pousar em Sepang, Sakhir, Xangai ou algum similar, parece tão deslocada quanto a jovem senhora Charlotte ou o velho imaturo Bob.
Charlotte e Bob se angustiam não apenas por não encontrar nada que faça sentido à sua volta, mas também por não encontrar sentido em si próprios. De forma análoga procede a Fórmula 1. A categoria se afasta cada vez mais de seu público, os conflitos dos bastidores explodem, as manobras políticas chamam mais a atenção do que as que os pilotos fazem em pista. E o espectador não consegue mais ver nesse espetáculo algum propósito: mais uma vez, tudo parece ininteligível.
Já não é de agora que a Fórmula 1 vem perdendo seu sentido. Mas ao contrário do caos da capital japonesa, Sofia Coppola não vai poder nos revelar a poesia perdida ou escondida nas pistas.
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