Thursday, November 27, 2008

Aprendendo com a Indy


Tive a agradável surpresa de ter sido citado no Blog do Ribeiro em uma consideração sobre o automobilismo norte-americano, sobre o que a Fórmula Indy, Cart (Mundial, ChampCar, todos os outros nomes), e por extensão a IRL e a Nascar representam em relação à Fórmula 1.

Os comentários tomaram rumos interessantes e, assim, achei por bem desenvolvê-los um pouco mais aqui.

O automobilismo norte-americano está calcado, desde os últimos 30 anos ao menos, no triunfo do espetáculo (no sentido de Guy Debord) sobre o esporte. Não por acaso, um símbolo deste automobilismo é o safety car.

Não há respaldo esportivo no uso do safety car: por mais que o automobilismo seja, por definição, injusto e cruel, realinhar os pilotos em um momento aleatório nivela seus desempenhos por baixo, quebra um pacto que a corrida estabelece com o espectador. O safety car existe por motivos comerciais, pois estabelece a inserção do intervalo na televisão e produz artificialmente o clímax hollywoodiano – mais palatável para o norte-americano médio (e, convenhamos, para o brasileiro também) do que uma corrida decidida em momentos iniciais.

Claro, também tem a questão da segurança... mas a entrada definitiva dela no esporte só aconteceu com a entrada da televisão, e isto não é uma mera coincidência.

Anacronia
As corridas em ovais, talvez o símbolo máximo, se faziam sentido em Brooklands, Sitges e Indianápolis até os anos 1930, hoje são completamente anacrônicas. A explicação disso - adivinha - também passa pela questão da segurança.

Um circuito oval, essencialmente, levará a uma eventual saída de pista de um carro em ângulo provavelmente menor que 30 graus. Nessas condições, é mais seguro que haja uma barreira de proteção próxima ao asfalto do que uma área de escape, pois o próprio atrito com o muro desaceleraria o carro de forma eficiente e pouco brusca.

Porém, se o muro está colado à pista, não há como retirar o piloto e os detritos da pista em segurança sem interromper a prova. E então recaímos no safety car...


Poderia falar dos marbles, mas não parece necessário.

O público norte-americano, no entanto, não parece questionar tanto a legitimidade do que esta assistindo, talvez até prefira o espetáculo ao esporte. A própria decadência da Cart começou quando tentou se projetar um pouco para fora deste sistema, o público migrando primeiro para a IRL e, depois, para a Nascar, um circo, um carrinho bate-bate, como bem definiu Ribeiro.

Mayflower II – a vingança
A Fórmula 1 desdenhava, ou fingia desdenhar do suntuoso e lucrativo espetáculo estadunidense até a década de 1990. Algumas pressões (o GP da Austrália de 1991, creio eu) fizeram-na incorporar o Safety Car em suas regras, e, após o Maio de 94 e suas decorrências, o uso ostensivo deste dispositivo virou prática.

Tenho duas hipóteses que convivem juntas sobre a aceitação destes ‘americanismos’ pela Fórmula 1. Primeiro, porque ela entrou numa crise de credibilidade (quebrou o pacto com o espectador devido aos acidentes e mortes em 1994) e, para remendar a situação, teve que abrir mão da emoção. Nunca suas corridas precisaram tanto de um clímax hollywoodiano.

Além disso, a Mercedes paga caro, muito caro por esse tipo de inserção publicitária.

Mas algo escapa nesta breve análise. Escapa o fato de o automobilismo norte-americano ainda ser um esporte. A Cart manteve por muitos anos, e a IRL ainda tenta manter de modo controlado, uma filosofia da qual a Fórmula 1 abriu mão há tempos: de que o automobilismo precisa de carros e pilotos, nada mais. Corre-se onde for necessário.

Uma pista rápida entre árvores no Wiscosin? Há Elkhart Lake. Curvas de ângulos incomuns? Há Laguna Seca. Pista de rua? Há Vancouver, Long Beach, Detroit...

A Fórmula 1 abandonou esta postura, de que se pode correr em qualquer lugar e que muitas vezes essa é a graça do esporte, há muito, desde o infeliz GP de Dallas de 1984. Por mais que faça uso da bandeira amarela etc, os norte-americanos tentam manter este espírito vivo. Enquanto a Fórmula 1 amarga corridas mais-ou-menos em Melbourne, a Indy/Cart estava até há muito pouco em Surfers Paradise.

