Friday, October 31, 2008

GP do Brasil 2008 – Sexta-feira, cemitérios indígenas e outras teorias


Certamente já assisti a mais de dez treinos da Fórmula 1 em Interlagos, estes de hoje foram até que triviais demais. Mas cada vez que volto de lá reforço a convicção de que, muito antes de ser um autódromo, Interlagos foi um cemitério indígena. Ou um campo de pouso para naves extraterrestres.

Alguns indícios levam a crer que Interlagos possui uma lógica própria. Exemplo: choveu o dia inteiro. Repito, choveu o dia inteiro, desde as seis da manhã até as quatro da tarde, não havendo mais de meia hora sem finíssimos pingos caindo sobre o circuito. Isso sem falar no frio e no vento que fariam inveja a qualquer aeroporto militar de Northamptonshire (Silverstone inclusive). Por isso mesmo, não passei filtro solar. Estou ligeiramente rosa.

Os testemunhas de Jeová atacaram novamente. Desta vez, estão vendendo iogurte. Conheço muita gente que vai ao autódromo, mas ninguém que vai para beber iogurte... A marca do produto suscitou boas cantadas para as vendedoras: “Nossa, que vigor!”

De qualquer forma, toda iniciativa em prol das vísceras da torcida é bem-vinda, já que mesmo na sexta-feira de manhã os banheiros químicos já estavam fedorentos (há um banheiro de verdade na arquibancada A, vale dizer, mas que ‘serve’ apenas para o número um).

Parênteses: pelas palavras de um amigo meu, “quando a Fórmula 1 voltou para Interlagos, ficamos espantados porque havia banheiros. No Rio de Janeiro, tínhamos de urinar (óbvio que ninguém fala ‘urinar’, mas tive que substituir alguns termos por outros mais vitorianos) em sacos de lixo ou de pão de forma, já que era impossível descer das arquibancadas e voltar para o mesmo lugar”. Onde estes sacos iam parar depois de cheios? Via de regra, na cabeça de algum(a) sujeito(a) sentado nos lugares mais baixos.

Por falar em arquibancada A (e para ser um pouco bairrista), era a única do circuito que estava mais ou menos cheia. Até mesmo o setor G estava vazio. Desnecessário dizer que as tribunas corporativas estavam às moscas.

Entre os torcedores, o assunto do momento foi a pintura do carro de Coulthard – que, ao vivo, é mais acinzentada. No primeiro treino, alguns amigos comentaram: “Muito interessante”.

No segundo treino, um deles se corrigiu: “É feia pra caramba (ninguém fala ‘caramba’, mas tive que substituir alguns termos por outros mais vitorianos) essa pintura do Coulthard!” E arrematou: “Parece um ônibus clandestino...”

E não é que parece mesmo?

Thursday, October 30, 2008

Uma cobertura Gonzo


As mentes mais ociosas talvez tenham notado uma tag freqüente neste blog, Jornalismo Gonzo. Utilizo-a quase toda vez que escrevo em primeira pessoa ou trago um enfoque muito particular.

Muito bem, o sujeito acima é o inventor do Gonzo. Seu nome é Hunter Thompson e, ao contrário do que diz a CNN, morreu dando-se um tiro na própria cabeça, e não atacado por morcegos selvagens.

Sua idéia foi a seguinte: o jornalista é o personagem principal da notícia. A percepção do mundo é limitada pela sobriedade, pelo equilíbrio e pela suposta imparcialidade que o jornalismo convencional prega. Para corrigir isso, ele escrevia em primeira pessoa. E nunca estava sóbrio.

Neste fim de semana, estarei em Interlagos, faça chuva ou sol, neve ou quebre a bolsa de NY. Este espaço trará relatos de tudo o que se passou na arquibancada. Mas não esperem uma cobertura sóbria...

(A quem interessar possa: alguns relatos de outros GPs Brasil já publicados, aqui)

Nota: A série ‘1981’, excepcionalmente, será publicada após o GP do Brasil.

