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Friday, September 18, 2009

Fiat iustitia et pereat mundus – parte 4/4


Mas se o piloto é cúmplice por um lado, por outro é também vítima. Há um lado cruel em seu afastamento.

Outra vez relembrando: Prost, Senna e Schumacher não foram afastados do esporte por atos muito mais graves. Nelsinho não será mais contratado por equipe alguma porque nenhuma delas vai querer associá-lo à sua imagem de esportividade e fair play. Em suma, por uma imposição de mercado.

Nelsinho errou ao agir em função de uma necessidade corporativa. Agora, a mesma necessidade corporativa o repele. A economia de mercado fez Piquet rodar de propósito. A economia de mercado puniu Piquet. Orwell não faria melhor.

“(...) Em troca da parcela de vida humana entregue à mercadoria, apropriamo-nos do simulacro da subjetividade de alguns sujeitos investidos do máximo valor narcisista, da máxima autonomia, da máxima capacidade de desfrute de todas as possibilidades contidas em uma vida. Como se estes sujeitos ditos privilegiados não fossem pobres diabos, vendedores de força de trabalho, assim como a maioria de seus fãs”. Maria Rita Kehl (2004; 65).

Se há um ponto positivo em todo este escândalo da Renault, foi aflorar a lógica perversa que se esconde por trás das nossas telas planas nos domingos de manhã.

Thursday, September 17, 2009

Fiat iustitia et pereat mundus – parte 3/4


Continuação

Com Piquet, as coisas funcionam um pouco diferente. A batida em Cingapura não foi uma manobra desesperada, quanto menos irracional. Foi um movimento planejado, calculado, executado. Houve um ou dois mentores, houve uma reunião a portas fechadas, um dedo apontado no mapa.

Foi um jogo de equipe, para que seu companheiro ganhasse a prova. Para que a Renault ganhasse a prova, em última análise. Foi um movimento corporativo.

Piquet foi cúmplice da instrumentalização extrema do automobilismo. É claro que tal instrumentalização existe o tempo todo (nos patrocínios, no marketing das fábricas envolvidas), mas de forma velada: se ela vem à tona, o pacto com o espectador é quebrado.

Por isso mesmo é bem capaz que a Fórmula 1 não aceite mais Piquet. E nós também não aceitamos: mais uma vez, também passamos todo dia pela mesma situação - ser coagido a agir em benefício da empresa à qual vendemos nossa força de trabalho. Quando sentamos em nosso sofá, porém, queremos ver alguém que nos liberte (essencialmente na aparência), que não nos reproduza. Jamais perdoaremos Nelsinho por aceitar fazer o que somos obrigados a fazer para viver.

“A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio”, diz Adorno. Quando alguém nos joga isso na cara, nos enfurecemos.


(Continua)

Leia também, sobre o mesmo tema: os comentários de Keith Collantine, do F1 Fanatic e Simon Barnes, do The Times (ambos em inglês).

Monday, September 14, 2009

Fiat iustitia et pereat mundus – parte 1/4


Prost, Senna, Schumacher

O que há de tão ultrajante na batida de Piquet em Cingapura que faz
alguns nomes do jornalismo especializado pregarem seu afastamento do esporte? A questão parece simples, e não é? Claro que não. Vamos à jurisprudência:

GP do Japão de 1989: Prost joga seu carro em cima do de Ayrton Senna, na volta 44.

GP do Japão de 1990: Senna força uma batida com Alain Prost na primeira curva após a largada.

GP da Austrália de 1994: Michael Schumacher bloqueia Damon Hill após uma saída de pista.

GP da Europa de 1997: Michael Schumacher força uma colisão com Jacques Villeneuve – sem sucesso, porém.

Se tais casos fossem punidos com a mesma severidade que Nelsinho Piquet “merece” (sua exclusão do esporte a motor), a história da categoria que amamos nos seria irreconhecível. Atenhamo-nos aos fatos. O que estes casos têm em comum? Eles envolvem disputas diretas pelo título. Todos menos um foram bem sucedidos – em nenhum houve interferência judicial (no qual o réu foi quem bateu). Todos envolvem campeões mundiais. Todos envolvem pelo menos um piloto considerado muito acima da média.