A Fórmula 1 constrói uma suntuosa Xangai, plana, higiênica, asséptica, para os carros contornarem curvas insípidas frente aos olhos atentos de arquibancadas vazias. Os ianques colocam os carros na rua, no aeroporto, num oval, em curvas de alta, em ladeiras. Arrogante, a Fórmula 1 mais uma vez desdenha. Vamos ver até quando.


Tuesday, November 25, 2008

Webber e Armstrong


Semana passada, Mark Webber foi atropelado enquanto corria de bicicleta em um evento de caridade que ele próprio promove, o Pure Tasmania Challenge, em seu país natal.

Internado, com fraturas e um pino na perna, Webber terá de provar toda sua fibra em uma longa recuperação. Não deve ser fácil, mas ele terá em quem se espelhar. Um de seus grandes ídolos é ninguém menos que Lance Armstrong.

O ciclista multi-campeão do Tour de France, foi obrigado a interromper sua carreira devido ao câncer, recuperou-se e voltou a competir – e vencer – no ciclismo. Na F1 Racing de dezembro de 2007 (edição internacional), o piloto relata como foi seu primeiro encontro com Armstrong. Logo após o GP Brasil de 2004, ele e sua mulher Ann foram diretamente para Austin, Texas, onde Lance mora.

Além de muita bicicleta, o encontro dos dois também rendeu conversas sobre Fórmula 1 (assunto no qual Webber considerou seu interlocutor bastante versado), e mergulhos na água a partir de pulos de 10 metros de altura.

Parte dos fundos arrecadados pelo Pure Tasmania Challenge vai para uma instituição de apoio a portadores de leucemia. Quem sabe o encontro entre Mark e Lance tenha ensinado ao australiano algo sobre recuperação...

Saturday, November 22, 2008

A BMW e a aerodinâmica


Talvez por falta de algo mais interessante, foi muito discutido o novo aerofólio da BMW, apresentado nos testes de Barcelona.


Não chamou tanto a atenção por seu desempenho, mas pelo visual. Como prova a foto acima (sem data; tirada entre o fim dos anos 60 e início dos 70), de um carro de Fórmula 2, não é uma atitude inédita da BMW. O dispositivo colocado na traseira do carro não parecia ter efeitos aerodinâmicos relevantes. Mas esteticamente, ele funcionava bem...

Thursday, November 20, 2008

Na sala com Ico


Se você, leitor, chegou até este blog, provavelmente Luís Fernando Ramos dispensa apresentações. A mim também dispensava, e não foi surpresa que em nosso primeiro contato uma conversa despretensiosa e informal se desenrolasse naturalmente. Do diálogo, trago alguns trechos a público.

Não por acaso, o assunto dominante foi a Fórmula 1. Após sua primeira temporada completa in loco, Ico trouxe na bagagem lembranças memoráveis, histórias dos bastidores e impressões que deslumbrariam qualquer jovem blogueiro. Por exemplo: “Tanto o Rubinho quanto o Massa atendem bem a imprensa, mas o melhor para se entrevistar é o Nelsinho Piquet. Ele é um cara tímido, um pouco agressivo no começo, mas depois que se tem sua confiança, ele se solta e rende as melhores falas”.

Isso não quer dizer que não admire os outros brasileiros. Ao comentar sobre as parcas chances de Barrichello em continuar na categoria, deixou claro que sua saída seria (será) uma grande perda para a Fórmula 1. “Só no Brasil ele tem essa imagem. No resto do mundo, é um piloto respeitadíssimo. Mesmo no paddock, o pessoal de outras equipes nos perguntava, afinal, por que a Honda iria dispensá-lo”.

Na principal disputa do ano, entre Massa e Hamilton, Ico recusa análises simplistas. “Chegaram a dizer que, se Massa vencesse o campeonato, não seria tão legal, porque ele não é um piloto tão carismático. Eu penso justamente o contrário: ele é gente como a gente, não um cara 'predestinado' (pronunciado com um quê de ironia) como o Hamilton, alguém que foi treinado desde pequeno para ganhar este título. Acho que seria muito mais interessante alguém como o Massa vencendo.”