Tuesday, October 28, 2008

Dicas para quem vai a Interlagos


Pode ser pretensão alguém que se prepara para ir para seu quinto GP do Brasil (o quarto, se a contagem for do fim de semana completo) alardear conselhos por aí para quem vai ao autódromo. Concordo. Por isso, sistematizei algumas dicas com base também em especiais que vez por outra saem nos jornais, além de observar amigos e as minhas próprias reações fisiológicas, por vezes desagradáveis.

A lista a seguir pode parecer um exagero para quem tem assento reservado em uma arquibancada corporativa ou até mesmo em setores menores, cobertos e caros, como o D e o M, ou para quem vai apenas no domingo. Aí vão as dicas:

- Use filtro Solar. Não, não é por causa do Pedro Bial. Que chova em Interlagos, que você fique na sombra o dia inteiro. O mínimo raio de sol vai lhe fazer um estrago enorme. Por causa de uma sexta-feira cinzenta sem filtro solar, muitos torcedores de longa data já ganharam o apelido de ‘Ferrari’ pelo resto do fim de semana.

- Leve uma capa de chuva. Nunca, jamais confie em previsões metereológicas. E esteja sempre preparado para um dilúvio. Boné e óculos escuros, óbvio, também são obrigatórios.

- Apesar de tudo, não leve muita bagagem para o autódromo. Muitos acessórios, como binóculos, por exemplo, são absolutamente dispensáveis, e uma mochila pesada cheia de quinquilharias sendo carregada por três dias a fio é pedir para sua coluna travar cinco minutos antes da largada.


- Alimente-se bem durante a semana. O torcedor médio se alimenta mais ou menos como um mendigo durante o fim de semana. Suas opções de almoço serão, basicamente, cachorro quente e mini pizza. Prefira alimentos leves e ricos em fibras ao longo da semana. É melhor do que precisar de um banheiro químico no domingo, no meio da volta de apresentação.

- Faça exercícios leves alguns dias antes. Alongamentos simples podem amenizar as dores que seu pescoço, coluna e, principalmente, seu traseiro vão sofrer devido à prancha de madeira ou a faixa de concreto onde você vai ficar sentado horas a fio durante três dias. Caso não se importe com piadas sobre hemorróidas, vale trazer ou comprar uma almofada.

- Leve na esportiva as cantadas que sua mulher/namorada vai levar, se ela comparecer ao autódromo. Mas dessa você já sabia, né sócio...?

- Os xiitas ficam do lado de fora. Os mais fervorosos piquetistas, sennistas, ferraristas podem ficar espantados, mas nunca há brigas ou discussões sobre tais preferências nas arquibancadas. Não perca seu tempo fazendo inimizades. Você irá conversar horas e horas sobre automobilismo, e talvez aprenda bastante. Desconfie de datas, principalmente se seu interlocutor já tomou algumas.

- É uma extrema falta de educação dar em cima de modelos ou vendedoras dos stands sem estar completamente alcoolizado. Alcoolize-se. E tome cuidado com a Lei Seca.

Saturday, October 25, 2008

Os três de Surfers (parte 2)



Até que...

Mansell, já 4 segundos à frente de Fittipaldi, entra nos boxes na volta 30, totalmente fora do planejado. A equipe troca pneus, reabastece e ele volta à prova em quinto, negociando a curva com Scott Goodyear.

Um grande ponto de interrogação paira sobre o paddock, e a perplexidade não é menor nos boxes da Newman Haas: “Mansell achou que estava com um pneu furado”, é a explicação oficial. Desnecessário dizer que a equipe achava que não!

O receio de Mansell não é infundado. Na época, as fortes retomadas a que os carros eram submetidos nessa pista em saídas de curva faziam a pressão dos pneus traseiros saltar das 22 libras normais para até 27 libras.

