Sunday, May 30, 2010

GP da Turquia 2010 - O inimigo mora ao lado

As mesmas cores do uniforme, mas em lados opostos do front. As duas equipes mais fortes do fim de semana, Red Bull e McLaren, competiram menos entre si do que internamente em Istambul - no caso da primeira, com enorme prejuízo.

A batida entre Webber e Vettel na volta 41 foi certamente evitável, mas não parece que a manobra de algum dos pilotos tenha sido infeliz, ou anti-esportiva. Ambos mantiveram o traçado, entraram em rota de colisão e decidiram não ceder o espaço. Por mais que a Fórmula 1 asséptica tenha horror a este tipo de evento, eles fazem, ou deveriam fazer parte de qualquer corrida.

O que ela atesta, no entanto, é a imaturidade de Vettel, que, com um carro visivelmente melhor, poderia ter recolhido e esperado mais uma volta ou duas. Webber apenas fez o que tinha de fazer.

Com ambos fora de combate, a McLaren, sempre à espreita, assumiu os dois primeiros postos e rumaram à bandeira quadriculada. Não foi um passeio, porém, porque Button decidiu brigar pelo primeiro posto e quase teve êxito. Ao final, Hamilton obteve sua primeira vitória na temporada, que o coloca em seu lugar de direito, de postulante ao título.

Interessante notar que foi uma corrida limpa, sem chuva, exceto alguns pingos desprezíveis, e sem bandeira amarela, que trouxe a emoção que se esperava após o fim do reabastecimento: mais disputas ao final da corrida, ao cair do rendimento dos pneus, que provoca uma espécie de 'clímax' tradicional, deslocado para o final da narrativa - e ao qual o público está mais acostumado. O GP da Turquia é fundamental para a legitimação do novo regulamento.

Saturday, May 29, 2010

Alonso e seus erros

Alonso erros quando não devia ter errado. Numa pista em que os pneus macios não costumam durar muito, ele travou os dianteiros, patinou, corrigiu e os deixou quadrados demais para conseguir tempo suficiente no Q2. É normal os pilotos errarem, principalmente numa pista tilkeana como Istambul - Massa, Schumacher, Kubica, vários pilotos erraram. Alonso foi o único a fazê-lo quando não devia.

A infeliz perda do ponto de freada que jogou o espanhol para a 12a posição do grid é mais um capítulo numa temporada com ares de Odisseia para ele. Sucessivas decisões mal tomadas atrás do volante têm transformado cada corrida sua numa epopeia de recuperação.

O toque evitável na primeira curva em Melbourne, a ida para a pista na hora errada nos treinos em Sepang, a queima de largada na China, chassi quebrado durante os treinos livres em Mônaco. Ainda assim, devido a um campeonato rebuscado e aos caprichos de Éolo, que tantas chuvas troxe aos GPs em 2010, Fernando se encontra a meros três pontos dos líderes do campeonato, a dupla da Red Bull. A partir de agora, seus erros custarão mais caro.

A pole coube, mais uma vez, a Webber. Também erraram Vettel e Schumacher, que devem sofrer alguma desvantagem devido à regra ridícula que obriga os pilotos a largarem com os mesmos pneus com que fizeram o Q3.

No mais, uma outra corrida burocrática se desenha para o domingo, a ser vista 'in loco' pelas moscas turcas.

Thursday, May 27, 2010

O que Austin pensa sobre a Fórmula 1?

Ontem, a cidade de Austin, acordou sabendo que seria a sede de um GP dos EUA de Fórmula 1. Danilo Regi de Almeida, um colega meu de faculdade, chegou à capital texana há alguns poucos dias e me manda notícias diretamente de lá. Em primeiro lugar, comprou o Austin American-Statesman de ontem e me mandou o link da matéria, de capa, na versão online.

Saltam aos olhos algumas explicações extremamente didáticas sobre o que é Fórmula 1, comparada à Nascar e à Indy. Mas também traz informações relevantes a nós, iniciados: há três locais prováveis para o autódromo ser construído, o financiamento deve ser privado, ao menos majoritariamente. Mas ainda falta muito a ser explicado - o título da matéria, "A Fórmula 1 está vindo para Austin?", fala por si. Espera-se que cada GP tenha o impacto econômico de um Super Bowl.

O próprio Danilo saiu por lá perguntando o que as pessoas achavam da Fórmula 1 corer na cidade, se bom, se ruim, ou mesmo se sabiam do que se tratava. Com a palavra, o repórter:

Quando mostrei a noticia da capa para a caixa (ou atendente) do Starbucks que me vendeu o jornal, Lindsey, ela disse ser algo maravilhoso, mas que ela nunca assiste a corridas, nem a Nascar. O recepcionista Armando, mexicano morando aqui há 1 ano, diz que gosta de corridas mas não lembra qual a última que assistiu e não conhece Fórmula 1. O motorista de taxi Gary, fã da Nascar, ao ver a pergunta na capa do jornal disse que a F1 não deve vir pra Austin porque é muito cara.

