Mais difícil de notar, entretanto, era a decadência da cidade além das grades que delimitavam o circuito. Hoje, Detroit é tida como o maior desastre urbano da história dos Estados Unidos.
No domingo passado a Folha publicou em seu caderno ‘Mais!’ um artigo da New Republic, assinado por Bruce Katz e Jennifer Bradley, que apresentam mais detalhadamente alguns dos problemas da cidade que vão além do colapso da indústria automobilística.
“Nenhuma outra cidade dos EUA perdeu mais moradores desde 1950 (...). Seu governo municipal falha no cumprimento das tarefas mais básicas”.
“Uma ligação para o número de emergência 911 leva em média 20 minutos para resultar em uma ação de resposta (tais chamadas são desanimadoramente comuns na área metropolitana: ocorrem 1.220 crimes violentos para cada 100 mil pessoas).”
“E isso sem mencionar a corrupção nas fileiras municipais. Apenas em 2009, pelo menos 48 funcionários de escolas públicas de Detroit foram investigados por fraude. O desemprego está na porcentagem assustadora de 28%”.
Pulsante Motown
O cenário de edifícios em ruínas e ruas desertas não parece se encaixar com a mais próspera cidade do país nos anos 1950. Conhecida como Motown, “The City of the Homeowners” (referência aos baixos índices de moradores que tinham de pagar aluguel), era a quarta maior aglomeração urbana dos EUA.
A história do sucesso começou quando Henry Ford fez sair os modelos T de sua fábrica na cidade. E então Detroit se tornou o centro da indústria automobilística mundial, a sede da Ford, da GM e da Chrysler.
Como atesta o repórter da Time Daniel Okrent numa matéria recente, nem a questão racial parecia incomodar a confiança dos moradores. “No noroeste da cidade, uma construtora ergueu um muro de concreto de quase 800m de extensão para separar seu desenvolvimento de um bairro negro. Ainda assim, a Detroit branca acreditava que as revoltas que atingiram Los Angeles em 1965 e tantas outras cidades no verão seguinte nunca explodiriam na nossa cidade. Negros em Detroit, acreditavam os brancos esclarecidos, tinham empregos e casas, e mesmo que estas casas estivessem do outro lado de um muro ‘apartheid’, seus donos tinham interesse na cidade”.
Revoltas varreram a cidade em julho de 1967.
FDPNC
Após o controle da emergência social, por poucos e brancos policiais mal preparados, boa parte da população branca fugiu para os subúrbios, pessoalmente engajada em não deixar que negros e outras minorias ‘contaminassem’ a vizinhança. Detroit é hoje uma cidade majoritariamente afrodescendente (82% da população total) e a segunda mais segregada dos EUA.
A partir de 1973, e pelos 20 anos seguintes, o prefeito da cidade foi Coleman Young. Negro, sua gestão ficou conhecida pelo desaparelhamento social e pelas práticas vingativas que isolaram a metrópole de seu subúrbio e impediram qualquer política conjunta. Okrent relata que ele costumava se referir a si próprio como FDPNC: NC por “no comando”; FDP por exatamente o que você está pensando.
Some-se a isso o lobby da indústria automobilística e o desastre estava completo. Nos anos 70, os fabricantes americanos não corresponderam ao desejo dos consumidores por carros menores e mais leves frente à crise do petróleo. Nas duas décadas e meia seguintes mesmo o design dos carros estava ultrapassado, acomodados que estavam os construtores, que jamais pensaram ser possível perder seu ‘market share’ para concorrentes estrangeiros. Eis o resultado.
Dresden
A cidade que víamos pela TV enquanto os carros da Fórmula 1 corriam nos anos 80, e os da Cart nos mais de dez anos seguintes, perdia sua população rapidamente. De mais de 1,8 milhão de habitantes nos anos 50, hoje ela retém pouco mais da metade.
Daí deriva seus maiores problemas urbanísticos. “Ela é simplesmente extensa demais para sua população com uma paisagem que até mesmo seus moradores comparam à Dresden do pós-guerra”, afirmam Katz e Bradley. “Quase um terço dos terrenos da cidade está vazio ou sem uso, e 80 mil unidades habitacionais estão desocupadas”.
Como é possível ver no infográfico abaixo, em sua mancha urbana cabem inteiras San Francisco, Boston e Manhattan, que totalizam 2,8 milhão de habitantes.
Em Motown, obviamente, o combustível das corridas realizadas em suas ruas era a cultura do carro. Apesar disso, pilotos eram unânimes em criticar as duas pistas urbanas usadas na cidade. A primeira, da Fórmula 1, era mais lenta que Mônaco. Quando a Cart se mudou para o Belle Isle, a poucos metros do primeiro e no meio do rio, os problemas se agravaram: de difícil acesso, estreito, sem margem para a competição, infra-estrutura precária. Fora do calendário norte-americano desde 2001, Roger Penske o trouxe de volta á vida em 2007, mas em 2009 a crise o enterrou outra vez no ostracismo.