Após a metade da corrida, o Leão se aloca em quarto lugar, atrás de seu companheiro de equipe (um certo senhor Mario Andretti). Andretti já perdera pelo caminho metade da asa dianteira, mas isso não parece influir em seu desempenho. Mansell o ultrapassa, mas não sem dificuldade.

Enquanto isso, na liderança, Fittipaldi já colocara 2s75 de diferença sobre Gordon. Ambos entram no box na mesma volta, a 44, outra vez, mas o motor de Bobby morre. Ambos perdem a posição para Mansell, mas o brasileiro já ganha um ponto pelo maior número de voltas na liderança. Ao que tudo indica, para Fittipaldi, tudo é uma questão de esperar o inglês entrar nos boxes para seu inevitável pit stop.

(Dez voltas depois)

Mansell pára, não troca pneus e volta 10s à frente de Fittipaldi. Pouco mais tarde, a diferença já se encontra em 19s25 e começa-se a especular sobre sua vitória. Afinal de contas, é um resultado incomum para um estreante. Além disso, nas 60 corridas anteriores, o pole position vencera em 15. Deveras incomum o êxito no grid se confirmar na corrida, mas se confirma, e o inglês é o vencedor. Dizia-se “sabemos que ele é bom em mistos, vamos ver como se sai em ovais”.

Mansell subiu ao alto do pódio mais três vezes em 1993. Todas elas em ovais.

Fittipaldi, faltando duas voltas para o final, começa a ficar sem gasolina. Robby Gordon se aproxima definitivamente, e não só ele. Mas o bicampeão chega em segundo.

Surpresa
Gordon sagra-se terceiro. Jovem (um dia mais velho que Michael Schumacher), o californiano foi rápido o fim de semana inteiro, não bateu, brigou com carros muito mais bem preparados e pôde se considerar um dos nomes da prova. AJ Foyt, dono de sua equipe, não foi à Austrália para a corrida, e brincava-se no paddock que sua ausência foi o motivo da equipe ter trabalhado tão bem no fim de semana.

Outro fato depõe a favor de Gordon: ele corria com um chassi Lola do ano anterior.Nas corridas seguintes, confirmou sua fama de agressivo e combativo, sendo inclusive suspenso em Long Beach por direção perigosa. Gordon finalmente venceu em 1995, duas vezes. Suas conquistas terminam aí. Já competiu em provas de turismo, CART, IRL, entrou inclusive no Dakar e, atualmente, é uma das figurinhas que engrossam o caldo da Nascar.

Em março de 1993, porém, naquele ensolarado domingo australiano, Gordon era uma jovem estrela ascendente do alegre circo da Indy. Não tão alegre, não tão esperançosa, esta é a categoria que volta a Surfers Paradise nesta madrugada.

PS – O vídeo, apoiado em conversas de box (e quem sou eu pra discordar) diz que Mansell sofre um Stop & Go pela ultrapassagem em Fittipaldi, por estar em bandeira amarela. Durante o cumprimento da penalidade, a equipe opta por abastecer e trocar os pneus, explicando a demora deste.

PPS – Há um outro vídeo aqui, um resumo da transmissão da Rede Manchete. A edição é péssima, mostra apenas a primeira rodada dos pit stops (note como narrador e comentarista não percebem que a parada de Mansell é fruto de uma penalização), mas tem a última volta completa. Um comentário me trouxe a confirmação necessária para o nome do comentarista: Edgard Mello Filho, fantástico. A narração é de Téo José.

Thursday, October 23, 2008

Os três de Surfers (parte 1)


Neste fim de semana a única categoria de monopostos dos Estados Unidos encerra sua temporada num evento que não conta pontos em Surfers Paradise. Achei apropriado lembrar a mesma corrida de quinze anos atrás, que na época abria a temporada da Indy.

Se hoje a Indy parece um pouco decadente, ela é a antítese daquele março de 1993, impressão reforçada pelos ianques terem feito alinhar em suas fileiras (por alguns milhões de dólares) ninguém menos que o campeão de Fórmula 1 do ano anterior, Nigel Mansell.

