Thursday, May 13, 2010

O GP de Mônaco e seus Le Corbusier

TODA VEZ QUE a Fórmula 1 vai a Mônaco, com ela vai também a velha discussão sobre se Monte Carlo ainda pode receber corridas, ou se não estaria utrapassada demais para a tecnologia embutida desses carros, velozes demais para apertados traçados urbanos.

Essa questão me lembra uma outra, mais antiga, do começo do século XX, quando as indústrias tinham feito as cidades incharem, causando todos os problemas inerentes à superpopulação: epidemias, falta de meios de transporte, miséria. Para isso, vieram os urbanistas ligados ao projeto modernista proporem um novo formato de cidade. Ela deveria ter moradias baratas e racionalmente organizadas para a massa de trabalhadores e uma rede de transporte capaz de absorver o fluxo de automóveis.

Os frutos dessa mentalidade foram os conjuntos habitacionais e as grandes avenidas que cortaram cidades inteiras ao meio. Um dos grandes pensadores dessa nova arquitetura foi o suíço Le Corbusier.

Pois bem, em dado momento, a prefeitura de Paris se deu conta de que precisava revitalizar uma área degradada doo centro da cidade, o bairro do Marais. A proposta de 'Corbu' (como era chamado) era taxativa: colocar abaixo todos os prédios, erguendo novos conjuntos habitacionais.

Felizmente, apenas uma quadra foi demolida, para dar lugar ao museu de arte contemporânea, o Centre Georges Pompidou. O prédio, revolucionário, propiciou a revitalização de todo o entorno, feito de construções do século XVIII, e hoje o Marais é uma das áreas mais valorizadas da cidade.

AO MESMO TEMPO, começou-se a observar algo estranho nas cidades ditas modernas, ou modernistas. O problema do trânsito, com avenidas imensas, tinha sido parcialmente (e apenas parcialmente) resolvido. E os conjuntos habitacionais abrigavam a grande massa de trabalhadores. Mas alguns problemas persistiam. Notava-se que esse novo modelo de cidade, como Los Angeles, por exemplo, não dispunha de um centro em que as pessoas se encontrassem, que desse uma identidade local a seus cidadãos. Eles não se sentiam parte de um mesmo grupo, muito pelo contrário: a segregação entre classes e raças foi facilitada pela nova arquitetura.

Grandes revoltas começaram a ocorrer, as famosas 'riots' na América do Norte, em New Haven, Detroit, LA... Ao mesmo tempo, cidades que recusaram o projeto modernista tiveram problemas muito menos intensos. Muitos conjuntos habitacionais se esvaziaram, viraram ponto de venda de drogas, a incidência de crimes violentos e até estupros aumentava em muitos deles.

No dia 16 de março de 1972, o Pruitt-Igoe, um conjunto projetado especialmente para que pessoas de diferentes raças cohabitassem em harmonia, mas que acabou como um lugar onde assaltos e estupros eram comuns, foi parcialmente demolido. Muitos dizem que esta foi a hora exata da morte do projeto urbanista moderno.

Hoje, novas incursões no campo do urbanismo continuam sendo feitas, com algumas modificações: a rua como ponto de encontro foi valorizada, não como fluxo de automóveis.

O ARGUMENTO DOS que defendem a exclusão de Mônaco do calendário é muito semelhante ao dos modernistas: em Mônaco não se ultrapassa, não se pode mais correr em Mônaco. Ora, e quantas ultrapassagens aconteceram em Barcelona, nos últimos dez anos? E quem disse que ultrapassagem é o único valor que um circuito tem que favorecer?

Essa mentalidade reducionista foi abolida no urbanismo há décadas. No automobilismo, permanece. O professor de arquitetura Vincent Scully Jr tem uma frase que acho muito apropriada: ele diz que são necessárias novas cidades, assim como é necessário manter Paris como está. Há lugar para as duas no mundo (pós?) moderno.

Da mesma forma, há espaço para os novos autódromos na Fórmula 1. Assim como há espaço para Mônaco. Um não deve excluir o outro, já que, a bem da verdade, os novos quase nunca formulam respostas convincentes aos desafios contemporâneos.

Pode-se argumentar que Monte Carlo tem as ruas estreitas demais.
Pois eu respondo: não tão estreitas quanto o pensamento de Hermann Tilke.

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