Tive a agradável surpresa de ter sido citado no Blog do Ribeiro em uma consideração sobre o automobilismo norte-americano, sobre o que a Fórmula Indy, Cart (Mundial, ChampCar, todos os outros nomes), e por extensão a IRL e a Nascar representam em relação à Fórmula 1.
Os comentários tomaram rumos interessantes e, assim, achei por bem desenvolvê-los um pouco mais aqui.
O automobilismo norte-americano está calcado, desde os últimos 30 anos ao menos, no triunfo do espetáculo (no sentido de Guy Debord) sobre o esporte. Não por acaso, um símbolo deste automobilismo é o safety car.
Não há respaldo esportivo no uso do safety car: por mais que o automobilismo seja, por definição, injusto e cruel, realinhar os pilotos em um momento aleatório nivela seus desempenhos por baixo, quebra um pacto que a corrida estabelece com o espectador. O safety car existe por motivos comerciais, pois estabelece a inserção do intervalo na televisão e produz artificialmente o clímax hollywoodiano – mais palatável para o norte-americano médio (e, convenhamos, para o brasileiro também) do que uma corrida decidida em momentos iniciais.
Claro, também tem a questão da segurança... mas a entrada definitiva dela no esporte só aconteceu com a entrada da televisão, e isto não é uma mera coincidência.
Anacronia
As corridas em ovais, talvez o símbolo máximo, se faziam sentido em Brooklands, Sitges e Indianápolis até os anos 1930, hoje são completamente anacrônicas. A explicação disso - adivinha - também passa pela questão da segurança.
Um circuito oval, essencialmente, levará a uma eventual saída de pista de um carro em ângulo provavelmente menor que 30 graus. Nessas condições, é mais seguro que haja uma barreira de proteção próxima ao asfalto do que uma área de escape, pois o próprio atrito com o muro desaceleraria o carro de forma eficiente e pouco brusca.
Porém, se o muro está colado à pista, não há como retirar o piloto e os detritos da pista em segurança sem interromper a prova. E então recaímos no safety car...
Os comentários tomaram rumos interessantes e, assim, achei por bem desenvolvê-los um pouco mais aqui.
O automobilismo norte-americano está calcado, desde os últimos 30 anos ao menos, no triunfo do espetáculo (no sentido de Guy Debord) sobre o esporte. Não por acaso, um símbolo deste automobilismo é o safety car.
Não há respaldo esportivo no uso do safety car: por mais que o automobilismo seja, por definição, injusto e cruel, realinhar os pilotos em um momento aleatório nivela seus desempenhos por baixo, quebra um pacto que a corrida estabelece com o espectador. O safety car existe por motivos comerciais, pois estabelece a inserção do intervalo na televisão e produz artificialmente o clímax hollywoodiano – mais palatável para o norte-americano médio (e, convenhamos, para o brasileiro também) do que uma corrida decidida em momentos iniciais.
Claro, também tem a questão da segurança... mas a entrada definitiva dela no esporte só aconteceu com a entrada da televisão, e isto não é uma mera coincidência.
Anacronia
As corridas em ovais, talvez o símbolo máximo, se faziam sentido em Brooklands, Sitges e Indianápolis até os anos 1930, hoje são completamente anacrônicas. A explicação disso - adivinha - também passa pela questão da segurança.
Um circuito oval, essencialmente, levará a uma eventual saída de pista de um carro em ângulo provavelmente menor que 30 graus. Nessas condições, é mais seguro que haja uma barreira de proteção próxima ao asfalto do que uma área de escape, pois o próprio atrito com o muro desaceleraria o carro de forma eficiente e pouco brusca.
Porém, se o muro está colado à pista, não há como retirar o piloto e os detritos da pista em segurança sem interromper a prova. E então recaímos no safety car...
Poderia falar dos marbles, mas não parece necessário.
O público norte-americano, no entanto, não parece questionar tanto a legitimidade do que esta assistindo, talvez até prefira o espetáculo ao esporte. A própria decadência da Cart começou quando tentou se projetar um pouco para fora deste sistema, o público migrando primeiro para a IRL e, depois, para a Nascar, um circo, um carrinho bate-bate, como bem definiu Ribeiro.
Mayflower II – a vingança
A Fórmula 1 desdenhava, ou fingia desdenhar do suntuoso e lucrativo espetáculo estadunidense até a década de 1990. Algumas pressões (o GP da Austrália de 1991, creio eu) fizeram-na incorporar o Safety Car em suas regras, e, após o Maio de 94 e suas decorrências, o uso ostensivo deste dispositivo virou prática.
Tenho duas hipóteses que convivem juntas sobre a aceitação destes ‘americanismos’ pela Fórmula 1. Primeiro, porque ela entrou numa crise de credibilidade (quebrou o pacto com o espectador devido aos acidentes e mortes em 1994) e, para remendar a situação, teve que abrir mão da emoção. Nunca suas corridas precisaram tanto de um clímax hollywoodiano.
Além disso, a Mercedes paga caro, muito caro por esse tipo de inserção publicitária.
Mas algo escapa nesta breve análise. Escapa o fato de o automobilismo norte-americano ainda ser um esporte. A Cart manteve por muitos anos, e a IRL ainda tenta manter de modo controlado, uma filosofia da qual a Fórmula 1 abriu mão há tempos: de que o automobilismo precisa de carros e pilotos, nada mais. Corre-se onde for necessário.
Uma pista rápida entre árvores no Wiscosin? Há Elkhart Lake. Curvas de ângulos incomuns? Há Laguna Seca. Pista de rua? Há Vancouver, Long Beach, Detroit...
A Fórmula 1 abandonou esta postura, de que se pode correr em qualquer lugar e que muitas vezes essa é a graça do esporte, há muito, desde o infeliz GP de Dallas de 1984. Por mais que faça uso da bandeira amarela etc, os norte-americanos tentam manter este espírito vivo. Enquanto a Fórmula 1 amarga corridas mais-ou-menos em Melbourne, a Indy/Cart estava até há muito pouco em Surfers Paradise.
A Fórmula 1 constrói uma suntuosa Xangai, plana, higiênica, asséptica, para os carros contornarem curvas insípidas frente aos olhos atentos de arquibancadas vazias. Os ianques colocam os carros na rua, no aeroporto, num oval, em curvas de alta, em ladeiras. Arrogante, a Fórmula 1 mais uma vez desdenha. Vamos ver até quando.