Gilles Villeneuve contornando a curva Tarzan, em Zandvoort, em seu traçado típico: fora da pista; durante o GP da Holanda de 1981.
No post anterior, tentei traçar um percurso lógico que ligase a alteração na atual pontuação com o desencorajamento de disputas em pista e abandonos. Alguns devem ter achado estranho bater tão enfaticamente na tecla dos abandonos. Contudo, acredito que eles sejam um aspecto importantíssimo do esporte a motor e que seu desaparecimento paulatino é um movimento consciente dos dirigentes.
Mas em primeiro lugar, pretendo defender o novo sistema de pontuação do rótulo de ‘nascarizada’. Considerando que a Fórmula 1 terá 26 carros em 2010, o sistema pontuará algo em torno de 40% do grid, na mesma proporção que o sistema em vigor de 2003 a 2009 o fez. Durante os anos 70 e 80, apenas seis carros pontuavam entre até 40 inscritos.
A distorção, porém, não está no sistema atual, mas sim durante os anos 70 e 80. Pois a zona de pontuação com seis posições foi criada durante os anos 60, nos quais os grids da Fórmula 1 raramente ultrapassavam os 20 carros. Em alguns casos extremos, como em 1969, as largadas ocorriam com 15 participantes, ou até menos.
Quando o grid inchou, o sistema de pontuação não acompanhou o mesmo movimento.
Durante essa época, e desde o começo do mundial, o sistema de pontuação incluía um recurso que estimulava ainda mais a luta pelas primeiras posições: o descarte. Sua aplicação variou ao longo do tempo, mas o princípio permaneceu inalterado: havia um número máximo de pontuações que um piloto podia acumular durante a temporada. Se ela abrangesse 16 provas, por exemplo, e o número máximo de pontuações fosse 11, os cinco piores resultados do piloto seriam desconsiderados. Não importa se fossem abandonos, sextos lugares, segundos ou vitórias.
Portanto, um competidor que estivesse em segundo lugar em alguma corrida e se sentisse em condições de lutar pela liderança o faria sem hesitar: mesmo que a tentativa fosse frustrada, ele quebrasse ou batesse, isto não interferiria na tabela de pontuação – ao menos isoladamente.
Com isso, é óbvio, os pilotos assumiam mais riscos, eram mais inclinados a sair das zonas de conforto e buscarem pontos de freada mais distantes, trajetórias mais arriscada e pontos de ultrapassagem inexistentes.
Como consequência, os abandonos eram mais frequentes. Com os regulamentos técnicos e desportivos atuais, o risco de abandono passou a ser desencorajado: forçar um motor que deve durar quatro GPs é uma atitude irracional, bem como tentar ganhar alguns pontos a mais correndo o risco de perdê-los para mais adversários se algo sair errado.
Por que ligamos a televisão? Para assistir indivíduos corajosos buscando novos limites para a capacidade criativa e intuitiva humana? Ou um desfile de burocratas entrincheirados em suas zonas de conforto como estagiários em suas baias?
Com o atual regulamento, e o que se desenha para a temporada de 2010, um chefe de equipe pensaria duas vezes antes de contratar um Gilles Villeneuve, por exemplo. Um piloto que se arrisca em manobras perigosas, que não tem medo em retardar um ponto de freada ou de arriscar uma ultrapassagem não possui lá o ‘perfil’ desejado pela Fórmula 1.
Mas afinal, por que ligamos a televisão todo domingo de manhã e, cada vez mais frequentemente, em plena madrugada? Para assistir indivíduos corajosos buscando novos limites para a capacidade criativa e intuitiva humana? Ou um desfile de burocratas entrincheirados em suas zonas de conforto e ‘estratégias de pit stop’ como estagiários de grandes empresas escondidos em suas baias, cumprindo ordens de engenheiros?
Aparentemente, os dirigentes do esporte a motor acreditam na segunda opção. Afinal de contas, a diminuição dos abandonos (fenômeno observável desde 2003 na Fórmula 1) é um movimento consciente e planejado.
Ao diminuir e desencorajar atitudes de risco, a Fórmula 1 se torna menos capaz de articular nossa subjetividade.
Não se trata aqui de dizer que “o grande público gosta mesmo é de ver batida”. Acontece que o abandono é uma parte fundamental da gramática do automobilismo. Uma língua é tão complexa quanto necessária para basear as relações e trocas simbólicas de uma sociedade – quanto menos complexa uma língua, mais pobre simbolicamente é a cultura que a utiliza.
Ao diminuir e desencorajar atitudes de risco, a Fórmula 1 se torna menos capaz de articular nossa subjetividade. Como consequência, nos sentimos menos inclinados a ligar a tv para ver a largada.
Por outro lado, menos abandonos significam menos riscos às marcas que estampam os carros,e, claro, um menos risco de morte aos pilotos. Justamente após aos eventos de maio de 1994 (sim, sempre os eventos de maio de 1994) as pessoas e instituições que investem financeiramente na Fórmula 1 tomaram este caminho mais bem definido.
Desde o início do esporte até há poucos anos, uma espécie de auto-regulação sempre controlou os ânimos para que as corridas não virassem carnificinas. Acordos entre pilotos, intermináveis discussões no paddock sempre existiram para que um pacto fosse estabelecido. Por determinação de alguns senhores, no entanto, tudo isso foi descartado e os piloto foram colocados sob a tutela do capital.
Hoje a Fórmula 1 paga o preço da segurança do investimento de alguns senhores de terno e gravata. Os novos Sennas (ok, mau exemplo), Villeneuves, Pironis, Petersons, Schumachers e Moss continuam a nascer, mas são direcionados a outros esportes ou práticas que os permitam vivenciar situações de risco. Os efeitos sutis e indiretos do novo sistema de pontuação fazem a Fórmula 1 dar mais um passo para a inocuidade a irrelevância.
