Tuesday, March 30, 2010
Robert Kubica, o merecedor
O segundo lugar do polonês não lhe saiu barato no GP da Austrália: fez uma largada impecável, tomou nos boxes a posição de Felipe Massa e teve de segurar carros muito mais bem acertados e potentes que o seu por dezenas de voltas, sem descanso. Ok, ele teve alguma sorte ao contar com as dificuldades de Hamilton, Alonso, Webber, Rosberg e do próprio Massa durante a corrida – mas que foi merecido, isso foi.
No pódio de Melbourne, Kubica me pareceu diretamente saído da caixa de brita da curva Abbey, em Silverstone.
Foi no dia 6 de julho de 2008. Chovia por sobre o GP da Grã-Bretanha. Ele havia largado em décimo (teve problemas após o Q2 e não marcou tempo no Q3), mas se recuperava com talento. Parecia firme na terceira posição, atrás apenas de Hamilton e de seu companheiro, Heidfeld, quando foi tragado para fora do asfalto e abandonou.
Um mês antes, após vencer o GP do Canadá, era o líder do campeonato, com 42 pontos. Na prova seguinte, era o vice: 46 pontos, atrás apenas de Massa, com 48. O brasileiro fez uma de suas piores corridas em Silverstone e não marcou pontos. Ao fim dela, ele dividia a liderança com Hamilton e Raikkonen.
Kubica era o quarto colocado, estacionado nos 46. Ou seja, não estava de forma alguma fora da briga pelo título. O problema é que sua equipe, a BMW Sauber, não pensava da mesma forma.
Aqui é preciso abrir parênteses. Desde quando entrou, rompida com a Williams, em 2006, a BMW Sauber, Mario Theissen à frente, estabelecia metas a cumprir ao longo de cada ano. Queria se acomodar na categoria em 2006, pontuar em 2007, vencer uma corrida em 2008 e disputar o título em 2009.
Até 2007, a equipe superou todas as suas metas. Em 2008, resolveu cumpri-la à risca: vencido o GP do Canadá, passou a trabalhar no carro de 2009, que haveria de se ajustar a um regulamento técnico diferente e traria embutido o que acreditava ser seu grande trunfo: o sistema kers.
Ao alentar a oportunidade de concorrer ao título, Kubica tentou convencer seu time a alterar suas previsões, mas foi voto vencido: após o deslize em Silverstone, perdeu o apoio da BMW.
O tempo provaria que Kubica estava certo: o kers foi um fracasso, o carro não andava e a equipe afundou. Três meses antes do fim da temporada, anunciou o desligamento da categoria.
O polonês, na segunda metade de 2008, ainda conquistou três pódios. No ano seguinte, o segundo lugar no Brasil veio como um feito isolado e inútil.
Agora a situação é diferente. Kubica provou seu valor de possível futuro campeão mundial. Provou, acima de tudo, que a Renault deste ano não é carro para ele. Inclusive, num mundo ideal, alguns pilotos que hoje ocupam os cockpits das “quatro grandes” não estariam por lá agora...
Por isso eu pergunto: você concorda? onde você acha que Kubica merecia estar? No lugar de quem?
Sunday, March 28, 2010
GP da Austrália 2010 – Bem vinda de volta, Fórmula 1
PODEM DIZER QUE FOI GRAÇAS à chuva que a corrida foi emocionante. Digo apenas que com reabastecimento, nem a chuva seria capaz de produzir uma situação tão perfeita: carros em diferentes posições com desempenhos irregulares ao longo da prova, desgaste, prova decidida na tática e não na estratégia. Mais do que isso: pilotos loucos para mostrar do que são capazes.
Houvesse reabastecimento, e os pilotos seriam obrigados a pensar duas vezes antes de abrir fogo, o percurso se encheria de não-me-toques e engenheiros falando ‘ele vai parar daqui a duas voltas, não o ataque’. Finalmente, a Fórmula 1 saiu do enfadonho pit lane e ganhou seu lugar merecido, que é a pista. Bem vinda de volta, Fórmula 1! Já estávamos com saudade.