O reparador Micky, um fã do automobilismo (esse disse que gosta mesmo) disse que não gosta muito de assitir à Nascar porque acha um pouco monótona, mas ja estava sabendo da vinda da Fórmula 1 e irá assistir à prova porque pensa que pode ser excitante uma corrida nesse tipo de circuito.

O recepcionista Ryan diz que a vinda da formula 1 é boa como qualquer coisa que atrai mais turistas para cidade mas acha muito (ele disse fucking) chato essas provas com 50 voltas num mesmo circuto. Ele prefere corridas de rua ao estilo Velozes e Furiosos.

Talvez você já saiba, um cara de um estado do norte, estudante, me falou que só o pessoal do sul e sudoeste americanos realmente liga para corridas de carro.

É isso por enquanto. Se o correspondente mandar mais notícias, elas serão aqui publicadas.

Tuesday, May 25, 2010

O dia em que a Simtek acabou

É uma história destinada ao esquecimento, decerto, das menos importantes nesse mundo de milhões de dólares e de vencedores. Arrisco-me, contudo, a contá-la: a breve história da equipe Simtek.

Quinta-feira, 25 de maio de 1995. Há quinze anos, portanto. Os carros entravam na pista para o primeiro dia de treinos para o GP de Mônaco. Em um dos diminutos boxes, o clima estava pesado. Nick Wirth havia declarado: "A não ser que alguns patrocinadores que nos fizeram promessas compareçam com dinheiro, fechamos as portas, pomos os 48 trabalhadores na rua e não vamos ao Canadá". Sua equipe era a Simtek. Ele a havia posto para correr no início de 1994, com a ajuda financeira de Jack Brabham (bancando o cockpit para seu filho David) e da SMS Motorsport.

De semi-anônima equipe do fim do grid, a Simtek foi alçada às primeiras (ou segundas) páginas dos noticiários após a morte de um de seus pilotos, Roland Ratzenberger, no sábado 30 de abril, durante os treinos oficiais para o GP de San Marino em Imola.

Duas corridas depois, o piloto substituto, Andrea Montermini, também sairia gravemente ferido de uma batida durante o GP da Espanha, à qual ele felizmente sobreviveu. E outra vez ainda, durante testes em Silverstone, David Brabham escapou ileso de um outro acidente.

Wirth poderia ter desistido. Mas resolveu seguir em frente e no ano seguinte a equipe viu sua fama de cadeira elétrica ficar para trás ao construir um carro eficiente, que dava poucos problemas e recebia a potência do motor Ford Cosworth ED, em substituição aos ultrapassados HB de 1994. Os resultados começavama aparecer com o melhor piloto que já correu naqueles carros roxos, Jos Verstappen. Largar do meio do grid passou a ser normal. Em Barcelona, o holandês partiu da 16a posição e chegou em 12o.

Olhando em retrospecto, diz-se que a falha de Wirth, reconhecido como ótimo engenheiro, foi ter sido presa de seu pouco tino comercial. Retornamos ao GP de Mônaco de 1995. Aqueles patrocinadores a quem ele se referiu não vieram.

Quando as luzes verdes se acenderam no principado, os carros partiram e encontraram um acidente múltiplo na primeira curva. A largada foi cancelada. Houve um segundo procedimento. O pelotão largou novamente, mas dois carros não estavam mais lá. Eram os Simtek . O de Verstappen sucumbiu a problemas de câmbio. E como se o azar fosse pouco, enquanto içavam o carro de Domenico Schiattarella (foto) após o acidente da primeira partida, os comissários o deixaram cair, destruindo o chassi.

A Simtek não foi mais para o Canadá. Nem para lugar algum. Wirth, poucos meses após a falência da equipe, trabalhava no projeto de um novo túnel de vento para a Benetton, encomendado por seu amigo Flavio Briatore. Este ano, ele retorna à Fórmula 1 no comando de um time: a Virgin, que esboça futuro igual ou pior à de sua primeira tentativa.

Sunday, May 23, 2010

Clay Regazzoni, GP dos EUA-Oeste, 1980

A efeméride já passou há quase dois meses, mas ainda vale colocar aqui. Era o dia 30 de março de 1980. Em Long Beach, a pole position foi ocupada por um talento recém-descoberto da Fórmula 1 na época. A última fila do grid, porém, foi ocupada pela dupla de pilotos mais experiente.