No post anterior, tentei traçar um percurso lógico que ligase a alteração na atual pontuação com o desencorajamento de disputas em pista e abandonos. Alguns devem ter achado estranho bater tão enfaticamente na tecla dos abandonos. Contudo, acredito que eles sejam um aspecto importantíssimo do esporte a motor e que seu desaparecimento paulatino é um movimento consciente dos dirigentes.
Mas em primeiro lugar, pretendo defender o novo sistema de pontuação do rótulo de ‘nascarizada’. Considerando que a Fórmula 1 terá 26 carros em 2010, o sistema pontuará algo em torno de 40% do grid, na mesma proporção que o sistema em vigor de 2003 a 2009 o fez. Durante os anos 70 e 80, apenas seis carros pontuavam entre até 40 inscritos.
A distorção, porém, não está no sistema atual, mas sim durante os anos 70 e 80. Pois a zona de pontuação com seis posições foi criada durante os anos 60, nos quais os grids da Fórmula 1 raramente ultrapassavam os 20 carros. Em alguns casos extremos, como em 1969, as largadas ocorriam com 15 participantes, ou até menos.
Quando o grid inchou, o sistema de pontuação não acompanhou o mesmo movimento.
Durante essa época, e desde o começo do mundial, o sistema de pontuação incluía um recurso que estimulava ainda mais a luta pelas primeiras posições: o descarte. Sua aplicação variou ao longo do tempo, mas o princípio permaneceu inalterado: havia um número máximo de pontuações que um piloto podia acumular durante a temporada. Se ela abrangesse 16 provas, por exemplo, e o número máximo de pontuações fosse 11, os cinco piores resultados do piloto seriam desconsiderados. Não importa se fossem abandonos, sextos lugares, segundos ou vitórias.
Portanto, um competidor que estivesse em segundo lugar em alguma corrida e se sentisse em condições de lutar pela liderança o faria sem hesitar: mesmo que a tentativa fosse frustrada, ele quebrasse ou batesse, isto não interferiria na tabela de pontuação – ao menos isoladamente.
Com isso, é óbvio, os pilotos assumiam mais riscos, eram mais inclinados a sair das zonas de conforto e buscarem pontos de freada mais distantes, trajetórias mais arriscada e pontos de ultrapassagem inexistentes.
Como consequência, os abandonos eram mais frequentes. Com os regulamentos técnicos e desportivos atuais, o risco de abandono passou a ser desencorajado: forçar um motor que deve durar quatro GPs é uma atitude irracional, bem como tentar ganhar alguns pontos a mais correndo o risco de perdê-los para mais adversários se algo sair errado.
Por que ligamos a televisão? Para assistir indivíduos corajosos buscando novos limites para a capacidade criativa e intuitiva humana? Ou um desfile de burocratas entrincheirados em suas zonas de conforto como estagiários em suas baias?
Com o atual regulamento, e o que se desenha para a temporada de 2010, um chefe de equipe pensaria duas vezes antes de contratar um Gilles Villeneuve, por exemplo. Um piloto que se arrisca em manobras perigosas, que não tem medo em retardar um ponto de freada ou de arriscar uma ultrapassagem não possui lá o ‘perfil’ desejado pela Fórmula 1.
Mas afinal, por que ligamos a televisão todo domingo de manhã e, cada vez mais frequentemente, em plena madrugada? Para assistir indivíduos corajosos buscando novos limites para a capacidade criativa e intuitiva humana? Ou um desfile de burocratas entrincheirados em suas zonas de conforto e ‘estratégias de pit stop’ como estagiários de grandes empresas escondidos em suas baias, cumprindo ordens de engenheiros?
Aparentemente, os dirigentes do esporte a motor acreditam na segunda opção. Afinal de contas, a diminuição dos abandonos (fenômeno observável desde 2003 na Fórmula 1) é um movimento consciente e planejado.
Ao diminuir e desencorajar atitudes de risco, a Fórmula 1 se torna menos capaz de articular nossa subjetividade.
Não se trata aqui de dizer que “o grande público gosta mesmo é de ver batida”. Acontece que o abandono é uma parte fundamental da gramática do automobilismo. Uma língua é tão complexa quanto necessária para basear as relações e trocas simbólicas de uma sociedade – quanto menos complexa uma língua, mais pobre simbolicamente é a cultura que a utiliza.
Ao diminuir e desencorajar atitudes de risco, a Fórmula 1 se torna menos capaz de articular nossa subjetividade. Como consequência, nos sentimos menos inclinados a ligar a tv para ver a largada.
Por outro lado, menos abandonos significam menos riscos às marcas que estampam os carros,e, claro, um menos risco de morte aos pilotos. Justamente após aos eventos de maio de 1994 (sim, sempre os eventos de maio de 1994) as pessoas e instituições que investem financeiramente na Fórmula 1 tomaram este caminho mais bem definido.
Desde o início do esporte até há poucos anos, uma espécie de auto-regulação sempre controlou os ânimos para que as corridas não virassem carnificinas. Acordos entre pilotos, intermináveis discussões no paddock sempre existiram para que um pacto fosse estabelecido. Por determinação de alguns senhores, no entanto, tudo isso foi descartado e os piloto foram colocados sob a tutela do capital.
Hoje a Fórmula 1 paga o preço da segurança do investimento de alguns senhores de terno e gravata. Os novos Sennas (ok, mau exemplo), Villeneuves, Pironis, Petersons, Schumachers e Moss continuam a nascer, mas são direcionados a outros esportes ou práticas que os permitam vivenciar situações de risco. Os efeitos sutis e indiretos do novo sistema de pontuação fazem a Fórmula 1 dar mais um passo para a inocuidade a irrelevância.
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