Monday, January 25, 2010

O rio das lágrimas de Tadashi Yamashina

Em um post da semana passada, usei a história do Japão para desconstruir algumas explicações sobre a saída da Honda, da Toyota e da Bridgestone da Fórmula 1. Uma das imagens mais reveladoras desse processo de “êxodo japonês” da Fórmula 1, colocada acima, é o choro de Tadashi Yamashina. Também podemos aprender muito sobre a terra do sol nascente com este registro.

Até o ano passado, Yamashina desfilava pelo paddock (incógnito, diga-se de passagem) como o chefe da Toyota na Fórmula 1. Quando a equipe convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que estaria fora da categoria, não foi capaz de se conter.

Podemos supor que a situação era tão delicada e embaraçosa quanto para, por exemplo, Mario Theissen em agosto último, ao fazer anúncio semelhante. No entanto Theissen não chorou. E se chorasse, talvez não tivesse desabado tal qual Yamashina.

Onde está, afinal, a nascente destas lágrimas? Uma pista valiosa pode ser encontrada em um artigo de Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha de S. Paulo, datado de fevereiro de 2006.

Intitulado “Culpa e vergonha”, Calligaris discorre: “Num livro famoso, ‘O Crisântemo e a Espada’, de 1946, uma grande antropóloga americana, Ruth Benedict, tentou entender a sociedade japonesa.”

“Ela chegou a uma conclusão que se tornou clássica: há sociedades em que o comportamento moral é regulado pela vergonha (por exemplo, o Japão) e outras em que ele é regulado pela culpa (por exemplo, as sociedades ocidentais modernas). Em cada tipo de sociedade, ambos os afetos estariam presentes como motivações e deterrentes, mas um deles seria dominante.”

“A vergonha parece ser um regulador perfeito para as sociedades tradicionais, em que, acima da lei, vigem os códigos de honra, a fidelidade ao legado dos ancestrais, o sentimento de uma missão simbólica da estirpe e da casta - ideais que permitem medir nosso valor e nossa dignidade.”

Já a culpa, escreve o colunista, teria uma origem na doutrina cristã “de que o indivíduo deve pouco ou nada a seu passado e aos grupos aos quais ele pertence, mas é contável diante de um Deus que sabe tudo e, em última instância, julgará e punirá ou recompensará”.

Em tese, tanto a culpa quanto a vergonha produziriam efeitos semelhantes. Eis o problema, pois, como adverte Calligaris, “a culpa é um péssimo regulador moral”.

“À primeira vista, que a gente acredite ou não nas penas do inferno, pareceria lógico que evitássemos as ações que (como sabemos sempre de antemão) não nos deixariam dormir tranqüilos. Mas qualquer terapeuta sabe que não é assim: a culpa funciona como uma espécie de pagamento antecipado. Autorizo-me a fazer algo que me parece errado justamente porque sei que me sentirei culpado, e meu sofrimento futuro compra, desde já, o perdão para meu ato”.

“A vergonha é um regulador moral muito mais eficaz que a culpa porque meu sofrimento por perder a face não repara minha honra. Enquanto a própria culpa absolve o sujeito culpado, a vergonha mancha, e sentir vergonha não restitui a dignidade de ninguém. A única cura da vergonha está nos atos futuros do sujeito”.


A foto de Yamashina chorando correu o mundo – ao menos, diga-se, o mundo ocidental moderno -, perplexos que ficamos com uma manifestação tão comovente de reconhecimento do fracasso.

Como Calligaris explica em um artigo posterior, a vergonha desempenha alguma regulação em sociedades como a nossa, não relacionada ao débito com nossos antepassados ou com nosso legado, mas com a imagem que os outros têm de nós. No entanto, o pensamento japonês, que enfatiza a dimensão simbólica do trabalho, estará a partir de agora ausente da Fórmula 1.

Da próxima vez que uma equipe encerrar as operações, provavelmente teremos que nos contentar com discursos decorados de executivos com voz empostada tentando nos convencer de que estão fazendo o bem. A ausência japonesa se fará sentir então numa Fórmula 1 cada vez mais homogênea.

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