Com 133 GPs disputados, Emerson Fittipaldi, bicampeão, em um carro de mesmo nome, ocupava a vigésima quarta e derradeira posição no grid, por ter marcado o tempo de 1m21s350. A seu lado, apenas um GP a menos que o brasileiro na carreira, Clay Regazzoni alinhava seu Ensign com 1m20s984 no treino classificatório. O crepúsculo dos deuses estava em curso.

Dois pilotos dos mais destacados da década anterior; é como se o GP dos EUA-Oeste daquele ano encerrasse simbolicamente a década de 70 no automobilismo.

A sequência dos fatos sublinharia de tristes cores essa epécie de despedida: na volta 50, via-se uma fumaça subir atrás da Queen's Hairpin. Era Regazzoni, que, após ter perdido os freios, batera na Brabham de Ricardo Zunino, encostada ao fim da reta desde a primeira volta. Ao final da intervenção de Sid Watkins, o suíço estava vivo, mas sem o movimento das pernas. Interrompida a carreira de um piloto, inciava-se uma lição de superação, que duraria por mais duas décadas e meia. Em 15 de dezembro de 2006, a tragédia encontraria novamente Clay Regazzoni, nos arredores de Parma.

No pódio da Ocean Boulevard, aquele pole position comemorava sua primeira vitória. Ele atendia pelo nome de Nelson Piquet. À sua esquerda estava Emerson Fittipaldi. Ao fm do ano, ele se despediria da Fórmula 1. Com dignidade.

Friday, May 21, 2010

Cartazes - 12 Horas de Reims, 1954

Há algum tempo não dou continuidade à seção 'Cartazes', por isso quero retomá-la com uma pequena raridade. As 12 Horas de Reims eram uma importantíssima competição anual nos anos 1950, época em que as provas de esporte-turismo rivalizavam em importância com os Grands Prix.

Em 1954, a Jaguar vingou sua derrota para as Ferrari em Le Mans (note, o evento era realizado poucas semanas após as célebres 24 Horas) e os British Racing Green ocuparam os três primeiros lugares, todos modelo D-type. A vitória coube à dupla Peter Whitehead e Ken Wharton, com Duncan Hamilton e Tony Rolt, segundos em Sarthe, repetindo a colocação.

Vale a pena mencionar os quartos colocados, Masten Gregory e Clemente Biondetti. Este seria logo forçado a abandonar as pistas para tratar de um câncer, que terminou por vencê-lo em 22 de fevereiro do ano seguinte.

O cartaz investe no clima noturno: de fato, muitas vezes, a largada (efetuada em sistema Le Mans) ocorria à noite. Ao fundo, a ponte Dunlop. Em meio à penumbra, é possível reconhecer um carro verde à frente, seguido de um vermelho e um prateado - respectivamente, Jaguar, Ferrari e Mercedes. A tragédia nas 24 Horas do ano seguinte cancelou a etapa, que retornaria em 56 e teria sua última realização em 1967.

Wednesday, May 19, 2010

Jeitinho alemão

A retirada do apelo da Mercedes ameniza, mas não muito, a discussão sobre a ultrapassagem de Schumacher sobre Alonso, na última volta do GP de Mônaco. Afinal, o Safety Car saiu da pista porque a pista já estava limpa, ou porque era a última volta, como determina o item 40.13 do regulamento?

A Ferrari e os comissários alegam que foi a última opção. Já a Mercedes defende que ela "e a maioria das equipes", como relata em seu comunicado, entenderam como a primeira alternativa.

Eis a questão: se a maioria das equipes entendeu estarem permitidas as ultrapassagens, por que só Schumacher tentou efetuá-la? Isso leva a outra discussão interessante, que é a capacidade de Schumacher agir no limite da legalidade.

É conhecida a campanha publicitária protagonizada pelo jogador Gérson dos cigarros Vila Rica, que culminou na famigerada Lei de Gérson: a de que o importante é levar vantagem em tudo. O paralelo com o futebol vai mais além, já que talvez o mito mais difundido do modo brasileiro de jogar bola seja o do 'malandro', do estilo Garrincha. O malandro é um arquétipo carioca, bastante valorizado como símbolo nacional na década de 50 (período-chava para a constituição da identidade oficial brasileira).

A malandragem, o levar vantagem, o jogo de cintura, ou o chamado 'jeitinho' são características que o brasileiro e o estrangeiro associam com o modo brasileiro de ser. Interessante que o 'gringo', e principalmente o alemão fazem o contraponto a essa imagem.

Justamente o alemão, aquele ser racional-kantiano, profundamente orientado por um senso de normatividade. Foi justamente um alemão a ultrapassar o 'sangue latino' espanhol que Alonso representava naquele momento. Foi o alemão Schumacher a aproveitar a brecha da letra fria da lei, como já havia feito em inúmeras outras ocasiões.

