Um grande campo aberto, com algumas montanhas ao fundo. Um fim de tarde. Quatro jovens em trajes romanos se reúnem em torno de uma pedra. Quem são eles? Por que estão vestidos assim? Onde eles estão?
As coroas florais e cajados nos respondem a primeira pergunta: são pastores. Um elemento externo justifica suas vestimentas: as figuras retratadas são inspiradas nas antigas esculturas helênicas e romanas, das quais também tomam emprestado o ideal de beleza que personificam. O modo balanceado, quase simétrico em que estão dispostos se deve às regras de composição herdadas da Renascença, em particular de Rafael. Não é uma pedra que os detém a atenção, mas uma lápide – ou uma grande tumba., tão plácida, tão misteriosa quanto seus quatro acidentais visitantes.
Um dos homens ajoelhados tenta decifrar a inscrição. Tarefa também complicada para nós, até mesmo quando vemos a obra em reproduções impressas, quanto mais em escaneamentos mal feitos. Por isso também preciso colocá-la aqui: ET IN ARCADIA EGO.
“E na Arcádia estou”. A Arcádia, uma região do Peloponeso, após a Renascença assumiu o significado de um lugar idílico, bucólico, sereno, isento de arroubos passionais e fortes emoções – e também de sofrimento. Precisamente o mundo em que os quatro jovens habitam. “Eu, a Morte, faço-me presente até no mais sereno dos mundos”, parece dizer a tumba.
O autor da obra é o pintor francês Nicolas Poussin (1594-1665), bastante famoso e celebrado em seu tempo. Se você jamais ouviu falar dele, porém, não se preocupe. Existem por aí muitos entendidos que sabem diferenciar um Renoir de um Monet e, mesmo assim, não se detém em Poussin. A tradição deste último, a acadêmica, após um apogeu de dois séculos, mergulhou em tal rigidez e assepsia que asfixiou e secou.
E o que a temporada de 2009 de Fórmula 1 tem em comum com uma pintura do século XVII? Certamente, não a paisagem. Quanto mais ela abandona a Europa em favor do Oriente, mais ela deixa estes campos bucólicos (Poussin, especificamente, se inspirou nos arredores de Roma) em favor de paisagens urbanas e circuitos de rua.
Por outro lado, se a Fórmula 1, digamos, dos anos 80 e 90 têm mais árvores e pradarias ao seu redor, hoje ela parece muito mais árcade. Grandes pegas e ultrapassagens eram mais vistos em Österreichring do que em Abu Dhabi ou Marina Bay – com os carros na pista, por mais velozes que sejam, tudo parece um calculado ballet, sereno, isento de arroubos passionais e fortes emoções.
Curiosamente, foi numa paisagem árcade, nos arredores de Budapeste, conhecido como um lugar onde nada costuma acontecer (na pista) que categoria levou seu maior susto em muito tempo. Na reta oposta de Hungaroring, uma mola solta, uma volta de desacelaração e assistimos perplexos à inexplicável batida de Felipe Massa contra o muro. Ambulâncias, helicópteros, paramédicos, sangue. Et in Arcadia ego.
Poucos dias antes, o campeão mundial John Surtees enterrava seu filho Henry, vítima de um trágico imponderável numa corrida de Fórmula 2. O automobilismo europeu passou os últimos 15 anos tentando se fechar em um mundo idílico, sem morte. Renunciou a muita coisa para obter a segurança, inclusive às próprias emoções que alguém espera ao assistir a uma corrida. O acidente quase fatal de Massa, embora sem sequelas, fez a Fórmula 1 descobrir o que Poussin já havia encenado há três séculos e meio.
O corte aberto no supercílio do piloto com seu capacete quebrado sem dúvida constitui a imagem mais forte que a Fórmula 1 deixou em 2009. Ela nos faz refletir acerca das escolhas que a categoria fez na última década. Mais do que isso, porém, aponta um possível destino, caso ela persista no mesmo caminho: quem sabe algum dia não a veremos pregada numa parede no Louvre, em um corredor por onde milhares de turistas passam sem prestar atenção?
Por outro lado, se a Fórmula 1, digamos, dos anos 80 e 90 têm mais árvores e pradarias ao seu redor, hoje ela parece muito mais árcade. Grandes pegas e ultrapassagens eram mais vistos em Österreichring do que em Abu Dhabi ou Marina Bay – com os carros na pista, por mais velozes que sejam, tudo parece um calculado ballet, sereno, isento de arroubos passionais e fortes emoções.
Curiosamente, foi numa paisagem árcade, nos arredores de Budapeste, conhecido como um lugar onde nada costuma acontecer (na pista) que categoria levou seu maior susto em muito tempo. Na reta oposta de Hungaroring, uma mola solta, uma volta de desacelaração e assistimos perplexos à inexplicável batida de Felipe Massa contra o muro. Ambulâncias, helicópteros, paramédicos, sangue. Et in Arcadia ego.
Poucos dias antes, o campeão mundial John Surtees enterrava seu filho Henry, vítima de um trágico imponderável numa corrida de Fórmula 2. O automobilismo europeu passou os últimos 15 anos tentando se fechar em um mundo idílico, sem morte. Renunciou a muita coisa para obter a segurança, inclusive às próprias emoções que alguém espera ao assistir a uma corrida. O acidente quase fatal de Massa, embora sem sequelas, fez a Fórmula 1 descobrir o que Poussin já havia encenado há três séculos e meio.
O corte aberto no supercílio do piloto com seu capacete quebrado sem dúvida constitui a imagem mais forte que a Fórmula 1 deixou em 2009. Ela nos faz refletir acerca das escolhas que a categoria fez na última década. Mais do que isso, porém, aponta um possível destino, caso ela persista no mesmo caminho: quem sabe algum dia não a veremos pregada numa parede no Louvre, em um corredor por onde milhares de turistas passam sem prestar atenção?
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