Não há nenhum dado objetivo que torne mais justificável uma batida proposital para vencer um campeonato do que uma batida proposital instruída por superiores. Pelo contrário, a colisão de Nelsinho foi potencialmente muito menos letal. Mais: pode-se alegar assédio moral, enquanto os quinze títulos listados acima agiram por vontade própria.

Por que perdoamos Prost, Senna e Schumacher com mais facilidade que Nelsinho?

A resposta para tal paradoxo só pode estar em nós mesmos. E, com sorte, nos próximos posts.

O título significa, em tradução livre: “Faça-se a justiça e o mundo perecerá”. Saiba mais sobre ela
clicando aqui (em inglês).


Saturday, September 12, 2009

Cingapura revisitada - A entrevista de Piquet e conversas de rádio da Renault


Poucas coisas na Fórmula 1 atual são mais divertidas do que rever o GP de Cingapura de 2008, das voltas 12 à 36.

Começando com o pit stop de Fernando Alonso. Nada incomum até então, apenas um lance normal de corrida. Em seguida, o acidente de Piquet. Pareceu mais forte do que realmente foi: apenas quando o rádio do Piquet foi colocado na transmissão, com o piloto falando “Sorry, guys”, algo resignado, houve a certeza de que ele estava ok.

O Safety Car entrou na frente do carro de Alonso. Enquanto isso, Nico Rosberg e Robert Kubica faziam suas paradas. Mais tarde, o rádio de Alonso é colocado na transmissão. O engenheiro do piloto fala algo confuso sobre drive through, sem dar a entender se a punição se dirigia a ele ou a quem estava à sua frente.

O pit stop de Felipe Massa tirou a atenção de todos quanto à batida de Nelsinho.

Sem ninguém prestar muita atenção, o repórter de pista da Globo, Carlos Gil, entrevista o brasileiro da Renault. Nelsnho se revela muito hesitante (isso é fácil de dizer hoje, mas ele sempre foi ‘algo hesitante’ nas entrevistas). Discorre de forma desconexa sobre o excesso de ondulações na pista, sobre a estratégia de fazer um primeiro stint curto, sobre estar perseguindo o Rubinho. Nada de errado, portanto.

Mais tarde, quando os drive throughs foram confirmados para Rosberg e Kubica, respectivamente, Galvão Bueno logo revelou a expectativa para o anúncio da punição de Alonso – que não veio. Um certo tempo se passou até que Reginaldo Leme corrigisse: “O Alonso parou na volta 12, antes do acidente do Nelsinho”.

E emendou uma frase que hoje faz cócegas nos ouvidos: “O Alonso não tem nada a ver com isso”.

A essa altura, Trulli era o primeiro colocado. O engenheiro do espanhol parecia desinformado quando fez contato com o piloto pelo rádio: “A gente não tem certeza do que está acontecendo. Just push like hell during the race, mate”. Isto foi na volta 36.

O resto da história a gente já sabe. Ou sabia... Amanhã, este blog volta a falar de esporte.


Friday, July 25, 2008

Piquet pai, Piquet filho


O relato abaixo, sobre Nelson Ângelo Piquet, foi feito por Javier Morcillo, ex-piloto espanhol e presente nos paddocks britânicos na época em que o brasileiro foi disputar a Fórmula 3 Inglesa.

No ano seguinte, na Inglaterra, começou por comprar um chassi de cada marca admitida [no campeonato] e treinar 5 meses com todos até decidir qual era o melhor para o campeonato. Fez sua própria equipe, com o melhor do melhor. Recrutou os melhores mecânicos e engenheiros, os quais mimava na base do cheque e da vida de luxo. Recordo que, enquanto os demais íamos em Ford Fiestas aos circuitos, os da equipe Piquet levavam M3 novos.

