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Tuesday, June 21, 2011

O modo Villeneuve

Naturalmente, quando os cartolas da FOM se reúnem para montar um calendário, jamais pensam em efemérides ou simbolismos. Mas o acaso é um deus brincalhão: no fim de semana retrasado, a Fórmula 1 estava em Montreal para o GP do Canadá e, no próximo, estará na Espanha para a corrida europeia.

De forma que hoje, no intervalo entre as duas etapas, completam-se trinta anos da última vitória do canadense Gilles Villeneuve, obtida em um GP da Espanha.

Gilles é um piloto cuja compreensão escapa aos números. Apenas seis vitórias; pouco, mesmo em se tratando de um piloto com apenas 66 GPs disputados na carreira. E, no entanto, tem seu rosto e seu capacete estampados em uma infinidade de bandeiras da Ferrari e é lembrado por uma legião de fãs, mesmo aqueles que não nasceram a tempo de vê-lo correr.

De suas já mencionadas seis vitórias, muitas delas passam batido até pelos mais letrados no esporte. Por exemplo, seu êxito no GP dos Estados Unidos Leste de 1979 raramente é recordado, apesar de Villeneuve tê-lo conquistado de forma brilhante, na pista perigosamente molhada de Watkins Glen.

Por outro lado, sua derradeira conquista, em Jarama, em 81, é talvez a sua mais famosa. A lembrança talvez se dê pelo fato de o canadense ter resistido, quase a prova inteira, ao ataque de Jacques Laffite (atrás de sua Ferrari na foto acima). Além do francês, a fila que formou atrás de si incluía John Watson, Carlos Reutemann e Elio de Angelis - os cinco primeiros cruzaram a linha de chegada com menos de dois segundos de diferença.

Gilles ganhou porque, mesmo quando seus pneus de degradaram, não desistiu de lutar - traço forte em seu caráter. Mesmo quando todas as regras de conduta, ou mesmo as leis da física recomendavam ceder a posição ou uma parte do traçado, ele não cedia. Tocava e batia rotineiramente, mas sua forma de conduzir era mais do que chegar na frente: era uma forma de se colocar no mundo, uma posição ideológica, um modo de dizer como um piloto deveria ser.

Isso atraía muita simpatia por parte dos espectadores, bem como desavenças com colegas e outros observadores. Um deles era o jornalista Gérard Crombac (1929-2005).

Antes de prosseguir, é melhor dizer que Crombac não era apenas um jornalista especializado. O suíço, que cobriu mais de 500 GPs em sua vida, esteve na Fórmula 1 desde a primeira temporada. Foi mecânico de Raymond Sommer. Apertou a mão de Nuvolari quando criança. Dividiu um apartamento com Jim Clark. Foi representante da França na comissão técnica da FISA, de forma que muitos artigos do regulamento até hoje em vigor foram escritos por ele. Foi editor-chefe da Sport-Auto por mais de duas décadas.

Jabby, como era conhecido no paddock, onde era uma das vozes mais influentes, comentou certa vez sobre Gilles: "Pessoalmente eu era bastante amistoso com ele, mas não o apreciava porque achava que ele não estava tendo respeito suficiente pelos carros. Soube histórias terríveis a respeito dele quando tinha uma Ferrari GTB emprestada ou não importa o que fosse na época, e ele se divertia dando voltas e voltas na praça em frente á sua casa, só por brincadeira. E quando continuou a correr em Zandvoort tendo perdido uma roda... Achei que isso foi desnecessário e revelou um aspecto: Villeneuve não era um entusiasta por carros".

Não se pode negar certa razão a Crombac. O jornalista entendia, supõe-se, a relação homem-carro como uma extensão da milenar relação homem-cavalo - que precisa de confiança mútua, respeito e senso de liderança para dar certo.

Acontece que Villeneuve não era um atleta helênico, tampouco um cavalerio medieval ou um cowboy do Velho Oeste. Era, isso sim, um automobilista, e o automobilismo nada mais é do que um desdobramento da relação homem-máquina - a relação que diferencia o homem moderno, como eu ou você, de todos os outros. Desde os últimos 200 anos, somos obrigados a conviver com criaturas muito estranhas ao nosso redor, chamadas máquinas, que são muito diferentes dos animais, como os cavalos, com os quais disputávamos corridas e íamos à guerra antes disso.

As máquinas podem nos levar mais longe e mais rápido, mas não podemos estabelecer relações afetivas com elas. Temos que entendê-las, caso contrário elas podem nos matar. Ainda assim, jamais podemos depositar integralmente nossa confiança nelas. É nesse equilíbrio delicado que surgem as corridas de automóvel.

Num determinado estágio de evolução de tais corridas, aparece um certo canadense, de pouca estatura e habilidade impressionante. Sua escolha, mais radical que a dos colegas, é a de não fazer concessões à máquina que pilota (ironicamente, uma Ferrari, a mais cultuada das máquinas). Não poupa pneus, faz pouco caso dos freios, não hesita em amassar a lataria. Supera, ou tenta superar qualquer avaria no braço. Não é incomum vê-lo saindo da pista. De vez em quando, vence. O cavalo mais bravio (e era um cavalo rompante) não lhe causava medo. Coincidência ou não, foi num desses que morreu. Enquanto vivo, porém, se recusou a abdicar de sua soberania.

