Saturday, July 17, 2010

Fangio, recuerdos de uma morte

ERA O DIA NOVE de abril de 1995 no autódromo Oscar Galvez, em Buenos Aires, que, apesar da chuva que castigara a cidade a semana inteira, estava em festa. A Fórmula 1 realizaria, dentro em poucas horas, seu primeiro GP da Argentina desde 1981.

Uma Ferrari solitária cortava a pista com o ensurdecedor ruído de um V12 3,5 litros. O piloto completou seis voltas e se retirou. Era Carlos Reutemann a bordo, ex-piloto argentino e, na época, governador da província de Santa Fé. A Scuderia havia trazido o carro que Berger pilotara em Portugal no ano anterior para que ele pudesse fazer uma demonstração - promovida porque a Philip Morris era a principal patrocinadora do evento, e a Fiat inauguraria uma nova fábrica no país.

Reutemann não fez feio, para quem não sentava num Fórmula 1 desde 21 de março de 1982, dia em que saiu de sua Williams em Jacarepaguá para abandonar em definitivo a carreira de piloto. Deu seis voltas na quinta-feira e outras seis, como já foi dito, no domingo, num asfalto encharcado, uma hora antes dos boxes serem abertos para que os pilotos inscritos pudessem partir para a volta de formação.

"Lole", como é conhecido, foi a estrela nacional do fim de semana e um dos grandes motivadores do retorno da Fórmula 1 à Argentina, ao lado de Carlito Menem, filho de Carlos Menem, presidente da república. Também piloto, Carlito falecera três semanas antes do GP em um acidente de helicóptero. Foi homenageado como nome de troféu entregue pelo pai no sábado ao pole position.

EM MEIO A TANTAS menções, porém, o nome de Juan Manuel Fangio passou batido. Sua única imagem no autódromo era uma foto nos boxes da McLaren: o pentacampeão manteve, desde que se aposentou das pistas, uma longa relação com a Mercedes, fornecedora de motores para Ron Dennis a partir daquele ano. No mais, seu nome só era citado nas conversas nas arquibancadas e no paddock. Numa delas, Roberto Carozzo, biógrafo de Fangio, confidenciou ao jornalista português Francisco Santos o motivo de tanto silêncio: o país inteiro sabia que sua morte estava próxima, seus problemas renais haviam se agravado e já há meses passava longos períodos inconsciente. Para poupá-lo, sequer lhe avisaram que ocorreria um GP da Argentina.

O óbito de Fangio foi registrado às 04h10 de 17 de julho de 1995, há exatos 15 anos, portanto.

Dois dias antes, em Buenos Aires, uma gripe obrigou sua internação na clínica Mater Dei, a qual evoluiu para uma pneumonia que terminou por esgotar as suas últimas forças. Seu corpo foi velado no Salão Branco da Casa Rosada, depois na sede do Automóvil Club Argentino, e depois seguiu para a pequena cidade de San José de Balcarce, onde nascera. Ao chegar, foi mais uma vez velado no museu que leva seu nome, para então ser finalmente enterrado, na tarde do dia 18, no túmulo da família.

CURIOSAMENTE, TALVEZ FANGIO tenha se aproximado mais da morte fora das pistas do que dentro dela. Pilotando, foram duas as vezes em que alega-se ter chegado próximo da fatalidade. Fora delas, a primeira talvez tenha sido um infarto que sofreu aos 71 anos, em Buenos Aires. O coração também lhe abandonaria à própria sorte no dia 4 de dezembro de 1981, após um bizarro evento de exibição em Dubai, que o obrigou a ser transladado dos Emirados Árabes direto para a Argentina. Quase exatamente um ano depois, se encontrava sentado numa mesa de operações, submetido a bypass, para a realização de uma cirurgia cardiorrespiratória.

Fangio ainda pode, porém, gozar de uma década inteira sem grandes sustos, sempre ativo e presente, envolvido em seus negócios pessoais ou fazendo exibições com os carros que costumava pilotar na década de 50. Grandes sustos, aliás, uma ova: em Adelaide, durante o GP da Austrália de 1990, um caminhão erroneamente situado no meio da pista o obrigou a uma manobra brusca, que resultou na batida da Mercedes W196 contra o muro. O piloto nada sofreu.

Já em 1992, após as efusivas homenagens recebidas por seus 80 anos completados, no ano anterior, teve de ser internado para a retirada de um tumor benigno dos rins - os problemas renais, no entanto, o acompanhariam pelo resto da vida.

A ÚLTIMA VEZ QUE CONDUZIU um carro na vida foi numa demonstração na Itália, em 1993. Era uma Alfetta 159. Seu quadro, no entanto, não parava de se agravar. Já fazia três sessões semanais de hemodiálise quando, em 29 de dezembro, foi internado na Mater Dei por hipercalcemia no sangue.

Estava em Balcarce quando Ayrton Senna bateu contra a Tamburello. Não assistia à corrida, mas a tv de casa estava ligada, e ao se deslocar do seu quarto ao banheiro, ouviu o noticiário. Indagou aos parentes o que havia ocorrido com seu amigo, ao que estes desconversaram. Dias depois, sua sobrinha lhe contou sobre a morte.

Seu últimos dias em geral foram passados em sua cidade natal ou em sua casa na capital, no bairro de Palermo Viejo. Estava sempre rodeado de amigos, e, a pedido destes, Stirling Moss foi à Argentina especialmente para visitar seu antigo adversário. Pela última vez, ainda em 1994.

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