O Leão estampava o ‘red five’ em uma Newman-Haas favoritíssima quando marcou a pole para o GP de estréia. A seu lado na primeira fila, ninguém menos que Emerson Fittipaldi.

Necessário descrever a expectativa na largada? Agitada a bandeira verde, Fittipaldi pula à frente do inglês e traz consigo o terceiro do grid e companheiro de Penske, Paul Tracy.

Fittipaldi, Tracy, Mansell. Não, estes não são ‘os três de Surfers’ do título. Tracy logo pára nos boxes com problemas de suspensão, não sem antes ser ultrapassado por um jovem piloto ainda mais agressivo do que ele: Robby Gordon.

Gordon, da equipe Copenhagen, quarto no grid, ultrapassara Mansell em uma manobra linda, ignora o canadense e ganha seu lugar, merecido, entre ‘os três’. O comentarista da Manchete – um caso à parte, um dos melhores comentaristas de todos os tempos – define muito bem Gordon, este desconhecido: “a mãe dele coloca toda noite um lenço na boca do Robby, porque esse moleque baba”.

O comentarista (ignoro seu nome, tenho hipóteses sobre quem seja, mas não publico até ter certeza) se referia a sua volta no warm up, estabanada, inconseqüente, rápida, digna de fazer silenciar o circuito. A mesma agressividade ele usa para atacar o líder Fittipaldi nas primeiras voltas.

Só um piloto nos treinos fez sombra a Robby Gordon e seu nome é Nigel Mansell. A onipresença do muro não foi suficiente para que o inglês deixasse de ignorar zebras, travar pneus e sair de traseira. Antes da oitava volta, ele ultrapassa Robby Gordon. Pouco depois, encosta em Fittipaldi, bloqueia as duas rodas da frente, encontra uma brecha de centímetros entre a Penske e o concreto, e voilà, a corrida tem um novo líder.

Esqueça o Fittipaldi autocentrado, frio e calculista. Os três pilotos andam desde as primeiras das 65 voltas duelando como se não houvesse amanhã, e Emerson só não estampa os muros australianos por milagre, mais de uma vez.

O líder Mansell é o primeiro a entrar para a troca de pneus e reabastecimento, com um terço de prova, e a Newman-Haas faz um trabalho pífio. Quando Fittipaldi e Gordon saem dos boxes, juntos, estão à frente do inglês... este, com os pneus mais quentes, não demora muito para voltar à liderança.

A princípio muito colados, agora Mansell se desgruda à frente dos outros dois. O brasileiro e Gordon continuam muito próximos, igualmente andando de lado. A mesma sorte de não tocar nos muros, porém, não acompanha todos os pilotos. Buhl, Chiesa, Montermini, Jimmy Vasser, o brasileiro Marco Greco, todos estes já estão fora da prova, a maioria por saída de pista.

Surpresa! Sem bandeira amarela! Sabiamente, os diretores de prova não interromperam nenhuma vez sequer a prova.

Entre os líderes, tudo indica uma corrida sem tanta emoção em direção à bandeira quadriculada, até que... (continua)

Tuesday, October 21, 2008

O fracasso de três pontas


Em pouco menos de duas semanas, Lewis Hamilton virá ao Brasil para disputar a última corrida do ano e tentar ganhar o campeonato mundial de pilotos. Todas as chances a seu favor. Sem disputa com seu companheiro de equipe, larga vantagem de pontos de seu concorrente mais próximo, um carro bom e confiável. Contra ele, apenas o fantasma do ano passado.

Hamilton, entretanto, não é o único a ter um fantasma à sua volta. A eventual derrota do inglês no campeonato jogará luz no retumbante fracasso da parceria McLaren-Mercedes.

Juntas desde 1995, disputaram 13 temporadas completas até o fim do ano passado e venceram 52 corridas (58, contando as seis deste ano). Mas, em termos de campeonato, os resultados são risíveis: dois de pilotos e um de construtores.