Há tanto para se falar de cada piloto em particular que não vale a pena colocar tudo num post. Isso vale em especial para Kubica e Alonso, que se provaram mais uma vez – como se o gênio de ambos necessitasse de mais provas.
Massa foi não menos brilhante, por manter na pista um carro desequilibrado desde o primeiro minuto do treino livre, corrigindo derrapagens, alterando o traçado de algumas curvas, segurando adversários.
Hamilton e Webber pagaram caro a prova irregular, mas entraram na pista como pilotos, não como funcionários aborrecidos de escritórios kafkianos, função que um automobilista exercia na maior parte do tempo, na Fórmula 1 dos últimos dez ou doze anos.
Vettel desapareceu na frente do pelotão e não foi mais achado. Mal se notou sua presença enquanto esteve em pista, o que não torna menos inexplicável por que ele foi parar fora dela. Falha nos freios? Erro humano? Infelizmente para o alemão, a caixa de brita, como a Fortuna, é cega.
MUITA GENTE BRILHOU no breu do crepúsculo de Melbourne, mas no fim das contas, subiu ao alto do pódio o sumido Jenson Button. Campeão atual, orgulhoso guardião do badalado número um, mas que não liderava uma corrida desde o último GP da Turquia. Que ocorreu em junho de 2009!
Button venceu porque arriscou. Quando foi ultrapassado pelo prestigiado companheiro, foi aos boxes para colocar slicks. Nas três curvas seguintes foi o mais patético condutor. Uma hora depois estava levantando o troféu.
De quebra, o inglês foi o primeiro vencedor de GP da Austrália a repetir o feito em sete anos – intento no qual Coulthard (2003), Schumacher (2004), Fisichella (2005), Alonso (2006), Raikkonen (2008) e seu companheiro Hamilton (2008) fracassaram. Button reencontra a vitória, e nós reencontramos o esporte. Que este venha para ficar.
Houvesse reabastecimento, e os pilotos seriam obrigados a pensar duas vezes antes de abrir fogo, o percurso se encheria de não-me-toques e engenheiros falando ‘ele vai parar daqui a duas voltas, não o ataque’. Finalmente, a Fórmula 1 saiu do enfadonho pit lane e ganhou seu lugar merecido, que é a pista. Bem vinda de volta, Fórmula 1! Já estávamos com saudade.
Há tanto para se falar de cada piloto em particular que não vale a pena colocar tudo num post. Isso vale em especial para Kubica e Alonso, que se provaram mais uma vez – como se o gênio de ambos necessitasse de mais provas.
Massa foi não menos brilhante, por manter na pista um carro desequilibrado desde o primeiro minuto do treino livre, corrigindo derrapagens, alterando o traçado de algumas curvas, segurando adversários.
Hamilton e Webber pagaram caro a prova irregular, mas entraram na pista como pilotos, não como funcionários aborrecidos de escritórios kafkianos, função que um automobilista exercia na maior parte do tempo, na Fórmula 1 dos últimos dez ou doze anos.
Vettel desapareceu na frente do pelotão e não foi mais achado. Mal se notou sua presença enquanto esteve em pista, o que não torna menos inexplicável por que ele foi parar fora dela. Falha nos freios? Erro humano? Infelizmente para o alemão, a caixa de brita, como a Fortuna, é cega.
MUITA GENTE BRILHOU no breu do crepúsculo de Melbourne, mas no fim das contas, subiu ao alto do pódio o sumido Jenson Button. Campeão atual, orgulhoso guardião do badalado número um, mas que não liderava uma corrida desde o último GP da Turquia. Que ocorreu em junho de 2009!
Button venceu porque arriscou. Quando foi ultrapassado pelo prestigiado companheiro, foi aos boxes para colocar slicks. Nas três curvas seguintes foi o mais patético condutor. Uma hora depois estava levantando o troféu.