Em suma, não foi apenas Alonso quem Schumacher ultrapassou. Ele também passou o limite de uma certa identidade social. Independente de estar certo ou errado (pessoalmente, estou convicto de que sua manobra foi ilegal, mas que houve erro da direção de prova em acender as luzes verdes), há dois trespassings em discussão. Por isso tanto alvoroço.

Sunday, May 16, 2010

GP de Mônaco 2010 - Aberturas

Hamilton (foto) teve uma roleta desenhada no casco de seu capacete para correr em Monte Carlo. É comum associar a imagem do principado à de um cassino, devido ao passado: em meados do século XX, antes de de Rainier III assumir como príncipe, 95% da receita de Mônaco provinha dos jogos de azar.

Hoje a porcentagem é infinitamente menor, e o desenho do capacete do inglês talvez sirva apenas para nos lembrar o quão pouco, em condições normais, a roda da fortuna gira durante as 78 voltas de uma corrida.

Assim foi com Webber, de condução precisa, que confirmou sua "vitória provisória" obtida no sábado apesar das quatro entradas do Safety Car. O australiano recebeu o troféu das mãos de Albert como o atual líder do campeonato, quase como num ato de posse, enterrando sua condição de segundo piloto na equipe. Quanto mais a Red Bull ascende, mais promete uma briga hamletiana pelo campeonato. Kubica conquistou seu merecido pódio, mesmo tendo perdido sua posição na largada.

O pódio foi a regra. Vamos, agora, às exceções: ou seja, os casos em que a roda da fortuna se mostrou bem azeitada. Em primeiro lugar, Rubens Barrichello, ao emergir à frente das Mercedes na largada, para depois perder as posições nos boxes e, finalmente, terminar numa barreira de proteção com a suspensão (ou foi um pneu furado?) quebrada.

Por último, claro, Alonso. Saindo dos boxes, deu o pulo do gato na primeira bandeira amarela e ultrapassando os carros das equipes novatas. Tudo se encaminhava para a redenção do um fim de semana errático quando Schumacher converte um procedimento padrão em uma ultrapassagem. Em jogo, não apenas dois pontos.

De tampas de bueiro a brechas no regulamento, a fortuna encontra as suas aberturas em meio à rigidez protocolar monegasca.

Saturday, May 15, 2010

Webber é o vencedor provisório. Kubica brilha

Até 1995, havia duas sessões de treinos oficiais, uma na sexta e outra no sábado. Quem fazia o melhor tempo no primeiro dia era chamado de 'pole provisório'. Não que isso valesse alguma coisa, enretanto: principalmente se pensarmos na Fórmula 1 desde seu início até meados da década de 80, quando a pole position era uma garantia tão frágil de um bom resultado que largar em primeiro, na maioria dos casos, era pouco mais do que uma conquista simbólica.

Na última década e meia, como o leitor deve saber, isso tudo mudou, e a maioria dos GPs têm no sábado à tarde seus momento mais decisivos.

Mônaco antecipou em décadas essa tendência. Desde os anos 1930 os pilotos sabem da dificuldade, senão quase impossibilidade de se ultrapassar o carro da frente, de maneira que quem chegar primeiro na Sainte Devote amanhã dificilmente perderá o lugar à mesa de jantar do príncipe.

Sendo assim, Webber não é um mero pole position, mas o vencedor provisório do GP de Mônaco, na sexta vez em seis corridas que uma Red Bull larga à frente - e isso num fim de semana no qual os austríacos jamais se mostraram favoritos. Um apagado Vettel perdeu seu escudeiro, e agora vê o próprio companheiro emergir como principal rival na luta pelo título.

Mesmo assim, a primeira fila só não é inteira rubro-celeste porque um certo Robert Kubica se interpôs. Cortando as ruas do principado como uma navalha, o polonês passa em mais um teste de talento: se mostra confortável correndo nas apertadas condições da pista citadina. O mais difícil ele já fez. Para a consagração, resta apenas passar incólume por 78 voltas entre os afiados guard-rails.

Friday, May 14, 2010

Monte Carlo, 1971

Quando se fala em mulheres e em GP de Mônaco, Grace Patricia Kelly é inescapavel. A princesa consorte, sempre elegante, aparece aqui, claro, no camarote real, ao lado do marido Rainier.

Crédito da foto: Rainer Schlegelmilch

Thursday, May 13, 2010

O GP de Mônaco e seus Le Corbusier

TODA VEZ QUE a Fórmula 1 vai a Mônaco, com ela vai também a velha discussão sobre se Monte Carlo ainda pode receber corridas, ou se não estaria utrapassada demais para a tecnologia embutida desses carros, velozes demais para apertados traçados urbanos.