Não é uma equipe qualquer. A McLaren foi a única a ultrapassar, em tempos recentes, a marca absoluta de vitórias da Ferrari – do GP da Austrália de 1993 ao da Alemanha de 1994, totalizou 104 primeiros lugares contra 103 da equipe de Maranello.

Além disso, é um time de ponta desde os anos 70. Na década seguinte, deixou de ser neozelandesa para se tornar britânica, sob o comando de Ron Dennis. Antes de se tornar parceira da Mercedes, se juntou a outras duas grandes fábricas: Porsche e Honda. Com ambas, conquistou o campeonato mundial logo no primeiro ano de parceria.

Corrijo-me: em 1994, firmou-se um contrato natimorto com a Peugeot. E foi em frangalhos que a Mercedes, após igualmente fracassada tentativa com a Sauber, se juntou à outrora campeã para formar um ‘dream team’.

Após três anos de recuperação, encontram os bons resultados. Conquistam o campeonato de pilotos e construtores de 1998. No ano seguinte, repetem o título de pilotos, ambos com Mika Hakkinen.

A partir de 2001, porém, a equipe entra em turbulência, alternando algumas temporadas fantásticas com outras tantas vergonhosas. Em 2004, o MP4/16 torna-se a piada do grid de tanto quebrar. Em 2005, Kimi Raikkonen e Juan Pablo Montoya vencem 10 das 19 provas, mas não levam a taça nem de pilotos, nem de construtores.

Desorganização e denúncias de espionagem explodem em 2007, e o título de pilotos escorre entre os dedos.

Nem mesmo em seus piores dias a McLaren sofreu com um jejum tão prolongado de títulos. Desde o último triunfo da Hakkinen, lá se vão nove anos. Da conquista de Hunt à de Lauda, entre 1976 e 84, foram oito anos de espera. Da última de Senna em 1991 à da Hakkinen em 1998, sete anos.

Caso vença a disputa entre os construtores em 2008, a McLaren-Mercedes igualará os dez anos de espera pelo título entre 1974 (quando Fittipaldi foi o primeiro campeão com a equipe) e 1984.

Não é provável, porém, que a equipe conquiste outro campeonato que não o de pilotos, já que está onze pontos atrás da Ferrari. Mais uma prova de que uma equipe que vence não é, necessariamente, uma equipe vencedora.

Sunday, October 19, 2008

GP da China 2008 – Expo 2010


Eram onze as arquibancadas do início da grande reta, imensas, completamente vazias. No lugar de pessoas, grandes outdoors que se prestam à divulgação da feira mundial do próximo biênio, a ocorrer na metrópole que abriga o circuito.

É fato que os chineses não ligam muito para esse ocidentalismo chamado ‘corrida de automóvel’, de modo que o governo de Xangai, que mandou construir um autódromo moderníssimo e megalômano em troca de quase meio bilhão de euros (depositada na conta de Herr Tilke), aparentemente desistiu de bancar essa caríssima brincadeira após o término do contrato. A própria transmissão registrou que o restante das arquibancadas só foi preenchido pela paquidérmica delicadeza estatal, exatamente como nas Olimpíadas deste ano.

Não culpemos Xangai, nem, sequer, os chineses. O GP da China da noite passada foi – que me perdoem os maoístas – de uma burocracia soviética. O mais próximo que a Fórmula 1 já chegou de “um conto, declamado por um idiota, cheio de som, sem sentido algum” em tempos recentes. E sem fúria também.

Isso é o que dá quando se coloca os carros para correr não em uma pista de verdade, mas em um imenso outdoor.

Saturday night fever
Aqueles que assistiram o GP de Cingapura, noturno, pela Rede Globo, tiveram o prazer de ouvir o ridículo trocadilho do ‘embalos de sábado à noite’. Repito por apenas um motivo: assisti ao GP ardendo em febre. Pena não ter sido muito forte, talvez os calafrios e as alucinações trouxessem mais cores à vitória de Hamilton, o segundo lugar de Massa, ao monótono vaivém.