“Quando o governo federal justificou a injeção de dinheiro nas montadoras, apresentou um argumento implícito sobre os EUA – que essas empresas são essenciais para a grandeza econômica futura do país e que sua perda seria uma derrota simbólica insuportável. O mesmo vale para a cidade que as abriga”, completam Katz e Bradley.
A morte das corridas por lá é certamente parte desta perda. De uma cidade dos carros inabitável para humanos.
O cenário de edifícios em ruínas e ruas desertas não parece se encaixar com a mais próspera cidade do país nos anos 1950. Conhecida como Motown, “The City of the Homeowners” (referência aos baixos índices de moradores que tinham de pagar aluguel), era a quarta maior aglomeração urbana dos EUA.
A história do sucesso começou quando Henry Ford fez sair os modelos T de sua fábrica na cidade. E então Detroit se tornou o centro da indústria automobilística mundial, a sede da Ford, da GM e da Chrysler.
Como atesta o repórter da Time Daniel Okrent numa matéria recente, nem a questão racial parecia incomodar a confiança dos moradores. “No noroeste da cidade, uma construtora ergueu um muro de concreto de quase 800m de extensão para separar seu desenvolvimento de um bairro negro. Ainda assim, a Detroit branca acreditava que as revoltas que atingiram Los Angeles em 1965 e tantas outras cidades no verão seguinte nunca explodiriam na nossa cidade. Negros em Detroit, acreditavam os brancos esclarecidos, tinham empregos e casas, e mesmo que estas casas estivessem do outro lado de um muro ‘apartheid’, seus donos tinham interesse na cidade”.
Revoltas varreram a cidade em julho de 1967.
FDPNC
Após o controle da emergência social, por poucos e brancos policiais mal preparados, boa parte da população branca fugiu para os subúrbios, pessoalmente engajada em não deixar que negros e outras minorias ‘contaminassem’ a vizinhança. Detroit é hoje uma cidade majoritariamente afrodescendente (82% da população total) e a segunda mais segregada dos EUA.
A partir de 1973, e pelos 20 anos seguintes, o prefeito da cidade foi Coleman Young. Negro, sua gestão ficou conhecida pelo desaparelhamento social e pelas práticas vingativas que isolaram a metrópole de seu subúrbio e impediram qualquer política conjunta. Okrent relata que ele costumava se referir a si próprio como FDPNC: NC por “no comando”; FDP por exatamente o que você está pensando.
Some-se a isso o lobby da indústria automobilística e o desastre estava completo. Nos anos 70, os fabricantes americanos não corresponderam ao desejo dos consumidores por carros menores e mais leves frente à crise do petróleo. Nas duas décadas e meia seguintes mesmo o design dos carros estava ultrapassado, acomodados que estavam os construtores, que jamais pensaram ser possível perder seu ‘market share’ para concorrentes estrangeiros. Eis o resultado.
Dresden
A cidade que víamos pela TV enquanto os carros da Fórmula 1 corriam nos anos 80, e os da Cart nos mais de dez anos seguintes, perdia sua população rapidamente. De mais de 1,8 milhão de habitantes nos anos 50, hoje ela retém pouco mais da metade.
Daí deriva seus maiores problemas urbanísticos. “Ela é simplesmente extensa demais para sua população com uma paisagem que até mesmo seus moradores comparam à Dresden do pós-guerra”, afirmam Katz e Bradley. “Quase um terço dos terrenos da cidade está vazio ou sem uso, e 80 mil unidades habitacionais estão desocupadas”.
Como é possível ver no infográfico abaixo, em sua mancha urbana cabem inteiras San Francisco, Boston e Manhattan, que totalizam 2,8 milhão de habitantes.
Em Motown, obviamente, o combustível das corridas realizadas em suas ruas era a cultura do carro. Apesar disso, pilotos eram unânimes em criticar as duas pistas urbanas usadas na cidade. A primeira, da Fórmula 1, era mais lenta que Mônaco. Quando a Cart se mudou para o Belle Isle, a poucos metros do primeiro e no meio do rio, os problemas se agravaram: de difícil acesso, estreito, sem margem para a competição, infra-estrutura precária. Fora do calendário norte-americano desde 2001, Roger Penske o trouxe de volta á vida em 2007, mas em 2009 a crise o enterrou outra vez no ostracismo.
“Quando o governo federal justificou a injeção de dinheiro nas montadoras, apresentou um argumento implícito sobre os EUA – que essas empresas são essenciais para a grandeza econômica futura do país e que sua perda seria uma derrota simbólica insuportável. O mesmo vale para a cidade que as abriga”, completam Katz e Bradley.
A morte das corridas por lá é certamente parte desta perda. De uma cidade dos carros inabitável para humanos.
0 comments:
Post a Comment