Hamilton mereceu o campeonato? “Bom... todos os erros de Hamilton devem ser creditados a ele, enquanto os de Massa também são crédito da Ferrari. Claro, a corrida de Felipe na Grã-Bretanha foi lamentável (não me lembro ao certo se este foi o termo utilizado), assim como a batida de Hamilton no Canadá. Agora, ninguém fala que o clímax dessa disputa só aconteceu por causa daquela punição no GP da Bélgica... Você estava lá em Interlagos, né? Como foi a comemoração pelo título do Massa?”

Contei sobre nossa folie à plusieurs.


O jornalista
Aproveitando sua estadia no Brasil, Ico visitou seus colegas de Rádio Bandeirantes, que trabalharam com ele durante o ano... Boa parte deles, viu pela primeira vez. “As pessoas me cumprimentaram bastante quando souberam quem eu era. Inclusive, me deram um cd com a gravação de todas as transmissões que eu fiz na temporada. Quero ouvi-las para sentir a evolução entre a Austrália e o Brasil. No primeiro GP, acho que estava muito travado, já que foi a primeira vez que fiz rádio”.

É um trabalho glamouroso, embora nada fácil. “Cobrir as provas é pesado. Ficamos no autódromo, quinta e sexta, das 9h da manhã às 9h da noite. No sábado, começamos às 9h e terminamos às 11h da noite. E, no domingo, trabalha-se das 9h até o começo da madrugada. Ao mesmo tempo em que se viaja o mundo, você fica com a pulga atrás da orelha por não conhecer os lugares. Por exemplo, cheguei na quarta-feira na China. Fui sempre direto ao autódromo na quinta, sexta e sábado, e só então, no sábado à noite, saí para conhecer de fato a cidade”.

Atualmente seus dias estão mais calmos, trabalhando no anuário AutoMotor 2008/2009. Sua função é coordenar a equipe, o que significa ler todos os textos, escrever alguns e rever todas as páginas muitas vezes antes de serem publicadas. “Eu só vejo mesmo o anuário quase um ano depois de ele ter sido publicado. Quando eu recebo a nova edição, já vi aquilo tantas vezes que nem presto mais atenção, fica guardado no armário”. Isso não quer dizer, porém, que ele e a equipe não se orgulham, com razão, do trabalho. Muito pelo contrário.

Ao terminar a conversa, minha cabeça se enchia de perguntas não-feitas, que vão ficar para uma próxima – provavelmente, não tão cedo. Ico, pela primeira vez, não vai fechar o anuário do Brasil. Após um ano de trabalho árduo, ele pretende descansar... viajando.

Monday, November 17, 2008

Entre ases e reis



Nalgum canto da zona Oeste de São Paulo, ontem, ocorreu uma das maiores confraternizações do automobilismo brasileiro em tempos recentes. Todos os méritos do evento devem ser creditados a Bird Clemente, já que foi por ocasião do lançamento de seu livro, Entre Ases e Reis de Interlagos (Ed. Tempo & Memória) que os grandes nomes foram lá reunidos.

Entre Ases e Reis... era assim que nos sentíamos, um grupo de estudantes que produz um documentário para a faculdade, estávamos lá, cercados de tantas lendas, tantas histórias.

A noite, no entanto, era de Bird. Fazia-se notar logo na entrada, onde estavam expostos um Willys Interlagos, um DKW e um Maverick pilotados por este lendário louco piloto de óculos, tão rápido quanto desbocado. (Após uma pequena escada, nota-se outro carro: um protótipo com as cores da Willys. Ico colocou sua cara dentro do bólido e resumiu: “Deve ser fantástico pilotar isso aqui”. Deve ser mesmo.)

Bird esteve sempre ocupado, mas mesmo assim atencioso, simpático, caloroso. Conversava com todos. Houve um cerimonial, o enfadonho em estado puro. Patrocinadores falam (apesar do patrocínio, o livro ostenta um selo da Lei de Incentivo à Cultura: todos os brasileiros pagaram a conta). A festa foi salva quando Bird pegou o microfone e pôs-se a falar. Falou do DKW descendo o retão de Interlagos, falou de seus rivais, e falou de dois amigos: Mauro Salles e o Barão Fittipaldi.