Simbolismo
Enquanto os carros cruzavam a linha de chegada na China, os primeiros raios de sol, ainda que entre nuvens, empalideciam São Paulo, sede da próxima corrida, o palco certo da decisão do campeonato. Considerei tal fato um simbolismo oportuno, me senti feliz com isso e fui curtir meus graus de febre.

PS

Alguém notou algo estranho no pódio? A execução do hino e a distribuição dos troféus, geralmente filmadas em plano de conjunto, foram filmadas em plano médio. E a abertura da Carmen de Bizet não tocou na hora do champagne. Como no Brasil a ópera foi trocada por uma cafona chuva de papel picado eu uma bateria de escola de samba (justamente em São Paulo, túmulo do samba), não haverá mais Carmen este ano.

Friday, October 17, 2008

Massa não supera Senna nos televisores


Já é uma notícia antiga, mas passou batida na blogosfera (talvez preocupada demais com as páginas esportivas, se esquece de outras mais interessantes). A coluna de Daniel Castro na Folha de S. Paulo, saiu, no dia 22 de setembro, com a manchete “Audiência ignora ascensão de Felipe Massa”.

Resumindo, a medição do Ibope na Grande São Paulo mostrou que a média deste ano nas primeiras 14 corridas da Fórmula 1 foi de 16,5 pontos, ante 16 nas primeiras 14 corridas do ano passado. Cada ponto equivale a 56 mil domicílios, ou 1% das residências da região.

Não é um crescimento expressivo, mesmo comparando-se com anos em que os brasileiros eram figurantes no grid. Em 1998, por exemplo, a média da Globo com corridas foi de 15 pontos.

Até o GP da Itália, Mônaco registrou a maior audiência, com 20,2 pontos. A corrida de Monza foi a segunda mais assistida pelos paulistanos, com 20,1 pontos. Nada comparável à era Senna: em 1993, o GP da Itália marcou 29 pontos. Note-se que o final da temporada daquele ano Senna enfrentava uma fase difícil, sem vencer há meses.

Os números vêm a comprovar a tese de que um piloto brasileiro precisa de muito mais do que uma série de vitórias para fazer sombra, como fenômeno midiático, a Ayrton. Em seu mestrado, o jornalista Rodrigo França ressalta que Senna não foi somente um bom piloto para o Brasil, mas um ídolo que surgiu no exato momento em que o país precisava de um herói.

Em meados dos anos 80, a seleção brasileira de futebol estava em frangalhos. Piquet brigara com a grande mídia. Ayrton surge com sucesso precoce em 1984, quando o país se une para exigir o fim da ditadura militar. No mesmo dia em que é anunciada a morte do presidente não-empossado Tancredo Neves, Senna vence sua primeira corrida.

Quando o Brasil de Zico fracassa definitivamente na Copa do Mundo de 86 no México, contra a França, Ayrton ergue a bandeira nacional ao vencer em Detroit. A seu lado no pódio, dois franceses...

Diretas Já, inflação, Plano Collor. Em meio às turbulências políticas e econômicas do país, o inconsciente coletivo brasileiro se apegou na figura do piloto como imagem de um vencedor, de um campeão, uma certeza de sucesso. Boa parte da auto-estima de um povo estava devotada em uma única figura.

Costuma-se dizer que o ídolo Senna começou a ser construído após sua morte. Está errado. Ele era um herói antes mesmo de ganhar seu primeiro título. A Rede Globo de Televisão não participou diretamente da construção desse ídolo, mas o fomentou. Tampouco está correto dizer que Ayrton Senna piloto é uma persona independente do Ayrton Senna herói.

Como piloto e como ídolo, Ayrton Senna é um fenômeno singular e complexo, que rejeita simplificações e estereótipos. E é ele, e não Hamilton, Raikkonen ou Alonso aquele com quem Felipe Massa deve brigar. Ao menos nos índices de audiência.

