Anos de Copa do Mundo (e, por que não, de Jogos Olímpicos também) costumam ser desgastantes para os devotos do esporte a motor: cobertura mais restrita, mudanças de horário e diminuição de interesse do público amplo são alguns dos transtornos. Este ano será um deles.
Até que a Copa comece, no meio do ano, ela dominará a pauta do noticiário esportivo e tenderá a asfixiar um pouco além do normal outras discussões. Quando ela começar, entretanto, o panorama será bem pior.
Lutar contra tal tendência é estúpido. Por isso mesmo que decidi me juntar a ela desde o primeiro minuto deste ano. E meu maior aliado será justamente o país da Copa.
A África do Sul, afinal, tem uma história riquíssima nas pistas. E aproveitando a tradicional falta de informação nova que abala a Fórmula 1 e o automobilismo em geral, o país será o carro-chefe deste espaço ao longo do mês de janeiro.
Antes que me perguntem, nunca fui à África do Sul, não conheço sua cultura e sua sociedade presencialmente. Estou desautorizado, portanto, a emitir alguma opinião confiável a respeito do tema em si. Por outro lado, reuni ao longo dos anos muitos dados sobre a competição automotiva por lá, e o momento me parece propício para compartilhá-los aqui.
Há mais de 15 anos este país não figura mais na elite do automobilismo, mas ao longo do século passado ele exerceu certo protagonismo. Algumas Grandes Épreuves foram realizadas lá nos anos 1930, atraindo carros e competidores europeus. Ao final dos anos 50, quando a Fórmula 1 começava a se estruturar melhor, um GP sul-africano no campeonato começou a se delinear, realizando-se de fato em 1962.
Durante os anos 1960 e até 1970 o país se colocava como uma espécie de "residência de verão" para os grandes pilotos e equipes da Fórmula 1 que fugiam do frio do Velho Mundo. Tal dinâmica perdurou até meados dos anos 1980, quando o GP sul-africano foi extinto. Chegou a retornar no início dos anos 1990, apenas por um biênio, até cair no ostracismo. Durante o auge, a África do Sul produziu uma safra de pilotos talentosos, com destaque para Jody Scheckter, que seria campeão mundial; e até mesmo um campeonato de Fórmula 1 próprio era promovido por lá.
Como não poderia deixar de ser, o esporte a motor sempre esteve sujeito a pressões políticas e econômicas, das quais a nação jamais deixou de sofrer. A insustentabilidade do regime apartheid emergia desde a metade do século XX. Mantendo-se relativamente distante no início, a Fórmula 1 também não pôde ignorá-lo e dele mesmo acabou por padecer: a execução de um dissidente negro em 1985, a poucos quilômetros do autódromo de Kyalami, na semana da realização do GP, transformou a corrida num ridículo detalhe. Em 1992 e 1993 o regime segregacionista já tinha arrefecido - Nelson Mandela até circulou pelo paddock no derradeiro evento -, e cairia em definitivo um ano depois. Mas a reconstrução do tecido social do país, problemático até os dias de hoje, minou os recursos necessários para um parque automobilístico e para outras futilidades.
Durante o mês que se segue, gostaria de entregar ao leitor um aprofundamento na história da Fórmula 1 na África do Sul. Inserida no contexto da história africana, podemos ver algumas semelhanças: tão trágica quanto fascinante; se ela pode nos trazer alguma lição, é a de que o mundinho das corridas jamais pode voltar as costas para o que acontece no mundo lá fora. Aí está a sua beleza.