Ambos não puderam vir. Emerson também não pôde, mas enviou uma mensagem por vídeo. O mesmo fez Alex Dias Ribeiro. Mais cerimonial. Lá estão Reginaldo Leme e Bob Sharp, respectivamente autor do prefácio e revisor da obra.

Sobem ao tablado, para receber um prêmio (um pistão de DKW convertido em troféu), a maioria dos grandes ‘volantes’ dos anos 1960, os quais prefiro omitir para não ser injusto com algum que porventura não me lembre; contudo, não há como não citar Luiz Pereira Bueno. Luizinho estava alegre, tagarela, e com razão. A festa também era dele.

Dele e de todos aqueles que fizeram e contaram a história do esporte a motor no país. Livio Oricchio, Flavio Gomes, Felipe Motta, Lito Cavalcanti. Este último me salvou, com sua camisa azul-esverdeada. Até então, minha camiseta verde destoava do mar de ternos, vestidos discretos e cores pastéis que perambulavam no salão.

Falta de pilotos? Jan Balder, Ingo Hoffmann, Marinho... haveria de ser um grid fantástico não fosse uma vernissage. Até os mortos, de Moco a Bino, foram lembrados. Era quase uma corrida. Era Interlagos que estava lá.


A obra
Desnecessário dizer que a obra já nasce um clássico. Primeiro, porque Bird é um arquivo vivo – muito vivo, por sinal – das corridas. Também porque é uma louvável iniciativa de se colocar em papel a memória automobilística brasileira. Porque boa parte dos truques de se pilotar na antiga Interlagos estão lá, sistematizados, eternizados. Porque não é todo mundo que fazia o Sargento de lado.

Edição de luxo, capa dura, infelizmente: a visão estreita dos editores ainda vêem apenas mercado desta leitura em quem tem grana, em quem compra livros para enfeitar estantes. A garotada dos blogs, os estudantes, aqueles que ainda não sabem quem é Bird Clemente permanecerão no oceano de informações rarefeitas.

Resta-nos, ao menos, o prazer da leitura, na sempre bem-vinda companhia de ases e reis.

Friday, November 14, 2008

Instantâneos do GP Brasil - um ensaio e(m) imagens

Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difundido quanto o sexo e a dança – o que significa que, como toda forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como uma arte.

[...] Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginária de um passado irreal, também ajudam a tomar posse de um espaço em que se acham inseguras. Assim, a fotografia desenvolve-se na esteira de uma das atividades modernas mais típicas: o turismo. Pela primeira vez na história, pessoas viajam regularmente, em grande número, para fora de seu ambiente habitual, durante breves períodos. Parece decididamente anormal viajar por prazer sem levar uma câmera. As fotos oferecerão provas incontestáveis de que a viagem se realizou, de que a programação foi cumprida, de que houve diversão. As fotos documentam seqüências de consumo realizadas longe dos olhos da família, dos amigos, dos vizinhos.


[...] Um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la – ao limitar a experiência a uma busca do fotogênico, ao converter a experiência em uma imagem, um suvenir. Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranqüilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.

[...] A fotografia tornou-se um dos principais expedientes para experimentar alguma coisa, para dar uma aparência de participação [...] Tirar fotos estabeleceu uma relação voyeurística crônica com o mundo, que nivela o significado de todos os acontecimentos.


Uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um fotógrafo; tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais categóricos – interferir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver acontecendo. Nosso próprio senso de situação articula-se, agora, pelas intervenções da câmera. A onipresença de câmeras sugere, de forma persuasiva, que o tempo consiste em eventos interessantes, eventos dignos de ser fotografados. Isso, em troca, torna fácil sentir que qualquer evento, uma vez em curso, e qualquer que seja seu caráter moral, deve ter caminho livre para prosseguir até se completar – de modo que outra coisa possa vir ao mundo: a foto. Após o fim do evento, a foto ainda existe, conferindo ao evento uma espécie de imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria. Enquanto pessoas reais estão no mundo real matando a si mesmas ou matando outras pessoas reais, o fotógrafo se põe atrás de sua câmera, criando um pequeno elemento de outro mundo: o mundo-imagem, que promete sobreviver a todos nós.
Grifos meus.
SONTAG, Susan. Na caverna de Platão. In: Ensaios sobre a fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 18-23.