Obs: Tive o prazer de escrever uma matéria sobre a tese de Rodrigo França, em 2006. Quem quiser ler, pode clicar aqui.

Tuesday, October 14, 2008

Por que Patrese


Thierry Boutsen e Riccardo Patrese foram companheiros de Williams nos oscilantes anos de 1989 e 90, sendo que, no final desta temporada, Mansell – cujo currículo era mais expressivo que os do belga e do italiano somados – foi anunciado como piloto do time de Didcot (hoje a equipe está em uma cidade vizinha, Grove) para a temporada seguinte.

Frank Williams, então, teria que se livrar de um piloto. De um lado, Boutsen somara, nos últimos dois anos, 71 pontos, vencera três provas e subira ao pódio oito vezes. Patrese acumulara 63 pontos, uma vitória e sete pódios.

Cada um marcou uma pole – Patrese na Hungria em 89, Boutsen também na Hungria, em 90. O italiano largou muito mais vezes na frente do companheiro no ano anterior, mas, em 1990, ambos empataram no critério.

Frank Williams, porém, não esperou o ano terminar para analisar os números. Antes do GP da Itália, já se sabia no paddock que Boutsen estava na rua.

O belga, claro, não se conformou, mas o burburinho dos boxes conhecia bem os motivos de sir Frank: Boutsen, ao contrário de Patrese, nunca foi um piloto combativo. Certamente talentoso, talvez rápido, mas jamais agressivo.

Combatividade e trapalhadas não faltaram à Williams no dois anos seguintes, com Mansell e Patrese na Williams-Renault, levando-os ao título de pilotos e construtores em 1992. A geração de pilotos do final dos anos 80/início dos 90 já passou há muito; Frank Williams e Patrick Head permanecem impassíveis nos boxes. Entretanto, não é provável que os chefes de equipe atuais preterissem Boutsen em favor de Patrese. Hoje, os todo-poderosos dirigentes criminalizam os agressivos, os combativos, aqueles que preferem batalhar por uma posição em pista a se conformarem com a estratégia de pit stop.

É provável que nem Boutsen fosse poupado pelo Race Control.

Sunday, October 12, 2008

GP do Japão 2008 – Bourdais e o Grande Irmão


Que Hamilton e Massa foram estúpidos, não há dúvida. O primeiro, por querer decidir a corrida nos primeiros metros – sequer nas primeiras voltas. O segundo, por acreditar que sairia impune de uma batida mais do que evitável.

Por mais que as punições não tenham sido proporcionais aos danos, ambos os protagonistas do campeonato se tornaram meros coadjuvantes em cena. Brigando pelas migalhas do fim do pelotão, deixaram o caminho livre para o “The Alonso and Kubica Show”, mais divertido e emocionante, na medida do possível, que a batalha pelo campeonato – e provido, talvez, de melhores pilotos.

Mas a vitória de Alonso, as batidas, a largada controvertida, tudo é explicável na corrida, menos a punição a Bourdais por um toque entre ele e Massa no fim da reta. Em primeiro lugar, porque era uma disputa de posição, porque não houve conseqüência para o andamento da prova, porque não houve mudança brusca de trajetória, nem saídas propositais de pista. Mudança de trajetória e corte proposital do traçado, aliás, que foram óbvios no choque entre Massa e Hamilton. A Fórmula 1 entra, enfim, na era do Grande Irmão.

Friday, October 10, 2008

Bird Clemente e a arte de pilotar na neblina


Bird Clemente recebe um grupo de estudantes de jornalismo em sua casa. A pauta: um documentário a respeito de Interlagos. Nada mais natural, portanto, do que entrevistar o piloto que mais correu no circuito – o antigo.

(Esclareço: não, não apareço na foto. Sequer fui à entrevista, mas sim, também faço parte deste projeto de documentário.)

Outrora um dos mais arrojados volantes do ‘automobilismo tupiniquim’, Bird leva hoje uma vida tranqüila. Isso não quer dizer, porém, que suas falas sejam mais contidas.