Essa questão me lembra uma outra, mais antiga, do começo do século XX, quando as indústrias tinham feito as cidades incharem, causando todos os problemas inerentes à superpopulação: epidemias, falta de meios de transporte, miséria. Para isso, vieram os urbanistas ligados ao projeto modernista proporem um novo formato de cidade. Ela deveria ter moradias baratas e racionalmente organizadas para a massa de trabalhadores e uma rede de transporte capaz de absorver o fluxo de automóveis.

Os frutos dessa mentalidade foram os conjuntos habitacionais e as grandes avenidas que cortaram cidades inteiras ao meio. Um dos grandes pensadores dessa nova arquitetura foi o suíço Le Corbusier.

Pois bem, em dado momento, a prefeitura de Paris se deu conta de que precisava revitalizar uma área degradada doo centro da cidade, o bairro do Marais. A proposta de 'Corbu' (como era chamado) era taxativa: colocar abaixo todos os prédios, erguendo novos conjuntos habitacionais.

Felizmente, apenas uma quadra foi demolida, para dar lugar ao museu de arte contemporânea, o Centre Georges Pompidou. O prédio, revolucionário, propiciou a revitalização de todo o entorno, feito de construções do século XVIII, e hoje o Marais é uma das áreas mais valorizadas da cidade.

AO MESMO TEMPO, começou-se a observar algo estranho nas cidades ditas modernas, ou modernistas. O problema do trânsito, com avenidas imensas, tinha sido parcialmente (e apenas parcialmente) resolvido. E os conjuntos habitacionais abrigavam a grande massa de trabalhadores. Mas alguns problemas persistiam. Notava-se que esse novo modelo de cidade, como Los Angeles, por exemplo, não dispunha de um centro em que as pessoas se encontrassem, que desse uma identidade local a seus cidadãos. Eles não se sentiam parte de um mesmo grupo, muito pelo contrário: a segregação entre classes e raças foi facilitada pela nova arquitetura.

Grandes revoltas começaram a ocorrer, as famosas 'riots' na América do Norte, em New Haven, Detroit, LA... Ao mesmo tempo, cidades que recusaram o projeto modernista tiveram problemas muito menos intensos. Muitos conjuntos habitacionais se esvaziaram, viraram ponto de venda de drogas, a incidência de crimes violentos e até estupros aumentava em muitos deles.

No dia 16 de março de 1972, o Pruitt-Igoe, um conjunto projetado especialmente para que pessoas de diferentes raças cohabitassem em harmonia, mas que acabou como um lugar onde assaltos e estupros eram comuns, foi parcialmente demolido. Muitos dizem que esta foi a hora exata da morte do projeto urbanista moderno.

Hoje, novas incursões no campo do urbanismo continuam sendo feitas, com algumas modificações: a rua como ponto de encontro foi valorizada, não como fluxo de automóveis.

O ARGUMENTO DOS que defendem a exclusão de Mônaco do calendário é muito semelhante ao dos modernistas: em Mônaco não se ultrapassa, não se pode mais correr em Mônaco. Ora, e quantas ultrapassagens aconteceram em Barcelona, nos últimos dez anos? E quem disse que ultrapassagem é o único valor que um circuito tem que favorecer?

Essa mentalidade reducionista foi abolida no urbanismo há décadas. No automobilismo, permanece. O professor de arquitetura Vincent Scully Jr tem uma frase que acho muito apropriada: ele diz que são necessárias novas cidades, assim como é necessário manter Paris como está. Há lugar para as duas no mundo (pós?) moderno.

Da mesma forma, há espaço para os novos autódromos na Fórmula 1. Assim como há espaço para Mônaco. Um não deve excluir o outro, já que, a bem da verdade, os novos quase nunca formulam respostas convincentes aos desafios contemporâneos.

Pode-se argumentar que Monte Carlo tem as ruas estreitas demais.
Pois eu respondo: não tão estreitas quanto o pensamento de Hermann Tilke.

Wednesday, May 12, 2010

Monte Carlo, 1973

Em uma reportagem de 2003, comemorativa dos 30 anos do último título de Jackie Stewart, a revista britânica F1 Racing pediu ao piloto que comentasse algumas imagens selecionadas daquela temporada - a matéria foi reproduzida aqui no Brasil, na Racing número 132, com tradução de Carlão Coachman, da qual retiro aqui as citações.

Uma das imagens escolhidas é esta acima. Seguem as palavras de Stewart: "Não acredito que esta é minha esposa tomando sol na janela! Este é o Hotel de Paris, em Monte Carlo, com certeza, mas aquele parece ser o macacão do François (Cevert)!"

Deve ter sido uma brincadeira do pessoal da revista. Afinal, este é de fato o macacão do François Cevert. O par de pernas nuas acima, porém, não pertence a Helen Stewart, mas à namorada de Cevert na época, condessa Christina de Caraman.

