O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. Não diz nada além de “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que por princípio ele exige é a da aceitação passiva que, de fato, ele já obteve por seu modo de aparecer sem réplica, por seu monopólio da aparência.
Debord, A sociedade do espetáculo
Foi inevitável não pensar nessa passagem de Debord enquanto a ultrapassagem de Button sobre Vettel aparecia na transmissão, em replay, e Cléber Machado se viu obrigado a soltar aquela muleta de raciocínio tão cara a “especialistas” do esporte: Button tem a sorte de campeão. Uma besteira imensa, uma tautologia análoga ao “o que aparece é bom...” registrado acima. Se isso fosse verdade, não seriam necessários narradores ou comentaristas. Se a Fórmula 1 é tão “indiscutível e inacessível” em seus resultados, tão óbvia, basta deixar suas imagens correrem frente aos olhos do telespectador, que tudo se explicará por si mesmo.
O GP da Turquia nos foi apresentado a nós, pela Globo, pela FOM e por tudo que a cerca, como um espetáculo. Como é de praxe na Fórmula 1 atual, porém, essa “enorme positividade” não foi exatamente aquilo que esperamos ver de um espetáculo: teve poucos momentos que poderíamos chamar de ‘espetaculares’.
Um desses poucos momentos foi a corrida de Barrichello, protagonista de várias ultrapassagens, se engajou numa longa disputa com Kovalainen até um toque de rodas fazê-lo rodar. Recuperando posições, sua saga encontrou o prematuro fim ao esbarrar em Sutil, quebrando o aerofólio e deixando-o longe dos demais competidores.
Enquanto foi protagonista, Barrichello encarnou aquele espírito villeneuviano tão raro nos dias de hoje. Mas nada disso teria acontecido se sua largada não tivesse sido um enorme fracasso.
O outro relance espetacular foi a corrida de Vettel. Quando a Red Bul o colocou na pista mais leve, ao alemão restava ultrapassar Button e abrir uma diferença para reavivar suas chances de vitória. Diminuiu a diferença para o piloto da Brawn, ensaiou algumas manobras de ataque, mas seu combustível acabou antes que este fosse consumado. Mais uma vez, nada disso teria acontecido se Vettel não tivesse errado a chicane na primeira volta, permitindo que Button assumisse de vez a liderança.
Até a disputa entre Piquet e Hamilton teve um quê de ridículo, de farsesco, o atual campeão mundial defendendo com unhas e dentes uma posição insignificante.
Em outras palavras, o espetáculo do GP da Turquia só se realizou esteticamente a partir do fracasso, do desempenho negativo.: nada mais digno para uma corrida que teve não mais de 30 mil espectadores in loco. Involuntariamente, Cléber Machado enunciou a frase que mais fez sentido no dia: “não perca, ainda hoje, após a corrida, no esporte espetacular”.
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