Wednesday, March 10, 2010

Tática e estratégia


Recentemente usei uma metáfora enxadrística em um texto para discutir o efeito de algumas das novas regras da Fórmula 1, que entram em vigor nesta temporada. Em que pese as diversas diferenças entre o xadrez e o automobilismo, acredito que há algumas comparações válidas entre o jogo de tabuleiro e o jogo que os pilotos devem disputar em pista.

Uma delas é a relação entre estratégia e tática, dois conceitos usados pelos enxadristas para determinar a ação do jogo. Apesar da diferenciação teórica, é praticamente impossível apontar onde termina a estratégia e começa a tática, e vice-versa.

Grosso modo, portanto, a estratégia se refere aos objetivos de longo prazo no jogo (por exemplo, definir a posição da Rainha na metade do jogo), enquanto a tática diz respeito aos movimentos mais imediatos (por exemplo, devo capturar o bispo ou o cavalo do adversário nesta jogada?).

Voltando à Fórmula 1, é fácil notar que conceitos próximos também são usados para a compreensão de uma corrida. Por exemplo, nos 16 anos em que houve a obrigatoriedade do reabastecimento, os chefes de equipe e narradores falavam o tempo todo em “estratégia de pit stops”. Note-se que o planejamento de pit stops é uma “estratégia”, não uma “tática”.

E, de fato, entre os anos de 1994 e 2009, a Fórmula 1 viveu anos em que a estratégia muitas vezes sufocou a tática. É importante ressaltar, porém, que, como no xadrez, nas corridas ambos os componentes sempre estiveram presentes. Refletindo um pouco, é possível se lembrar de grandes desempenhos de pilotos que sobressaíram tanto por pelas estratégias quanto por belas táticas – por mais subjetiva que seja a separação.

No entanto, a regra do abastecimento parece ter provocado um desequilíbrio que se acentuou com o tempo, ao ponto de a estratégia ter ‘canibalizado’ a tática: as ultrapassagens realizadas nas estratégias de box, por mais que possam ser emocionantes (dependendo do contexto) e não deponham contra a qualidade dos pilotos que as realizam, simplesmente substituíram a ação em pista, ao invés de conviver com ela.

Disputas por posição deixaram o plano físico para serem jogadas no plano virtual, detectável apenas pelos cronômetros que eventualmente aparecem debaixo da tela. E quantas vezes não ouvimos um engenheiro dizendo para o piloto, via rádio: ‘Não ataque o carro da frente, ele vai parar daqui a três voltas’? Ou seja, uma manobra estratégica (esperar e acelerar com pista livre) é preferível a uma manobra tática (confronto direto).

No próximo domingo, os carros largarão em Sakhir com o tanque de combustível selado, o que deve resolver, senão todos, boa parte dos problemas enxadrísticos que a Fórmula 1 vinha enfrentando.

Num mundo ideal, a Fórmula 1 (e todas as corridas) seriam disputadas como o famoso jogo de xadrez entre Alice Liddell e a Rainha Vermelha, ocorrido em “Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá”, de Lewis Carroll: em uma arena anárquica, sujeita a todas as forças da imaginação humana que a razão tenta, precariamente, domar.

(A ilustração acima consta na primeira edição de “Através do Espelho...”, de 1871, e é creditada a John Tenniel)

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