Na pré-temporada, escrevi um post sobre o traçado de Sakhir e a mudança de traçado promovida pelos organizadores para a prova da Fórmula 1. Para minha surpresa, durante uma pesquisa completamente sem relação com o automobilismo, me deparei com a foto acima, tão fascinante que merece algumas linhas para melhor apreciação.
A imagem saiu das lentes do fotógrafo Andreas Gursky, alemão de Leipzig (nascido em 1955), criado em Düsseldorf. E justamente nesta última cidade estudou fotografia na academia de artes, tendo como professores o casal Bernd e Hilla Becher, que no fim dos anos 60, criaram uma nova maneira de pensar esteticamente a fotografia, radical e sem concessões - que foi posteriormente nomeada de Escola de Düsseldorf.
Gursky é um dos expoentes mais conhecidos da Escola. Por se tratar de uma obra de arte, a interpretação é livre, e o que proponho aqui é apenas um caminho. Antes, porém, cabe colocar que a reprodução acima está fora de escala: a imagem exibida nos museus e galerias tem dimensões muito maiores, de incríveis 302.2 x 219.6 cm. Ou seja, a imagem original tem três metros de altura.
O grande formato é uma característica marcante da Escola de Düsseldorf, pela qual seus participantes são identificados com os pintores de grande formato do passado, como Rembrandt ou David. Algo tão grande e, no entanto, sem qualquer ponto de referência, algo que chame a atenção. Não há hierarquia dos elementos na foto.
Se você entende de Fórmula 1, não vai demorar muito até encontrar algo estranho nela. Tente identificar as curvas do circuito. Tente localizar os boxes. A obra é de 2005, provavelmente o 'clique' foi feito com o autódromo já pronto. Conclui-se, portanto, que a imagem foi manipulada digitalmente, alguns elementos foram suprimidos; outros, trocados de lugar.
Gursky não deve estar muito interessado no traçado em si da pista. Ele se interessa mais nos meandros que a pista faz por si mesma. Aliás, do modo como ele a concebe, do alto, parece que estamos vendo mais um desenho do intestino delgado do que um circuito de corrida.
Tanto asfalto em meio a uma imensidão plana de deserto. Ao fundo, uma construção indiscernível e algumas autoestradas cortando a areia como veios. A superfície é vista como um tecido.
Não há pessoas, não há um interesse em promover uma identificação com o objeto fotografado, como no trabalho de Cartier-Bresson ou Sebastião Salgado, por exemplo. Gursky, e a Escola de Düsseldorf em geral, quer mais é esgarçar nos seus imensos negativos o tédio, a própria falta de interesse.
Sim, falta de interesse. Escancarar não há nada do outro lado da pista; percorrer o autódromo de Sakhir não levará o piloto ou o espectador a um lugar diferente, mas a outro ponto exatamente igual, onde não há nada particularmente arrebatador. Porque isso, afinal, é o mundo contemporâneo, pós-industrial, em que o entretenimento é produzido em série, e, portanto, nossas próprias individualidades são produzidas em série.
Essa é uma explicação mais geral dos fotógrafos "de Düsseldorf" - aliás, é um traço mais distintivo da obra de Thomas Struth que a do próprio Gursky. O que é próprio a este último é o reconhecimento de padrões e ritmos nos objetos fotografados.
A forma como as curvas se sucedem, como elas são diferentes, mas, ao mesmo tempo, iguais. Acho que Gursky não gosta de Fórmula 1. E, por isso mesmo, conseguiu obter um dos retratos mais precisos da era Tilke.
Copyright Andreas Gursky
Tuesday, July 6, 2010
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