De quebra, o inglês foi o primeiro vencedor de GP da Austrália a repetir o feito em sete anos – intento no qual Coulthard (2003), Schumacher (2004), Fisichella (2005), Alonso (2006), Raikkonen (2008) e seu companheiro Hamilton (2008) fracassaram. Button reencontra a vitória, e nós reencontramos o esporte. Que este venha para ficar.
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Saturday, March 27, 2010
Reflexões pessoais sobre os treinos para o GP da Austrália
VOCÊ SABE QUE É JOVEM quando assistir as etapas asiáticas e australiana da Fórmula 1 é mais fácil do que as da temporada européia. No Brasil, as corridas européias exigem que se acorde antes das 9h da manhã, um tormento para quem quer curtir as noites de sexta e sábado.
Já para assistir aos treinos de ontem, bastou, para mim, encerrar a noitada mais cedo. Liguei a TV uns cinco minutos antes da transmissão começar. Quando a bandeira quadriculada desceu sobre Alonso no Bahrein, 23 anos de idade pesavam sobre mim. Agora, assisto o GP da Austrália com 24 anos recém-completos. Mesmo assim, ainda posso me vangloriar de guardar comigo um pouco de juventude.
AO CONTRÁRIO DE MIM, espero que os especialistas de plantão tenham assistido sóbrios aos treinos desta madrugada. O pouco que retive dele foram as escapadas de traseira que os carros teimavam em dar na curva 13, uma ou duas voltas mais interessantes, e as minhas próprias preocupações.
O crítico Fredric Jameson diz que os prédios altos e espelhados são típicos da arquitetura pós-moderna, pois ao se refletirem, retratam também os fluxos informativos e a inter-relação entre as multinacionais típicas do capitalismo tardio. Os arranha-céus que crescem ao fundo de Albert Park são um contundente testemunho de quanto tempo passou desde que a Fórmula 1 aportou por lá da primeira vez – ainda lembro de ter tentado, inutilmente, aos dez anos de idade, permanecer acordado até o final da prova, em 1996. Um acidente múltiplo que catapultou Martin Brundle obrigou a bandeira vermelha na primeira volta, e adormeci antes da segunda largada. Acordei com a TV ligada, passando o compacto da corrida.
POR TRÁS DAS NUVENS CARREGADAS DA MINHA MEMÓRIA, ainda pude ver a volta imperfeita de Vettel que lhe garantiu a pole position. Ao sair do carro, eufórico, apontou raivosamente o dedo indicador para a câmera. Acredito que, na verdade, o alemão queria ter mostrado era o dedo do meio, como se afirmasse sua condição de postulante ao título mundial deste ano.
Vettel derrapou, entrou errado na curva 13, ainda assim marcou a pole. Na segunda tentativa, não conseguiu chegar nem perto da primeira marca nas parciais. Ele é pouco mais novo que eu. Ele está louco pra mostrar a que veio. Teremos uma boa corrida amanhã.
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Wednesday, March 24, 2010
Indie Rocks – Penske-White Racing, Canadá 1971
O fracasso da USF1 e a prova da Indy em São Paulo fizeram do Indie Rocks deste mês uma escolha fácil: o êxito de uma das primeiras incursões de Roger Penske na Fórmula 1.
Com uma McLaren M19A preta, uma equipe com o respeitado nome correu num Grande Prêmio, três anos antes de Penske se lançar na categoria como construtor. O piloto era Mark Donohue, (não tão) jovem promessa da F5000 norte-americana.
Era o GP do Canadá de 1971, disputado em Mosport, sob chuva. Donohue largou em oitavo e chegou à terceira colocação na décima sexta passagem, de onde não mais saiu. A prova, prevista para 80 voltas, foi interrompida na 64ª.
A equipe participou do GP seguinte, em Watkins Glen, com David Hobbs, já que uma corrida da F5000 havia sido marcada para a mesma data, inviabilizando a participação de Donohue.
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Monday, March 22, 2010
Vocês, os vivos
Há um ou dois anos esteve em cartaz, no Brasil, um maravilhoso filme sueco chamado “Vocês, os Vivos” (Du Levande), do diretor Roy Andersson. Infelizmente, a rarefeita distribuição privou boa parte do público de assistir uma obra pouco convencional e de humor corrosivo, frente à avalanche de lugares-comuns que marca a atual fase do cinema comercial norte-americano.
