Dada a perspectiva histórica que me pus a traçar, a última etapa desta série é um tanto óbvia, ou pelo menos não deve causar comoção. Afinal, Sepang é reconhecidamente o primeiro ensaio do formato hegemônico de construção de circuitos atual – o primeiro no qual Tilke começou de uma folha em branco.
Muitos dos conceitos consolidados nos anos 90, principalmente no pós-94, que podem ser encontrados em A1-Ring continuam presentes: áreas de escape enormes, retas que terminam em curvas fechadas, ou seja, radicalização da preocupação com a segurança. O mais interessante, porém, são as diferenças entre os dois modelos.
A começar pelo que parece ser pouco importante: fica fora da Europa. Sepang não apenas colocou a Malásia no mapa da Fórmula 1, como colocou a Malásia no mapa – ponto. Apesar de não ser um deserto automobilístico, o que havia de esporte a motor por lá era um tanto incipiente. Talvez o mais importante do autódromo é que ele marca o início da Marcha para o Oriente da categoria, e um distanciamento que ela promove de seu público tradicional.
Aliás, distanciamento este literal, já que a maior parte das arquibancadas está disposta longe da pista, a uma área de escape de onde os carros passam.
Outra característica bem demarcada, grande marca de Tilke, é a preferência pelo nivelamento. Sakhir, Xangai, as novas pistas de rua, tudo é plano. Interessante notar que duas das pistas que deixaram o calendário, a própria A1-Ring e Imola, chamavam muito a atenção justamente por subir e descer.
(Pensando ainda nestas duas pistas, ou em seus projetos originais, como elas se integram ao relevo e se deixam levar por ele: muito diferente da grande exceção de Tilke, Istambul na Turquia, que não cessa de tentar impor suas curvas por sobre o terreno. Mas este não é um post sobre A1-Ring, Imola ou Istambul. É sobre Sepang, e voltemos a ela).
Nivelado o terreno, Tilke dispõe então duas grandes retas, com grampos em todas as extremidades. E a partir daí projeta o resto do traçado, no que pode ser considerado um estudo sobre curvas rápidas. Elas não ocorrem por acaso, mas apenas onde os carros ainda não estão à plena velocidade. Tudo, é claro, desenhado com lapiseira 0.7, pois a faixa de asfalto é uma das mais largas já vistas.
Há mais uma diferença fundamental de Sepang em relação às antecessoras: investimento pesado de capital estatal, no melhor dos moldes do neoliberalismo periférico, onde o governo financia o livre mercado (Quem mora no Brasil deve estar bem familiarizado com o modelo. O ProUni, que banca indiretamente as universidades privadas, é um de muitos bons exemplos). Ao contrário do minimalismo financeiro e estético dos austríacos para ter de volta seu GP, malaios (e chineses, e turcos, e barenitas) aplicaram pesado para inaugurar o seu. Instalações faraônicas, arquitetura gritante, a ostentação, o kitsch. Visitar os novos autódromos é como visitar a casa de alguém que enriqueceu rapidamente. Com o mesmo sorriso amarelo que saudamos o anfitrião, assistimos os novos Grandes Prêmios que povoam a Fórmula 1.
(Quem quiser saber mais sobre Sepang pode fazê-lo clicando nela na seção “Marcadores” deste blog, ou ter acesso ao post sobre a corrida deste ano, aqui.)
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