Thursday, August 5, 2010

Weber e o Safety Car

Acalme-se, pequeno gafanhoto, não falta nenhuma letra no título do post. Pois em nenhum momento ele vai falar de um certo piloto australiano que anda líder de um campeonato mundial. O Weber daqui é o Max, sociólogo alemão (1864-1920), e o que ele tem a nos dizer sobre as corridas de automóvel.

Ainda é famosa, mesmo entre leigos, sua obra "A ética protestante e o espírito do capitalismo", que usa a religião para explicar um comportamento econômico. Mais especificamente, o comportamento econômico da sociedade norte-americana.

Como se sabe, a sociedade estadunidense foi uma das responsáveis pela expansão e manutenção do capitalismo, tornando-se, também, a maior potência econômica, e não apenas econômica, da atualidade. Eis, em linhas muito gerais, a explicação de Weber para o fenômeno.

A sociedade norte-americana foi fundada por protestantes - puritanos calvinistas, para ser mais exato. Foram eles que chegaram no primeiro navio e tiveram que construir um ambiente social próprio, do zero. Ora, um dos mais importantes traços do calvinismo é a teoria da predestinação:de acordo com Calvino, os homens já nascem escolhidos se vão para o reino do céu ou para o inferno.

Porém, Calvino explica que, caso o trabalho do homem frutifique e ele enriqueça, isso é um sinal de que ele é predestinado. Isso incutiu no colono americano a moral do trabalho. Não sou economista, mas desde Adam Smith (e apenas desde Adam Smith) nós sabemos que a riqueza é criada a partir do trabalho.

Há, portanto, uma "afinidade eletiva" entre a moral protestante e o capitalismo. Por isso ele se desenvolveu tão bem nos EUA, e por isso, como Tocqueville havia previsto, a terra do Tio Sam se tornou a potência que é hoje.

Agora vamos falar do que interessa, as corridas. Tanto a Europa quanto os EUA desenvolveram, a partir do fim do século XIX, um interesse especial por corridas de automóvel, embora com algumas diferenças. A diferença que interessa aqui é a das bandeiras amarelas.

Antes da Fórmula 1 acolher as bandeiras amarelas com Safety Car em suas provas (isoladamente em 1973, e com frequência a partir de 1992), os europeus costumavam zombar do fato delas surgirem em tanta profusão do outro lado do Atlântico. De fato, elas surgiram nos Estados Unidos, e acontecem com muito mais frequência por lá: qual foi a última prova em pista oval que você viu sem nenhuma bandeira amarela?

Portanto, há algo nelas que diz a respeito do automobilismo americano, e também, por que não, a sua sociedade.

Mas antes precisamos ressaltar o quanto o automobilismo, como qualquer outro esporte individual, tem a ver, também, com o "espírito do capitalismo". Numa corrida, todos os pilotos são inscritos como iguais. Sem distinção de classe ou origem. A ordem de largada é definida pelo "talento", não pelo título nobiliárquico, por exemplo.

Pode parecer óbvio, mas isso só acontece porque o automobilismmo foi inventado num mundo capitalista. Kant foi um dos primeiros a escrever para reis e burgueses que todos os homens nascem com as mesmas faculdades mentais - algo que a constituição americana de 1776 já admite. Antes disso, ninguém nascia igual: havia os nobres, os padres e os trabalhadores.

O automobilismo é a expressão de uma ideologia que surge com o capitalismo, a democracia.

Ou seja, a posição que um piloto ocupa dentro da pista é, a princípio, um reflexo do seu "talento" (entendido aqui como o trabalho de uma vida para lapidar determinadas qualidades) e dos que montaram o seu carro. Mas aí...

Aí vem uma bandeira amarela e coloca todos os pilotos, outra vez, colados um ao outro, e a diferença que o seu "talento" (= trabalho) fez durante toda a corrida vai pelo ralo. E o resultado final da prova não vai refletir nada disso, apenas a sua sorte.

Não seria uma incoerência? Pois o país que mais prezou, historicamente, a moral do trabalho, admite que, no automobilismo, ela seja, por assim dizer, interditada em momentos específicos.

Pensando bem, os EUA prezam a democracia mais que tudo, desde que dentro de suas fronteiras. Em nome da liberdade dos norte americanos, ditaduras em outros lugares já foram toleradas e até incentivadas. Se você esteve no Panamá em 1910, você sabe o que quero dizer.

Se você esteve em El Mozote, em 1981, você sabe o que quero dizer.

Se você esteve em Santiago em 1973, e no Chile desde ano a 1989, você sabe o que quero dizer.

Se você esteve no Brasil entre 1964 e 1985, você sabe o que quero dizer.

Se você esteve no Iraque em 1982, você sabe o que quero dizer.

E se você viu a Nascar ou a Indy alguma vez na sua vida, talvez você também saiba.

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