Por alguma razão obscura, nestes dias passou pela minha cabeça que não haveria título melhor para um post sobre o cinqüentenário do nascimento de Ayrton Senna. Cinquentenário de nascimento, precisamente, porque mortos não fazem aniversário.
Voltando ao filme, que não vem ao caso comentar, ele explica logo de cara a inspiração para seu título. Uma citação epigráfica surge na tela, retirada das Elegias Romanas de Goethe: “Bem aventurados vocês, os vivos, em suas confortáveis camas aquecidas, antes que a gelada onda do Lethe venha molhar os seus pés” (tradução livre e sujeita a erros). O Lethe, segundo a mitologia grega, é um dos cinco rios de Hades, que levam ao reino dos mortos. A tradução literal do nome seria ‘esquecimento’.
Senna, famoso por sua velocidade nas pistas enquanto vivo, permanece notório em morte, pela lentidão sem paralelos com que caminha em direção ao esquecimento. Nada mais natural, no entanto, para quem foi submetido à exposição de tantas lentes fotográficas e câmeras de TV.
Quando alguém morria nos tempos de Goethe, tudo o que dela restava eram as lembranças nas memórias de terceiros e as obras, talvez um ou outro retrato feito a mão. Talvez a morte de uma celebridade contemporânea seja mais difícil de elaborar porque sua imagem e seus gestos permanecem, intensamente documentados, a um “google” de distância. E, se Debord estava certo, produzir imagens era a finalidade última das vidas destas pessoas no capitalismo tardio.
E se há duzentos anos os europeus subjugavam as culturas indígenas, por exemplo, porque estes acreditavam poder falar com os mortos ou receber conselhos antepassados, hoje já não podemos mais nos dar a este direito: a concepção cristã de que as almas vão para um lugar onde permanecem incomunicáveis parece tão ou mais absurda. No Youtube, Ayrton Senna, Jim Clark, Michael Jackson e Brittany Murphy estabelecem conosco um intenso diálogo.
E assim Senna chega aos 50 anos, sem os traços da idade, sem cabelos brancos, com o frescor no olhar de quem mal chegou à idade da razão. Dizem seus detratores que ele fez um bom negócio, e não estão de todo errados. Em compensação, suas imagens mais recentes já estão amareladas pelo distante ano de 1994. A moda da época, os assuntos da época, a música da época, tudo o que mudou em 15 anos começa a gritar aos nossos olhos.
Mais gritante, porém, que o mundo em volta de Senna, seja talvez o próprio Senna – um Ayrton que nasceu há quinze anos, destinado a ser o herói da nação ou um filantropo, mas quase nunca piloto: o Ayrton Senna mito.
Senna mito, sorrateiramente, se esgueira por entre as imagens, contamina as fotos, surge na delicada edição dos vídeos, e começa a ocupar o lugar onde antes estava um homem, um piloto, um talento. O mito impregna de tudo com o brilho que nos ofusca a visão e nos impede de ver o verdadeiro gênio.
Por trás do mito, dos confins obscuros da memória, Ayrton Senna fala a nós, os vivos: que a lembrança pode ser a forma mais cruel de esquecimento.
Por alguma razão obscura, nestes dias passou pela minha cabeça que não haveria título melhor para um post sobre o cinqüentenário do nascimento de Ayrton Senna. Cinquentenário de nascimento, precisamente, porque mortos não fazem aniversário.
Voltando ao filme, que não vem ao caso comentar, ele explica logo de cara a inspiração para seu título. Uma citação epigráfica surge na tela, retirada das Elegias Romanas de Goethe: “Bem aventurados vocês, os vivos, em suas confortáveis camas aquecidas, antes que a gelada onda do Lethe venha molhar os seus pés” (tradução livre e sujeita a erros). O Lethe, segundo a mitologia grega, é um dos cinco rios de Hades, que levam ao reino dos mortos. A tradução literal do nome seria ‘esquecimento’.
