Sunday, August 24, 2008

GP da Europa 2008 – Ecos de Adelaide




Ao contrário do que cheguei a pensar por certo tempo, as zebras amarelas e vermelhas pontuadas de azul que se alongavam pelas ruas do circuito não fazem referência à bandeira espanhola e/ou ao patrocínio da Telefônica. Elas são as cores da bandeira da Comunidade Valenciana - ah, o velho bairrismo dos ibéricos...

Outro circuito de rua, em outros tempos, pintava suas zebras da mesma cor para receber a F1, embora por uma razão muito mais prosaica: o patrocínio da cerveja Forster’s. Eram as ruas de Adelaide, na Austrália.

Adelaide era uma festa. Sempre foi o último GP das temporadas, de 1985 a 1995, quase sempre o título já chegava decidido, mas, da mesma forma, também algo sempre acontecia.

As semelhanças entre Valência e Adelaide não se resumem às cores. O que mais me atraiu na nova corrida espanhola, inclusive, foram os ecos que encontrei com a antiga sede australiana: aquela grande reta após a ponte é similar à reta Brabham; ambas possuem uma seqüência de curvas rápidas seguidas de um grampo antes da reta dos boxes.

Há uma diferença, porém. Nada aconteceu. Não houve alterações nos três primeiros lugares da largada ao pódio. Raras manobras de ultrapassagem. Uma saída de pista que resultou em abandono. Um atropelamento e o motor de Raikkonen segurou as pálpebras de dois ou três telespectadores, provavelmente. O exato oposto do festival de rodadas e escapadas, de freadas e disputas no final da reta Brabham que se assistia nas ruas de Adelaide.

O que mudou? Em termos, de pista, asfalto, de desenho, muito pouco há de diferente.

O que lembra Heidegger: um lugar não é nada, exceto aquilo que o delimita. E o que delimita as ruas de Valência são áreas de escape confortáveis, ao contrário de muros de concreto.

Mas Adelaide também não tinha muros próximos às curvas... e, mesmo assim, batia-se, e muito, neles.

E aí está a diferença entre Valência e Adelaide: os carros que cortam suas ruas. Entre 1985 e 1995, ou na maior parte desse tempo, os carros eram menos controláveis e mais perigosos, tinham menos pressão aerodinâmica embutida e menos botões no volante. Valência pode ser um circuito até melhor projetado, mas, se os carros que lá correm não quebram e grudam no chão com eficiência, então teremos um desfile de carrinhos coloridos. Não uma corrida.

Sempre desconfio daqueles que dizem que não gostam do GP de Mônaco, porque não se ultrapassa em Monte Carlo. Da mesma forma, não se ultrapassa como antes em Monza, nem em Spa, nem em Xangai (Xangai é a atual pista da categoria com maior número de ultrapassagens, título antes pertencente a Interlagos).

No entanto, Nürburgring, nos anos 70, era igualmente pródiga em ultrapassagens e ninguém pode chamar aquelas corridas de ‘desfile’, entre outras razões, porque carros alegóricos não são banheiras de gasolina. Ninguém morre em desfiles.


Para a Fórmula 1 deixar de ser um desfile e voltar a ser imponderável e emocionante, talvez a solução não esteja em projetar circuitos, mas pensar nos carros que correm sobre estes, sobre o que eles representavam antigamente, o que eles se tornaram e o que eles devem ser. Aí então poderemos comparar Valência a Adelaide.

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