Monday, July 26, 2010

O pacto com o espectador, e por que este blog não irá comentar o próximo GP

A troca de posição entre os pilotos da Ferrari no GP da Alemanha violou muito mais do que a malfeita regra da proibição do jogo de equipe na Fórmula 1. Ela violou o pacto da Fórmula 1 com o espectador. Já abordei este assunto aqui uma ou mais vezes, mas creio que vale a pena entrar em detalhes neste caso específico.

Em primeiro lugar, há de se convir que a proibição das ordens de equipe é uma dessas besteiras que se encontram aos montes no regulamento desportivo da categoria. Porque, em determinados casos, ela é aceitável: Gilles Villeneuve fez questão de não disputar o título em 1979 para ajudar o seu companheiro, sabendo que time lhe daria uma chance no futuro. Quando ela chegou, em 1982, Didier Pironi não aceitou - se ele tivesse cedido sua posição no GP de San Marino de 1982, talvez não fosse um ato condenável, porque não se trataria de uma questão comercial, mas de duas pessoas lutando por um objetivo comum. Isso também acontece, com muita frequência, nos finais de campeonato, e não há demérito nisso.

O condenável na atitude da Ferrari em Hockenheim foi forçar uma troca de posição em favor das ínfimas chances de Alonso vir a ser campeão neste ano, em detrimento ás não muito mais ínfimas chances de Massa vencer ao fim do ano. Foi uma demonstração clara de poder corporativo sobre a situação de pista.

Afinal, Patrese não cedeu sua liderança no GP do México de 1991 ao primeiro piloto de sua equipe, Nigel Mansell. Nem Webber a Vettel na Turquia, dois meses atrás. Porque é na pista que primeiros e segundos pilotos são definidos, não no contrato assinado.

Se o vencedor da prova já estava decidido, então por que toda aquela perseguição após o pit stop, por que Alonso colocar o carro ao lado para tentar ultrapassar enquanto os pneus de Massa não estavam devidamente aquecidos? Não era pra valer?

Se aquilo não era sério, então a Ferrari violou o pacto com o espectador. Ofereceu uma mentira como se fosse verdade. O espectador assiste à Fórmula 1 como esporte, na esperança de que os pilotos estejam brigando por suas posições porque querem mantê-las, não por mera encenação. Os espectadores sabem que há interesse comercial por trás de tudo, e, acima de tudo, que o esporte não é justo, nem sempre vence o melhor (e por que haveria de ser assim, se a vida não é?). Mas, para que isso seja tolerado, é preciso que, da largada ao final da última volta, as implicações com a conta bancária, as relações com o patrocinador não sejam os atores do evento. Uma equipe é uma empresa, mas ninguém torce para uma empresa em uma corrida - torcem para o que ela, como equipe, significa.

A Ferrari é culpada por não respeitar o ínfimo lugar reservado ao esporte dentro da Fórmula 1. Alonso tem sua parcela de culpa por ter aceitado fazer parte da encenação. Felipe Massa foi vítima, constrangido pela empresa que paga seu salário a atentar contra o esporte que pratica profissionalmente, e contra os torcedores que o apoiam. Mas também é culpado, por ter tido a escolha de recusar a encenação, e ter encenado mesmo assim.

Nós, espectadores, fomos vítimas por não termos recebido da Fórmula 1 o que ela se propõe a nos entregar. Mas, e se assistirmos ao próximo GP, na semana que vem, não seremos também culpados?

Quero chegar ao ponto de que a única forma de ação que cabe aos que se sentiram injustiçados pelo que aconteceu no domingo é recusar o pacto, uma vez que seja. Obviamente, isso só se traduziria em um resultado concreto se outras pessoas decidissem fazer o mesmo - especialmente as que vivem na Europa Ocidental.

O problema é que a TV permite o anonimato ao espectador. Falar aos quatro ventos que vai boicotar a Fórmula 1 é fácil, difícil é cumprir a promessa, já que ninguém pode fiscalizar se você a cumprirá ou não.

Por isso, limito-me a fazer um protesto individual e desesperançado por meio deste blog: não haverá, nele, um comentário sequer sobre o GP da Hungria, a ser realizado no próximo dia 1o de agosto. Nenhuma palavra sobre o que acontece por sobre o asfalto de Hungaroring, pois não posso garantir se lá vai acontecer uma corrida ou a dramatização de uma. A restrição vale por um GP.

Qualquer um que sai de uma faculdade de comunicação sabe que só há uma arma mais perigosa que as palavras: o silêncio. Meu silêncio não vai mudar o mundo, mas prefiro calar-me em nome de minha consciência. Quem sabe outras consciências não se sintam impelidas a fazer o mesmo.

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