Vivemos em tempos estranhos. Todos queremos (ou temos de querer) ser bem-sucedidos. Todos queremos ser líderes (e aí vamos mandar no quê ou em quem?). Veja o comercial de uma universidade qualquer na televisão. Ela não promete formar profissionais, mas sim fabricar vencedores. O ser humano - ou seria ser urbano? - moderno é bombardeado todo dia com a ideologia do sucesso sem saber direito o que isso significa. "Seja um vencedor", diz a faculdade onde você estuda, o bar onde você leva sua namorada, o carro que você dirige, o cigarro que você fuma. O que devemos vencer, ao certo, ninguém sabe.
Atordoados por nossos inimigos difusos, é difícil entendermos o que Michael Schumacher está fazendo na Fórmula 1. Ou, mais precisamente, por que ele senta num carro para fazer figuração.
Afinal, ele era um campeão. Ele era um vencedor. Ele saiu por cima, sem o desejado oitavo título (apesar de todas as tentativas da FIA de entregá-lo em suas mãos), mas aclamado, sabe-se lá por quem, como o 'melhor piloto de todos os tempos'. E, de fato, ninguém jamais venceu tanto, ninguém jamais conquistou tantos títulos. Era, em suma, o exemplo mais bem acabado de alguém acometido pelas benesses do sucesso.
Em seus tempos de Ferrari, ele personificava tudo aquilo que o ocidental médio quer ser (ou é levado a querer). Seu talento jamais seria colocado em questão. Ele tinha uma casa confortável, os carros mais desejados, uma família feliz, um cachorro de estimação, boas histórias para contar, tempo livre para cultivar hobbies e... grana, muita grana. Grana suficiente para se aposentar antes dos 40. E você aí, vivendo de aluguel.
Até que, um belo dia, algum executivo de Stuttgart coloca um contrato de cifras absurdas na frente dele e pede para ele assinar. Ele assina. E, dessa vez, dor nenhuma no pescoço o impede de saltar outra vez num cockpit de Fórmula 1.
Antes dessa assinatura, Schumacher era uma unanimidade, o alvo de todas as máquinas fotográficas onde quer que estivesse, alguém cujas palavras dariam capa em todos os jornais. Hoje ele é um funcionário de uma empresa que fabrica carros, que não cansa de andar atrás do companheiro.
Nós, mortais, concluimos que com aquele contrato assinado, Schumacher vendeu sua alma, em troca de alguns milhões. Errado.
Claro que não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que existe alguém no mundo satisfeito com o dinheiro que tem. Queremos sempre mais, o capitalismo cria necessidades. Nunca somos nós que temos o dinheiro, é ele que nos têm. Ainda assim, Schumacher não colocou seu nome no papel por causa das cifras.
Renunciando a toda sua aura, ao mito do 'melhor do mundo', Schumacher incomodou muita gente. Porque ele provou o quanto há de vazio na ideologia do sucesso que a toda hora nos vendem. Vivem nos dizendo que devemos vencer. "Ao vencedor, as batatas", retruca Machado se Assis.
Pois a verdadeira satisfação não vem do sucesso. Qualquer piloto da Fórmula 1 diz que corre para vencer. Devemos acreditar no que eles dizem? Trulli podia vencer tudo o que quisesse no kart, mas preferiu ser um piloto ordinário na Fórmula 1. Se ele quisesse realmente vencer, não estaria ele até hoje correndo de kart?
Talvez os pilotos não saibam, mas eles correm não para vencer pura e simplesmente, mas por suas próprias identidades. Michael Schumacher voltou à Fórmula 1 porque ele não consegue ser outra coisa - a saber, um milionário com um cachorro enfiado em sua casa ou correndo de moto como um 'café com leite'. Ele não é o babaca da história: os verdadeiros babacas são os executivos da Mercedes que jogaram um caminhão de dinheiro nas mãos de um piloto na certeza de que estavam comprando uma máquina de ganhar corridas. Ora, isso ele não é. Ele é alguém que gosta do que faz.
Thursday, August 12, 2010
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