Senna, famoso por sua velocidade nas pistas enquanto vivo, permanece notório em morte, pela lentidão sem paralelos com que caminha em direção ao esquecimento. Nada mais natural, no entanto, para quem foi submetido à exposição de tantas lentes fotográficas e câmeras de TV.
Quando alguém morria nos tempos de Goethe, tudo o que dela restava eram as lembranças nas memórias de terceiros e as obras, talvez um ou outro retrato feito a mão. Talvez a morte de uma celebridade contemporânea seja mais difícil de elaborar porque sua imagem e seus gestos permanecem, intensamente documentados, a um “google” de distância. E, se Debord estava certo, produzir imagens era a finalidade última das vidas destas pessoas no capitalismo tardio.
E se há duzentos anos os europeus subjugavam as culturas indígenas, por exemplo, porque estes acreditavam poder falar com os mortos ou receber conselhos antepassados, hoje já não podemos mais nos dar a este direito: a concepção cristã de que as almas vão para um lugar onde permanecem incomunicáveis parece tão ou mais absurda. No Youtube, Ayrton Senna, Jim Clark, Michael Jackson e Brittany Murphy estabelecem conosco um intenso diálogo.
E assim Senna chega aos 50 anos, sem os traços da idade, sem cabelos brancos, com o frescor no olhar de quem mal chegou à idade da razão. Dizem seus detratores que ele fez um bom negócio, e não estão de todo errados. Em compensação, suas imagens mais recentes já estão amareladas pelo distante ano de 1994. A moda da época, os assuntos da época, a música da época, tudo o que mudou em 15 anos começa a gritar aos nossos olhos.
Mais gritante, porém, que o mundo em volta de Senna, seja talvez o próprio Senna – um Ayrton que nasceu há quinze anos, destinado a ser o herói da nação ou um filantropo, mas quase nunca piloto: o Ayrton Senna mito.
Senna mito, sorrateiramente, se esgueira por entre as imagens, contamina as fotos, surge na delicada edição dos vídeos, e começa a ocupar o lugar onde antes estava um homem, um piloto, um talento. O mito impregna de tudo com o brilho que nos ofusca a visão e nos impede de ver o verdadeiro gênio.
Por trás do mito, dos confins obscuros da memória, Ayrton Senna fala a nós, os vivos: que a lembrança pode ser a forma mais cruel de esquecimento.
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Friday, March 19, 2010
Fortuna
As representações atuais da Justiça tradicionalmente mostram uma figura feminina com os olhos vendados, já que, privada da faculdade da visão, ela seria capaz de julgar a todos como iguais. Nossa concepção visual de justiça é herdeira direta da deusa romana Iustitia. Ironicamente, porém, uma outra deusa grega, nas representações antigas, justamente por estar de olhos vendados distribui desigualmente os bens entre os homens.
Seu nome é Fortuna – o nome latino para a deusa grega Tyche. Nos séculos XV e XVI ela foi resgatada por Maquiavel para compor sua famosa teoria da virtù e da fortuna: ela seria uma das forças coordenadora do mundo, a força do imponderável, do indomável. Já a virtù seria o talento e a capacidade do indivíduo.
Transferindo Maquiavel para uma pista de corrida, teríamos a virtù como as capacidades do piloto e do carro, e a fortuna a força que embaralha as peças em jogo.
Se quisermos um exemplo mais concreto, poderíamos colocar que a virtù de Sebastian Vettel e de sua Red Bull provavelmente lhe dariam a vitória no GP do Bahrein; quis a fortuna, no entanto, que um problema no motor o arrastasse para fora do pódio.
Aliás, o GP do Bahrein pode ter sido chato para muitos, mas foi curioso ver tão bem a volta dessa componente na Fórmula 1, chamada fortuna: quebras, superaquecimentos e demais problemas determinaram boa parte do resultado final. A Fórmula 1 tem evitado ao máximo com esse tipo de evento.