Crédito da foto: Rainer Schlegelmilch

Tuesday, May 11, 2010

Monte Carlo, 1970

Apenas mais um rostinho bonito no paddock? Nada disso! A garota-propaganda da Yardley se chama sra. Lynn Oliver. Enquanto Jackie Oliver disputa o GP de Mônaco de 1970, pela BRM, ela trabalha na divulgação da patrocinadora principal da equipe de seu marido.

Crédito da foto: Rainer Schlegelmilch

Sunday, May 9, 2010

GP da Espanha 2010 - O que fazer?

No início da transmissão da Rede Globo, na tv brasileira, o narrador Galvão Bueno, revelando certa resignação com a má colocação de largada de Felipe Massa, revelou sua conversa com o piloto no dia anterior. Galvão perguntou a ele: "o que fazer?", ao que Massa respondeu alguma obviedade qualquer, como "ir pra cima". Durante a volta de apresentação, o narrador martelava a pergunta incessantemente: o que fazer, o que fazer, o que fazer.

Talvez Galvão não saiba, mas a pergunta tem uma relevância imensa para a história do século XX. Com um livro intitulado "O que fazer", Lênin explicou como pretendia executar o que se tornou a primeira revolução marxista bem sucedida no mundo.

Há um fato curioso, bastante conhecido pela esquerda: que Lênin não sabia (foi descoberto muito tempo depois), mas décadas antes, um estudante russo escreveu uma carta a Karl Marx perguntando como seria possível fazer uma revolução socialista na Rússia. Ora, a teoria de Marx frisava que uma revolução só poderia acontecer em países desenvolvidos, industrializados, que já se encontrassem num estágio capitalista avançado - enquanto a Rússia era um país pobre e agrário e, portanto, despreparado para o comunismo.

Marx, portanto, respondeu: "eu não sei o que fazer".

A aula de história termina aqui; todos sabem, mais ou menos como acabou (se é que começou de fato algum dia) a experiência socialista soviética. A pergunta do título se tranfere da política para o automobilismo, e os parágrafos acima servem para ilustrar o quanto a a existência humana é condicionada por fatores externos, e como perpetuamos a ilusão de que nossas ações são determinantes quando, muitas vezes, não há nada que possa ser feito.

No nosso caso, o que fazer com o GP da Espanha? O que fazer em uma pista que não permite ultrapassagens? E mais importante: o que há para se fazer numa na primeira corrida "normal" após a proibição do reabastecimento?

A corrida mostrou algumas respostas. A primeira, talvez, seja fazer um pit stop o mais eficiente possível. Foi o que a Mercedes deu a Schumacher, de forma que ele pudesse sair à frente de Jenson Button para não mais perder a posição.

Outro fator importante foi controlar o desgaste do carro durante o percurso. Se a maior parte da prova espanhola foi, como sempre, previsível, os problemas de Vettel e de Hamilton trouxeram um movimento inesperado às últimas voltas - algo que dificilmente se via na época do reabastecimento, quando absolutamente nada se alterava após a última rodada de pit stop.

Mas todas essas mudanças ainda são precárias, diante da resposta cabal dada pela Red Bull e por Webber: contra um carro confiável, largando na frente, em Barcelona, não há absolutamente nada o que fazer. Ou ninguém ainda teve tempo de formular a resposta.

Saturday, May 8, 2010

O dia dos segundos pilotos

Em relação às equipes, o grid da Austrália tem muito pouco de inesperado. Red Bulls na primeira fila, como de costume, McLarens logo atrás seguidas pelas Ferrari e Mercedes, respectivamente. De improvável, apenas o bonito Q3 conquistado por Kobayashi.

Dentro das equipes, algumas inversões chamam a atenção. Três, para ser mais exato.

Em primeiro lugar, Webber larga à frente de Vettel no time austríaco. Não é inédito, visto que o mesmo ocorreu em Sepang, mês passado, mas ainda assim chama a atenção, por Vettel ter feito o melhor tempo no Q1 e no Q2. O alemão tem se mostrado muito superior a seu companheiro não importa onde, por isso talvez Webber veja na inultrapassável Barcelona a sua hora e a sua vez: algo que ele não foi capaz de fazer na Malásia, quando cedeu a liderança para o companheiro antes mesmo da primeira curva.

A segunda inversão, talvez a mais relevante de todas, é a da dupla da Mercedes. Um carro reformulado finalmente colocou Michael Schumacher à frente de Nico Rosberg, ao contrário do que vinha acontecendo ao longo da temporada pré-europeia. Menos de dois décimos, é verdade, mas ainda assim suficiente para o heptacampeão largar em sexto, duas posiçoes à frente do filho de Keke. Tendência para o resto da temporada? O velho Schumi de volta aos seus bons tempos? Descobriremos nos próximos capítulos.