Wednesday, November 12, 2008

Instantâneos do GP Brasil

Heidfeld in the Sky with Diamonds



Landscape


Rubinho é metal



Instantâneos do GP Brasil

Arquibancadas ainda vazias na sexta, enquanto Timo Glock passa sem chamar muita atenção para si - ninguém poderia supor qual papel sobraria para ele na última curva da última volta...

Tuesday, November 11, 2008

Instantâneos do GP Brasil



A partir de hoje, publico o que de mais interessante consegui clicar (muito mal) durante os três dias de GP. A foto de cima foi tirada na sexta-feira. Com as arquibancadas vazias, os policiais não tiveram muito trabalho durante o dia.
Se fui muito infeliz em acertar o foco, ao menos não enquadrei o rosto do policial, que não estava fazendo nada demais. Aliás, estes, normalmente sisudos e indiferentes, este ano desenvolveram súbito interesse pela Fórmula 1...

Saturday, November 8, 2008

1981 – GP do Brasil


29/03, Jacarepaguá. Segunda etapa.

Do “L’Année Automobile 1981/1982”
Texto original: Eric Bhat

Disputado no autódromo de Jacarepaguá, no Rio, relegado ao ostracismo há três anos em favor de Interlagos, o GP do Brasil foi o palco de um novo triunfo da Williams, que assinalou sua quarta dobradinha consecutiva: uma série sem precedentes na história da Fórmula 1.

Carlos Reutemann completou a corrida na liderança, de ponta a ponta, em uma pista constantemente molhada. O argentino não cometeu o erro que lhe custara a vitória em Long Beach, duas semanas antes, jamais deixando Jones, que o seguia como sua sombra, partir para um ataque decisivo.

Ocorre que o piloto australiano, que teoricamente possui por contrato o direito de receber a liderança de seu companheiro de equipe, aguardava pacientemente o momento da troca de posições, evitando assim um combate potencialmente fatal para ambos os carros. A poucas voltas do fim, Frank Williams, por meio de placas, envia a Reutemann a ordem de ceder passagem a Jones. Carlos ignora... Por este fato, o campeão mundial de 1980 adquiriu um certo rancor que fez questão de manifestar após a corrida.

A dobradinha das Williams provocou uma certa surpresa, já que a vitória parecia prometida à Brabham de Nelson Piquet. Equipada com um sistema de suspensão óleo-pneumática que possibilitava a exploração do efeito-solo, o monoposto inglês foi de longe o mais rápido nos treinos. Os caprichos dos céus trataram de contrariar a lógica dos acontecimentos: acreditando que o tempo abrira em breve, Piquet cometeu o erro de partir na largada com pneus slick. Infelizmente para ele, a pista não secou em momento algum, fazendo-o afundar na classificação.

A chuva foi, por outro lado, a aliada do suíço Marc Surer, alinhado na nona fila do grid, que levou sua modesta Ensign ao quarto lugar, logo atrás de Patrese, que confirmou o progresso da Arrows A3.

Vencedor: Reutemann, Williams. 62 voltas (de 5,031km, num total de 311,922km) em 2h00min23s66, com média de 155,450km/h.

Melhor volta: Surer, Ensign (1min54s30).

Pole: Piquet, Brabham (1min35s07).

Tempo: Chuva, pista molhada.

Público: 25 mil espectadores.

Thursday, November 6, 2008

Espera-se que Balestre morra em 2009


Num ano de tantas notícias, alguns podem ter esquecido que Jean-Marie Balestre já não habita o mundo dos vivos desde março. No entanto, jamais ele foi tão presente: basta ver o número de corridas em que o Race Control agiu, o número de vezes em que estas ações foram questionáveis e, dentre estas, quantas tiveram influência inegável no resultado final.

Aquilo que Balestre fez no GP do Japão de 1989, causando enorme polêmica no mundo da Fórmula 1, não foi nada menos que institucionalizado – e aceito – com o advento do Race Control em anos recentes.

Aceito? Ao que parece, a própria FIA parece ter notado que o Race Control passou dos limites este ano. A Folha de S. Paulo divulgou hoje que haverá mudança nos procedimento punitivos: quando estes ocorrerem, a partir do ano que vem, os vídeos analisados pelos comissários ficarão disponíveis no site oficial da categoria.