Podemos ver isso na maneira como o regulamento trata os motores. Desenvolvimento congelado, obrigação de durar até três corridas, isso torna a categoria excessivamente previsível, controlada, do jeito que os anunciantes e investidores gostam – mas que não parece agradar a nós, do outro lado da tela.
Os problemas de Vettel e Massa no último domingo se fizeram sentir, mas não foram nada se comparados aos problemas enfrentados pela Virgin e pela Hispania, o que leva a crer que, se a Fórmula 1 deixou a Fortuna entrar, também fez o favor de lhe tirar a venda. A pontaria da divindade apresenta agora uma pontaria quase perfeita!
Já há alguns anos, na verdade, não vemos um campeão com diversas quebras ao longo do ano, ou com um carro pouco confiável. O programa da categoria trata de fazer com que os líderes não abandonem. Numa semana em que muito se discutiu acerca dos rumos dos GPs, é importante atentar para o fato de que alguns sinais de Sakhir parecem bastante esperançosos.
Não que tudo esteja bem, no entanto: enquanto se discute formas de estimular ultrapassagens e trocas de posição, seria interessante pensar simultaneamente em como fazer a Fortuna avançar para as primeiras posições do grid e se manter por lá. Talvez seja esta a grande questão.
Seu nome é Fortuna – o nome latino para a deusa grega Tyche. Nos séculos XV e XVI ela foi resgatada por Maquiavel para compor sua famosa teoria da virtù e da fortuna: ela seria uma das forças coordenadora do mundo, a força do imponderável, do indomável. Já a virtù seria o talento e a capacidade do indivíduo.
Transferindo Maquiavel para uma pista de corrida, teríamos a virtù como as capacidades do piloto e do carro, e a fortuna a força que embaralha as peças em jogo.
Se quisermos um exemplo mais concreto, poderíamos colocar que a virtù de Sebastian Vettel e de sua Red Bull provavelmente lhe dariam a vitória no GP do Bahrein; quis a fortuna, no entanto, que um problema no motor o arrastasse para fora do pódio.
Aliás, o GP do Bahrein pode ter sido chato para muitos, mas foi curioso ver tão bem a volta dessa componente na Fórmula 1, chamada fortuna: quebras, superaquecimentos e demais problemas determinaram boa parte do resultado final. A Fórmula 1 tem evitado ao máximo com esse tipo de evento.
Podemos ver isso na maneira como o regulamento trata os motores. Desenvolvimento congelado, obrigação de durar até três corridas, isso torna a categoria excessivamente previsível, controlada, do jeito que os anunciantes e investidores gostam – mas que não parece agradar a nós, do outro lado da tela.
Os problemas de Vettel e Massa no último domingo se fizeram sentir, mas não foram nada se comparados aos problemas enfrentados pela Virgin e pela Hispania, o que leva a crer que, se a Fórmula 1 deixou a Fortuna entrar, também fez o favor de lhe tirar a venda. A pontaria da divindade apresenta agora uma pontaria quase perfeita!
Já há alguns anos, na verdade, não vemos um campeão com diversas quebras ao longo do ano, ou com um carro pouco confiável. O programa da categoria trata de fazer com que os líderes não abandonem. Numa semana em que muito se discutiu acerca dos rumos dos GPs, é importante atentar para o fato de que alguns sinais de Sakhir parecem bastante esperançosos.
Não que tudo esteja bem, no entanto: enquanto se discute formas de estimular ultrapassagens e trocas de posição, seria interessante pensar simultaneamente em como fazer a Fortuna avançar para as primeiras posições do grid e se manter por lá. Talvez seja esta a grande questão.
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Wednesday, March 17, 2010
Saído das sombras
A maneira sistemática como Nico Rosberg superou Schumacher ao longo dos treinos e da corrida em Sakhir pode não ter surpreendido uns poucos especialistas mais frios e atentos à Mercedes durante a pré-temporada. Mas para uma parte considerável do globo terrestre, a relação de forças entre os dois pilotos passou longe do que era previsto nas últimas semanas.