Enfim, após bater com relativa tranquilidade seu companheiro de equipe, uma bizarra volta infeliz no Q1 deixa Rubens Barrichello para trás, bem para trás de Nico Hülkenberg. Problemas no rádio? Tráfego?

Já no resto do pelotão, a ordem está matida. Cabe notar a grande diferença de Alonso sobre Massa, inexplicável para a tv brasileira.

Ok, por mais estranho que tenha sido seu treino, a superioridade de Barrichello sobre Hülkenberg, pr enquanto, não está em questão. E Webber sempre foi melhor nos sábados que nos domingos. Mas se ainda reside um pouco de drama humano no GP da Espanha, é o de ver estes talvez subestimados companheiros de equipe com a chance perfeita de provar seu valor amanhã.

Thursday, May 6, 2010

Vídeo - Nigel Mansell, classificação para o GP da Espanha, 1995



Um registro interessante encontrado no Youtube: a última volta de classificação de Nigel Mansell na Fórmula 1. Foi justamente em Barcelona, cerca de 15 anos atrás, com a desconjuntada MP4/10 que marcou a infeliz passagem do Leão pela equipe de Woking.

Não há nada de muito genial da condução; Mansell perde regularmente oito décimos por parcial para o tempo de Michael Schumacher, que acabaria marcando a pole position. Além disso, o número 9 que aparece ao lado do tempo final da volta, 1m23s927 era apenas momentâneo, já que ele cairia para a décima posição do grid.

Mas não sejamos tão cruéis com o inglês. Seu companheiro, Mika Hakkinen, largou em nono, tendo sido menos de um décimo mais rápido no treino. Assim chegava ao fim uma belíssima carreira automobilística: com terna melancolia, hoje podemos apreciar o crepúsculo de um deus.

Wednesday, May 5, 2010

Um olhar sob as novatas - Hispania

Pouco menos de um ano atrás, em meio ao turbulento processo de seleção das novas equipes na Fórmula 1 e à ameaça de cisão da categoria (lembra?), a Campos parecia o time mais sólido de todos: experiência nas categorias de base, um chefe bem relacionado com Bernie Ecclestone, um acordo fechado com a respeitadíssima Dallara para a construção de chassis.

Hoje ela se chama Hispania Racing Team (HRT), depois que o fundador Adrian Campos foi obrigado por motivos pouco claros a ceder o comando. O carro demorou a ficar pronto, não foi para a pista antes da primeira corrida do ano e tem amargado as últimas posições até o momento. Comenta-se que a relação com a Dallara está profundamente deteriorada.

A dupla de pilotos é a mais inexperiente da categoria, composta de dois estreantes. Bruno Senna (foto, no Bahrein) parece estar se acomodando ligeiramente melhor que seu companheiro, Karun Chandhok: qualificou-se em todas as quatro provas na 23a posição - o indiano só o superou no atípico sábado da Malásia.

Exceto Sepang, Chandhok foi o último colocado em todos os grids até então.

Apesar dos nada simples problemas, a Hispania tem visto com certa frequência as bandeiras quadriculadas. Nunca a menos de duas voltas de distância do vencedor, diga-se, mas mesmo assim um feito e tanto, se comparado ao desempenho das duas outras estreantes.

Em que pese o desempenho aquém, há quem diga que ela tem mais a evoluir do que as outras novatas, que se encontram em um estágio mais avançado de desenvolvimento do carro. Assim sendo, só nas próximas corridas poderemos saber, com mais precisão, qual é o tamanho do abismo que a equipe tem de transpor.

Monday, May 3, 2010

Acidente na Austrália acorda velhos fantasmas



As imagens, que correram o mundo sexta passada, atestam a sorte que tiveram o piloto, Kain Magro, e os dois espectadores atingidos. O acidente ocorreu na pista australiana de Ipswich, em Queensland, durante uma prova suporte para a V8 Supercars. Os torcedores chegaram ao hospital em estado grave, um com um corte na cabeça, outro tendo sofrido uma concussão.

Apesar da grade de proteção baixa, pode-se creditar ao azar o fato de o carro da Mini Challenge ter atravessado incólume as duas barreiras que separavam a pista do público. Afinal, os espectadores estavam posicionados a uma distância segura da pista.

O susto, no entanto, explica a exasperação. Coincidentemente, o último acidente com morte na Fórmula 1 aconteceu também na Austrália, quando os detritos de uma batida entre Ralf Schumacher e Jacques Villeneuve, durante o GP de 2001, feriram um comissário de pista.