O que era espetacular de verdade eram as acompanhantes de Nelsinho, Nelson Sr. e seus amigos. Nunca soubemos ao certo quem era a irmã, quem era a namorada e quem era a ‘madrasta’, porque todas eram impressionantemente belas de vinte-e-tantos que faziam os que passavam perderem o fôlego.

Originalmente publicado na Maxi Autosport de fevereiro de 2008. Tradução livre.

Sunday, July 20, 2008

GP da Alemanha 2008 – Coroados pelo imponderável ou Safety Car contra o baixo astral


As boas atuações de Hamilton chegaram a tal ponto que, mesmo quando ele é o grande nome da corrida, isso já não constitui surpresa o suficiente para ser a principal ‘notícia’. Foi o caso desta prova. Um equívoco na estratégia do time inglês obrigou o piloto a lançar mão do seu fantástico equipamento e impressionante sangue frio para executar duas ultrapassagens no final da corrida e vencer. Isso em um circuito onde ultrapassar não estava fácil. Com habilidade, atropelou dois brasileiros, expulsou-os do asfalto e se tornou líder-favorito do campeonato.

Mas o destaque da prova foi o último adversário de Lewis, ponteiro até dez voltas para o final: Nelson Ângelo Piquet. Largando muito atrás de seu companheiro, contava com uma única parada para vingar na prova. Com a sorte, saiu-se melhor. Tudo por causa de uma suspensão que quebra sem avisar e joga Timo Glock ao muro. Safety Car.

Não, não se pode dizer que tenha sido apenas sorte. Quem não deve ter gostado disso, certamente, é Alonso: será que ele vai perder a cabeça? Será que ele vai superar esta corrida infeliz? A sinuosa mente do bicampeão espanhol tende a ser objeto de grande interesse até o fim da temporada...

Retas e curvas
O hiato de Hockenheim no ano passado produziu uma bela reflexão sobre o circuito na mídia, principalmente no que diz respeito ao novo traçado, em voga desde 2002. Diversos blogs falaram nisso nos últimos dias. A análise culminou em Galvão Bueno fazer considerações sobre este durante a volta de apresentação.

Impossível não notar que o traçado atual carrega incrível trivialidade, se comparado ao anterior. Antigamente, o grande lance da pista era uma parte de baixa velocidade tendo de ser percorrida por carros acertados para trechos de alta. Único, desafiador, é claro que o motor contava mais do que tudo, mas aquele pequeno trecho diferenciava os homens dos meninos. É preciso notar que quando a pista foi reformada, em 1965 , não existia aerodinâmica no automobilismo como hoje. Este efeito foi, portanto, involuntário: a intenção do arquiteto era outra e foi mencionada aqui.

Os mais nostálgicos talvez tenham esquecido, porém, que provavelmente boa parte da emoção que a presente prova proporcionou não teria sido vista na Hockenheim antiga: as ultrapassagens nele, especialmente em seus últimos anos, quando não chovia, eram raras.

Sacrifício
Não que as corridas no circuito atual tendam a ser emocionantes, muito pelo contrário. Nada de interessante aconteceu na primeira metade da corrida. A transmissão abusou de cortes, ajustes de foco e tomadas especialmente previstas para colorir o tédio das curvas de Tilke. Quando uma disputa entre Button e Coulthard é acompanhada por várias voltas, é indício forte de que não há nada que mereça ser visto em pista.

(Os interessados no assunto podem conferir uma análise que fiz sobre a transmissão de duas corridas em Nürburgring, aqui).

Abençoados foram os organizadores, portanto, pela estranha porrada de um dos pilotos da casa, cujo sacrifício (basicamente, pôde-se notar fortes dores na coluna) trouxe o imponderável à corrida. O imponderável, que este ano teima em aparecer sobre a forma de chuva, veio como uma quebra e um abominável Safety Car, do qual a Fórmula 1 se tornou tão dependente (além disso, publicidade para a Mercedes em terras alemãs é sempre bem vinda...), e resultou na consagração de um piloto desacreditado e na consolidação de um talento.