Monday, December 7, 2009

Indie Rocks - Rob Walker, GP da Espanha, 1970


Graham Hill disputava então sua segunda prova pela Rob Walker, e segunda após um dos acidentes mais graves da sua vida. Mas há algo de estranho na pintura desse carro. O tradicional azul escuro, que aparece quase preto na maioria das fotografias, aqui está acinzentado e pálido. O mesmo acontece com o famoso capacete.

Mas não há nada de errado com a foto. A explicação reside no conhecido acidente entre Jacky Ickx e Jackie Oliver na corrida. Quando as chamas tomaram conta dos carros, comissários de pista acionaram seus extintores desesperadamente, mesmo os que se encontravam do outro lado da pista. O jato atingiu o desprevenido Hill, que estava apenas passando por lá. E assim a Rob Walker ganhou uma pintura 'reestilizada'. Alguém se propõe a fazer uma miniatura desta Lotus 49C como edição especial?

Saturday, August 8, 2009

Jo Siffert, BMW, GP da Espanha 1967


A parceria que a BMW estabeleceu com Peter Sauber a partir de 2006, e que termina no fim de 2009, é apenas uma na história da marca alemã estabelecida com suíços.

A foto deste post ilustra uma das mais desconhecidas. O suíço Jo Siffert pilotava os carros de Rob Walker na Fórmula 1 em 1967 – mas nas provas de Fórmula 2, corria pela BMW. No instantâneo acima, ele disputa o GP da Espanha de 1967, em Jarama, corrida fora do campeonato mundial no qual tanto inscrições de carros F1 quanto F2 foram aceitas. Apenas quatro da primeira categoria largaram, três dos quais formaram o pódio.

Mais que Sauber, mais do que Siffert, a parceria mais duradoura e bem-sucedida dos bávaros também é com a Suíça – com a família tipográfica
Helvetica, presente no logotipo da marca e em todo seu projeto gráfico.

Friday, April 24, 2009

Um olhar comparado sobre Tilke (continuação e final)

No dia 4 de junho de 1972, a Fórmula 1 alinhava para seu primeiro GP da Bélgica fora de Spa Francochamps. Estavam perto de Bruxelas, num descampado chamado Nivelles-Baulers. A pista, 3,724km, plana, não agradou a ninguém. Aos pilotos, porque, perto das outras sedes, não oferecia desafio compatível. Ao público, porque foi posicionado muito longe do asfalto.

Talvez Nivelles tivesse outra avaliação nos dias de hoje. Uma longa reta, terminada em uma curva rápida, sequências velozes, curvas longas. Mas ela não sobreviveu aos dias de hoje. Foi abandonada.

O arquiteto que levou a cabo o projeto de fazer uma pista veloz e segura na Bélgica para a Fórmula 1 chamava-se John Hugenholtz (1914-1995). Na época, era o diretor de Zandvoort, em seu país de origem. Muitos atribuem o desenho da pista holandesa a ele, mas o lugar foi construído para que os nazistas pudessem fazer desfiles. Hugenholtz não fez mais do que pequenos ajustes para que as corridas de carro fossem possíveis.

O GP da Bélgica recaiu sobre Zolder, um antigo projeto do mesmo arquiteto (1963), mas já com algumas chicanes introduzidas a posteriori. Nunca foi a pista preferida de ninguém, ao contrário de Spa Francochamps.

Uma das suas pistas mais duradouras foi Jarama, na Espanha, completada em 1967, para que o esporte a motor pudesse ficar mais próximo a Franco. Era um traçado curto e compacto, com subidas e descidas, sinuoso e seguro. Não há muitos registros de sua primeira impressão, mas as últimas são bastante negativas: travado.

O grande problema de Jarama foi a data de sua construção. Hugenholtz não tinha como prever que, apenas um ano após a inauguração, o automobilismo iria descobrir a pressão aerodinâmica, tornando os carros mais velozes em curva e as ultrapassagens mais difíceis, restritas a alguns trechos da pista. As motos, que não possuem pressão aerodinâmica, costumavam ser mais bem aceitas por lá.

Falando dessa forma, Hugenholtz parece mesmo uma espécie de Tilke de seu tempo. Dois projetos, no entanto, são a sua redenção. O primeiro deles é Suzuka, um circuito de testes encomendado pela Honda que reúne, de maneia mágica, as curvas mais impossíveis e enormes trechos de aceleração.

O segundo é Hockenheim, que não saiu pronto da mente do arquiteto: ele desenhou tão somente o Motodrom, o “estádio” do circuito. O porquê de suas curvas lentas e das enormes arquibancadas, você pode ler aqui.

Com algumas poucas linhas, Hugenholtz conseguiu dar toda a personalidade a um dos traçados mais únicos que a Europa teve até anos recentes. Quando Hockenheim foi obrigada a desviar da Floresta Negra, tal missão foi encomendada a Tilke, com resultados desastrosos.

Talvez por uma questão ‘genética’ do automobilismo, os melhores circuitos são aqueles que não foram totalmente desenhados em função das corridas: Spa é um exemplo; mesmo Nurburgring antiga, que nunca serviu como estrada, foi definida em função de seu relevo. Tilke poderia aprender muito com John Hugenholtz: entre outras lições, a de traçar as linhas respeitando as características do lugar, com a mão leve, sem tentar impor curvas travadas a lugares que não os pedem. Por mais que a força da grana lhe diga o contrário.