Mortes de espectadores podem não ser tão faladas quanto as glamourosas fatalidades com pilotos, mas costumam gerar discussões acirradas entre entusiastas e críticos do esporte a motor. Pilotos são figuras públicas, mas sentar em um cockpit quase equivale a assinar um termo de responsabilidade, uma admissão de que se está colocando a própria vida em risco, voluntariamente.

Já a morte de anônimos em situações de corrida não rendem obituários muito extensos nos jornais. No entanto, o pacto que o espectador estabelece com o espetáculo de uma corrida não pressupõe que sua vida seja posta em risco. E a quebra do pacto costuma determinar a deslegitimação do evento.

Daí, talvez, vem a obstinação com que o automobilismo (e seus organizadores) tenta abafar ou minimizar tais ocorrências. As infelizes e agressivas declarações do CEO de Ipswich são uma prova disso.

O acidente na Austrália também vem em um momento propício. Em primeiro lugar, no mesmo fim de semana em que se lembrou os 16 anos de uma das maiores tragédias do automobilismo recente. Em segundo lugar, mais importante ainda: no próximo dia 11 de junho, a maior tragédia da história das corridas completa 55 anos.

Nas 24 Horas de Le Mans de 1955, o carro desgovernado de Pierre Levegh alçou voo em plena reta dos boxes, ceifando algo entre 80 e 120 vidas, incluindo a do próprio.

Pode até parecer sarcasmo, mas a V8 Supercar não correria em Ipswich neste final de semana, mas no autódromo de Barbagallo, em Perth. A troca ocorreu porque os organizadores taxaram as condições de conservação deste último como de "terceiro mundo".

Muitos avanços foram obtidos na segurança dos autódromos. Mas, até hoje, nunca foi erguido um monumento ou um memorial sequer em nome das vidas perdidas em Le Mans naquele 11 de junho.

GP de Penya Rhin, Pedralbes, 1950

Já que semana passada comentei a respeito dos primeiros passos do automobilismo espanhol, achei oportuno compartilhar estas duas imagens de seu passado mais ou menos remoto.

O X GP de Penya Rhin foi a última prova de Fórmula 1 do calendário de 1950. Ocorrida em 19 de outubro, ela obviamente não fez parte do campeonato mundial. As Alfa Romeo optaram por não participar, de forma que as 50 voltas foram um passeio para as Ferrari. Três dos quatro carros 'works' de Maranello ocuparam as três posições do pódio: respectivamente Ascari e Serafini, no modelo 375, e Taruffi, em uma 125, duas voltas atrás de ambos.

É interessante perceber, na primeira foto, os meandros políticos do evento. Note que a placa anuncia o GP de "Peña Rhin". Mesmo sendo um evento catalão, ocorrido na cidade de Barcelona, é utilizada a grafia em espanhol/castelhano. O regime franquista era notório perseguidor de movimentos separatistas ou que sustentassem outra identidade nacional. Um sociólogo sabe que a melhor arma contra tais movimentos é suprimir a outra língua. (Anti-franquista e defensor da autodeterminação dos povos, este blog grafa o nome em catalão: Penya Rhin).

No ano seguinte, mais ou menos na mesma época e exatamente no mesmo lugar, era realizado o primeiro GP da Espanha a contar pontos para o mundial de Fórmula 1 - devidamente batizado de GP da Espanha.

Sunday, May 2, 2010

Um olhar sobre as novatas - Virgin

Após ter largado da última posição, Lucas di Grassi finalmente cruzou a linha de chegada do GP da Malásia em décimo quarto, a três voltas do vencedor. Um resultado como esse pode não ser o mais animador, mas foi o melhor que a Virgin obteve nas quatro corridas disputadas até o momento - aliás, foi a única vez que um de seus carros chegou ao final.

Ao apresentar seu carro, no início do ano, a equipe de Richard Branson, comandada por Nick Wirth, chamou a atenção por não ter desenvolvido o chassi em túneis de vento, mas com base unicamente em programas de simulação computadorizada.

Estranho que o chassi, aerodinamicamente, não parece ser o grande problema - não é raro ver Timo Glock (foto, na China) alinhar no grid à frente das Lotus -, mas sim a mecânica.

Via de regra, é difícil ver os carros preto e laranja durarem mais de vinte voltas em um GP. Na China, Glock nem largou, e a embreagem do brasileiro capitulou após nove voltas incompletas. Na Austrália, ambos os bólidos surpreenderam e completaram, no total, 67 passagens.

O alemão, que jamais largou atrás de di Grassi, ainda parece longe de ver a quadriculada, embora a causa de seu abandono em Sepang tenha sido uma batida.

As posições de largada de seu companheiro revelam que, em um sábado típico, a Virgin não precisa se preocupar com os adversários da Hispania: o brasileiro alinhou nada menos que três vezes na 22a posição de largada.