A entidade espera, com isso, ser mais transparente em suas decisões.

Ser um comissário também exigirá mais experiência, já que será requisito prévio este ter acompanhado outros cinco GPs como observador.

Não é o fim do Race Control. Não é nem ao menos um mecanismo que seguramente impedirá que ânimos particulares ou interesses privados determinem as ações da FIA durante uma corrida. Mas já é um avanço, a saber: os dirigentes da Fórmula 1 sabem que, se o público desconfiar da manutenção da justiça no esporte, a categoria vem abaixo como um castelo de cartas.

Ao menos o fantasma de Balestre deve deixar de ser uma figurinha tão presente no paddock. Não é uma morte definitiva – esta só virá com o fim do monopólio que a FIA exerce sobre as imagens das corridas -, mas pode ser considerada a primeira pá de terra sobre o corpo do velho Jean.

Monday, November 3, 2008

GP Brasil 2008 – Os 30 segundos que abalaram Interlagos


Meu domingo começou às 21h00 de sábado, quando acordei de um sono de duas horas. Por um momento, hesitei em acordar, já que esta seria minha terceira noite mal dormida consecutiva e o dia prometia ser mais infernal e mais estressante do que qualquer outro. Mas levantei.

Não recebi autorização dos meus amigos para divulgar os horários de chegada na fila que determinaram um lugar excepcional, visão privilegiada e sombra durante o dia. Posso relatar, entretanto, que foi uma das noites na fila mais agradáveis que já peguei: tempo ameno, bons companheiros para jogar conversa fora, relativo conforto. Muitos dormiram ou cochilaram, algo que o nervosismo me impediu de fazer exceto entre 4h40 e 5h10, hora em que as cadeiras foram recolhidas, todos levantaram acampamento, desmontaram churrasqueiras e aquilo virou uma fila de verdade.

Às 6h30, os portões foram abertos e lá estavam nossas cadeiras cativas. As oito horas seguintes foram de expectativa e espera. E, ao contrário do que imaginava, ir ao banheiro e comprar comida foram procedimentos muito menos estressantes do que no dia anterior. Sempre havia um odioso beirute, ainda que velho, me esperando numa barraquinha e um banheiro químico em condições quase humanas para utilizar quando necessário. Em compensação, não vi a bandeira quadriculada em nenhum dos eventos de apoio.

É claro que, durante uma espera tão longa num ambiente tão confortável quanto uma masmorra medieval, conversar é um modo de evitar a insanidade. Falou-se muito de Grandes Prêmios passados, mulheres, rufiões e rufianismo (previsto no Código Penal).

Mas a diversão foi garantida por um argentino que conhecemos sábado, e que acolhemos no domingo, cedendo a ele e a seu grupo uma parte de nosso pequeno camarote disputado a tapa.

Ignacio, portenho, nos falou sobre a máfia, o Boca Juniors, o Estudiantes de La Plata, além de nos brindar com uma inspirada performance etílica de ‘O Sole Mio’. Ah, sim: Ignacio, de longe, foi o maior torcedor do Felipe Massa do fim de semana, fazendo inveja ao mais fervoroso brasileiro.

Motores ligados
Claro, desnecessário descrever tudo aquilo que a tv mostrou e que o público em casa viu tão bem com seus respectivos traseiros tão bem instalados nas poltronas.

Na arquibancada, a enorme tempestade que se formava atrás da Curva do Sol e a nuvem negra sobre o setor A foram recebidas com euforia. Alguns poucos preferiam tempo seco, confiantes na mais que comprovada capacidade de Lewis Hamilton se ferrar por seus próprios meios.

Foi uma largada emocionante, as primeiras voltas após o Safety Car reverberavam nas retinas dos setenta mil espectadores enquanto estas percorriam aqueles quatro mil metros de pista. Ao longo da prova, as emoções se dissipavam e alguém teve a brilhante idéia de sentar.

Desde sexta-feira até aquele momento, passando pelos eventos de apoio, não assisti a um treino sequer sentado. Nos três dias anteriores somados, pode-se dizer que acumulei seis horas de sono. A muito contragosto, por respeito aos meus colegas, sentei. Até agora não sei como resisti à tentação de dormir.

