Friday, September 4, 2009

Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo


Giancarlo Fisichella realiza seu sonho. O meu sonho. O seu sonho. Sobre Fisichella, tanto já foi dito, que talvez seja melhor falar sobre sonhos.

Pois então, aqui começa o post. Para muitos, a frase colocada no título inaugura o século XX, mesmo que cunhada pouco antes do nascimento de Cristo. Seu autor não poderia ter dados biográficos mais coincidentes: romano, como Fisichella; embora nascido na região de Mântua.

“Se não posso submeter as forças superiores, moverei o Acheronte”, exclama o provérbio (os amantes do Lácio me corrijam se estiver errado). O
Acheronte, diz a mitologia, é o rio que leva as almas ao mundo dos mortos – algo que os cristãos deram outra função e outro nome, que talvez você conheça: Inferno.

Quando Dante Alighieri, no meio do caminho de sua vida, se põe a adentrar pelos nove círculos do Inferno em busca da amada Beatriz, é o autor deste provérbio que o toma pela mão.

O século passado começa quando um médico austríaco faz ressoar a frase supracitada no prefácio de um livro. O médico se chama Sigmund Freud, e o livro, A Interpretação dos Sonhos. A um só golpe, Freud nos abre um século, o nosso inconsciente e os portões do inferno.

Não foi pouco o espanto e as críticas que acompanharam esta frase. Até hoje ela é pouco compreendida. Para a psicanálise, não somos os senhores de nossos próprios desejos e aspirações: pelo contrário, eles nos controlam. Muitas vezes, porém, nossos desejos não condizem com aquilo que os outros (ou “
o Outro”) esperam de nós, e somos obrigados a mantê-los guardados nos porões de nossa subjetividade. Em suma, carregamos cada um nosso inferno dentro de nós.

No entanto, guardar para si um desejo não é uma tarefa simples. Nossos porões têm frestas, e se não tiverem, a pulsão daquilo que guardamos neles é tão forte que serão logo cavados.

Quando dormimos, arrefecemos as barreiras que contém tais pulsões. Elas saem então de forma velada, escondidas através de símbolos e metáforas. É o que chamamos de sonhos. Por isso, quando um desejo se realiza (como se pode notar no início do post), dizemos que “foi realizado um sonho”.

E é precisamente aqui, na realização do desejo, que o provérbio entra na história. Lembre-se, se o guardamos em nosso “inferno”, deve haver algum motivo. O mais freqüente é que o desejo nos implique uma atitude que deploramos. Apaixonar-se por uma pessoa comprometida, ou do mesmo sexo, ou se estamos comprometidos em uma relação, por exemplo. Ou se tal realização implique na morte de alguém - tudo depende do que julgamos ser ou não deplorável.

Acontece que nossos desejos não se prendem às nossas convicções. Sublinha-se: eles nos controlam. E se as forças do Céu não nos favorecem, moveremos sem hesitar as forças do Inferno.

Fisichella realiza um desejo: pilotar a Ferrari. Para que isto ocorresse, teve que mover as forças do inferno: Felipe Massa teve de sofrer um acidente grave, e Luca Badoer teve de ser queimado.

Talvez seja por isso que gostemos de Fórmula 1, porque ela nos preenche uma necessidade intrínseca: realizar nossas pulsões de morte sem ter que suportar o peso da culpa que trazem consigo.

“Estou no sétimo céu”, disse Fisichella. Seria mero acaso ele ter usado uma metáfora dantesca na primeira declaração como piloto da Ferrari?


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