Kasparov nutre suspeitas até hoje de interferência humana no Deep Blue, computador da IBM que o derrotou numa partida de xadrez em 1997 - a primeira vez, diz-se, que uma máquina venceu um homem neste jogo.
Para além do testemunho de Kasparov sobre a forma que os executivos da empresa o trataram, ou de quartos com acesso restrito, não há provas materiais de que isso tenha ocorrido. O fato é que, no dia seguinte à desistência do enxadrista, as ações da IBM dispararam na bolsa de valores, e a imagem da empresa mudou para sempre: a de uma fabricante de peças de computador para uma fornecedora de serviços avançados de inteligência.
Em um documentário recente, Kasparov, russo que nunca se deu bem com as autoridades soviéticas por ter derrotado seguidamente o queridinho do partido, Karpov, usa este argumento para explicar o clima daquele fatídico jogo: "Eram os anos 90. Com o comunismo derrotado, havia um certo clima de 'vale-tudo' no capitalismo. Acho que, depois da bolha [de 2001], depois da quebra da Enron, essa visão mudou".
Esta cena me veio á mente ao ler o comentário de Luis Fernando Ramos em seu blog, sobre o "julgamento" da Ferrari, hoje: "A discussão não é esta de ordem moral. [Os membros do conselho da FIA] passaram uma mensagem equivocadíssima aos fãs da categoria, a de que vale tudo em nome da vitória, inclusive quebrar as regras descaradamente, se fazer de inocente e ficar com o benefício disso em troca do valor de um carro de luxo usado".
A federação que controla a maior parte das competições automobilísticas do mundo foi incapaz de tirar qualquer lição dos erros gravíssimos que o neo-laissez-faire legou à última década. Para eles, tudo pode ser comprado, até uma vitória - por preços módicos, se for o caso de colocar panos quentes em regras mal escritas e episódios que demonstram a incompetência geral dos gestores. O público, em geral, não se mobilizará minimamente para cobrar das autoridades do esporte que acompanha que aja de forma responsável: a massa não o faz nem mesmo para cobrar seus representantes políticos, quanto mais para algo que é uma simples diversão. Ligarão a tv no domingo, e quinze dias depois, e depois, e já terão se esquecido.
Quem quiser entender a década passada deve acompanhar a Fórmula 1. O material que ela fornece para compreender o nosso tempo é assustadoramente revelador.
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