Eventualmente, levantava, me alongava para aumentar o ritmo cardíaco, e voltava a sentar. Em resumo, uma corrida chata, apesar das belas atuações de Massa, Vettel e Alonso.

Foi então que outras nuvens chegaram ao autódromo e a arquibancada levantou novamente, sacudindo as capas de chuva como se isso ajudasse a água a cair mais rápido. Quando enfim ela caiu, o nervosismo venceu. Ninguém soltou uma palavra. Cheguei a pensar que Hamilton havia colocado pneus para tempo seco em seu carro, tamanha a queda de rendimento.

Na ultrapassagem de Vettel, comemoramos como nunca antes havia feito, mas alguma voz mais sensata enunciou: “espera”. A chuva aumentava e ninguém conseguia acreditar que estava vendo um campeão mundial brasileiro surgir no Brasil. Quando Massa passou na linha de chegada, explodimos: gritando, vibrando, atiramos nossas capas de chuva ao alto, nos abraçamos, não sabíamos o que fazer. Foram os trinta segundos em que nos sagramos campeões.

De volta ao mundo real
Até que alguém falou que não. E o silêncio cobriu a arquibancada. Ninguém entendeu nada, e, quando entendeu, havia a certeza de que Glock deixara Hamilton passar de propósito.

Não houve pódio, houve velório. Não fossem os pneus de Glock (já inocentado), lá estariam os três últimos campeões mundiais. A chuva virou uma tempestade e lá sobrávamos, poucos, que relutavam em assistir à coletiva de imprensa, pelo telão, como se isso fosse mudar alguma coisa, talvez.

Se Hamilton mereceu o título, não o fez em Interlagos. Nervoso, apavorado, inconsistente, foi certamente a pior corrida do inglês na Fórmula 1 até o momento. Mas ele estava coroado e não tínhamos outra escolha que não aceitar.

O banho de realidade e de chuva lavou nosso espírito. Nem um pouco conformados, restou a certeza de que foi um fim de semana histórico, inesquecível, e de que estaremos lá de novo no ano que vem. E, se loucura a dois não é loucura, a cinqüenta mil também não há de ser: fomos os únicos a ver um brasileiro ser campeão no Brasil. Ainda que por trinta segundos, mas como diz Machado, “só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve”.

Saturday, November 1, 2008

GP Brasil 2008 – Sábado - Cultura de Massa

Dia estressante hoje, na parte da manhã. A Confusa Engenharia de Tráfego (CET) tratou de complicar a circulação, o que me rendeu um agradável passeio pelo bairro de Interlagos antes do sol nascer. Os lugares para o público se estreitaram com a quantidade absurda de torcedores que compareceu, relativa a outros sábados.

Almoçar foi um inferno, há penitenciárias com refeições mais saudáveis e bem servidas do que nas lanchonetes onipresentes e ineficientes do setor A. Por fim, a preocupação em garantir um bom lugar amanhã. Estamos prevendo que a fila de entrada será apenas comparável com aquela do ano 2000, quando Barrichello estreou na Ferrari.

Agora, ao fim do dia, a maioria das preocupações se dissipou. O que resta são as memórias daquilo que aconteceu em pista. E este que vos escreve, tão ferrenho defensor de Lewis Hamilton, se viu de repente torcendo fervorosamente para Felipe Massa. Não há outra opção, a arquibancada é um organismo dotado de vontade própria e os indivíduos nela são apenas uma fração irracional.

O desempenho dos pilotos, o grid de largada completo, quem assiste pela tv tem muito mais informações do que quem estava rachando no sol de Interlagos. Em compensação, televisão não transmite cheiro (a Fórmula 1 tem aroma, acreditem ou não), tem o som limitado, uma latitude de cores menor... Toma cerveja gelada, mas não se diverte tanto.

Estar ao vivo numa corrida é entrar em contato com parte do automobilismo clássico, quando uma corrida não servia para vender cigarros, mas sim para o homem explorar os limites da técnica; e sentar à beira da estrada para ver carros passarem era desenvolver uma relação de risco com o piloto e com a tecnologia.

Essa relação ainda existe hoje, embora lavada pela esterilização e comodidade oferecidas pela cultura de massa. Cultura de Massa?