“O traçado novo eliminou todas as curvas de alta que havia em Interlagos. A curva de alta separa os pilotos, mas também é o momento de maior risco, e isso fez com que elas fossem suprimidas. Não interessa mais que haja acidente no automobilismo. Mas se a segurança for muito grande, se a tecnologia for muito desenvolvida, aí os gatos vão ficar todos pardos...”

Bird é do tempo em que os acidentes eram parte da corrida de automóvel, assim como as ultrapassagens. “Não tinha um comitê para julgar se a ultrapassagem foi justa ou não foi”.

A entrevista estava quase no fim quando chega um pedaço de papel nas mãos daquele que estava fazendo as perguntas. “Neblina”, estava escrito nele. Foi enviado pela mulher de Bird, que acompanhara toda a sabatina.

A pequena palavra incitou uma resposta fantástica. Bird conta que, por testar muito em Interlagos com as equipes Vemag e Willys, ele começou a perceber que quase toda noite (havia muitas corridas noturnas em Interlagos, nos anos 60) havia neblina por sobre a pista.

Assim como Senna, quando caíam as primeiras gotas de chuva, mal a neblina se formava e lá estava Bird dando voltas em Interlagos. Com o tempo, e com a visão limitada a poucos metros, o piloto começou a notar manchas no asfalto, postes, pequenos morros pelos quais o carro passava e que se tornavam referências de frenagem ou traçado. E quando, nas corridas, a névoa caía, lá estava ele na liderança.

Não é sem razão, pois, que Bird pode dizer que conheceu melhor do que ninguém aquele circuito.

Informação exclusiva: Fanáticos, preparai vossos bolsos. Em novembro, muitas histórias de Bird Clemente virão à tona.

Tuesday, October 7, 2008

Pequeno réquiem para Montréal


Arquiteto não desenhou Montréal. Já estavam lá as ruas, as curvas, os grampos a desviarem das edificações de uma exposição mundial e de um dos Jogos Olímpicos mais belos da história recente.

A Fórmula 1 foi para lá. Já não cabia na remota Mosport das curvas rápidas e dos saltos, a cidade grande era uma opção razoável quando uma legião de franco-canadenses foi despertada ao ronco dos motores por causa de um pequeno patrício que se divertia com os perigos de ser um corredor profissional nos anos 70.

Villeneuve passou e Montréal permaneceu na Fórmula 1. Outros chegaram e passaram, novamente. O Grande Prêmio nunca foi apenas uma corrida para os canadenses e os québecois, mas uma celebração dos raros dias de tempo ameno, que ocorrem de junho a setembro no país.

A Fórmula 1 perdeu seu evento de maior latitude por uma canetada, porque alguém lá de cima achou que é melhor abrir espaço no ano para que um GP seja realizado ao redor de arquibancadas vazias pagas pelo petróleo de um sheik qualquer. Aquele cara vai desenhar as retas e as curvas - os ignorantes a chamarão pista.

E então se faz passado aquela arquitetura verdadeiramente bonita que circundava o autódromo Gilles Villeneuve, se faz passado o que havia de cultura nas corridas, a festa tornou-se evento, e o automobilismo, mais uma vez, asfalta o caminho de sua morte.

Thursday, October 2, 2008

As pontes de Longford

Um pouco mais do mesmo, mas os leitores hão de perdoar.

Long Bridge, outra vez, agora em 1968, última etapa da Tasman Series disputadas no local. Graham Hill lidera um pelotão de indecifráveis competidores. Mas não se engane: o grande vencedor dessa corrida encharcada - que terminou na décima quinta volta de 27 - foi Piers Courage, aquele mesmo protegido de Frak Williams que morreu em um De Tomaso, na Holanda, em 1970.

Por ser a última etapa da temporada, Clark fez pontos o suficiente para tornar-se tricampeão (de um campeonato que foi criado em 1964). O último título de sua vida.