O retorno de Michael Schumacher era um dos eventos mais esperados do ano. A emissora alemã RTL registrou uma média de 10,5 milhões de espectadores durante o GP do Bahrein deste ano, frente a meros 5,39 milhões da mesma corrida do ano anterior – é preciso ponderar que esta não foi a primeira prova da temporada de 2009, o que torna a comparação de certo modo assimétrica.
Com um companheiro de equipe heptacampeão de volta às pistas após três anos, obviamente Rosberg foi relegado ao segundo plano durante a pré-temporada, e só na última sexta-feira, quando ele foi o mais rápido dos treinos, é que provou à imprensa mundial que ele merecia mais atenção do que havia recebido.
Estar á sombra de alguém, no entanto, não é, ou não deveria ser uma situação incomum para Nico. Afinal, seu pai é ninguém menos que Keke Rosberg, detentor de um título da Fórmula 1, vencedor de cinco GPs e, acima de tudo, um piloto cujos números não refletem a grandeza.
Nico estreou na Fórmula 1 justamente no Bahrein, em 2006, de maneira promissora: conquistando dois pontos e a melhor volta da corrida. Quatro temporadas completas depois, tudo o que tem a mostrar são duas voltas mais rápidas e dois pódios.
De um lado, toda a agressividade que supostamente “herdou” do pai costuma vir à tona menos como virtuosismo e mais como descontrole. Do outro lado, seu retrospecto não é sequer comparável ao de seu companheiro de equipe.
Ainda é cedo para saber o quanto Schumacher vai demorar para limpar a ferrugem, mas, enquanto isso, Nico Rosberg tem a chance de sair de uma vez por todas das sombras que pairam sobre si.
Foto: Nico, em Valência, fevereiro/2010
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Monday, March 15, 2010
São Paulo Indy 300 - Pauliceia desvairada
Do asfalto irregular aos alagamentos, por mais que a organização tentasse manter São Paulo do lado de fora do circuito, a cidade e seus problemas se infiltraram como água (até literalmente) por entre suas barreiras de concreto, e se tornaram os reais protagonistas da prova no Circuito do Anhembi.
O descaso do poder público e o desinteresse da sociedade civil por seus espaços de convivência fizeram da maior cidade da América Latina o caos que ela é hoje, seus abismos sociais e sua precariedade. Tudo isso pôde ser visto com nitidez na São Paulo Indy 300, ela mesma produto da “força da grana que ergue e destroi coisas belas”.
As emergências estruturais da metrópole não costumam explodir assim nas corridas internacionais que a cidade abriga, já que o Autódromo José Carlos Pace é muito mais bem equipado e costuma se tornar uma ilhota de primeiro mundo em dias de GP Brasil.
E como a FOM jamais cederia Interlagos para a Indy, São Paulo teve ontem a primeira oportunidade de ver uma corrida de carro em suas ruas desde 1936.
Obviamente, muito do espírito se alterou em sete décadas. Se antes o local escolhido havia sido o nobre Jardim América, residência da elite, um dos bairros planejados da City, para este ano foi eleito o triângulo entre um sambódromo modernista, uma área de eventos de arquitetura industrial e uma das avenidas mais feias do país. Encravado à beira de um rio poluído, a transmissão da prova compensou a falta de apuro estético com o abuso de planos fechados e câmeras aéreas em longínquos helicópteros. Desnecessário dizer que o equipamento televisivo é incapaz de transmitir cheiros.
Se em 1936 o GP da Cidade de São Paulo atuava como uma vitrine para seduzir a afortunada elite paulistana a adquirir um automóvel, hoje a Indy rasga uma Marginal Tietê entupida de carros nos dias de semana.
Algo, no entanto, se manteve: o amadorismo. O mesmo que matou espectadores em 1936 deu as caras ontem para determinar uma largada numa reta estreita demais para tal procedimento, para ignorar o risco de chuva forte, para fazer os pilotos se arriscarem em um piso mal preparado.
Ontem, a Indy nos mostrou que talvez, em São Paulo, a falta de planejamento não seja um dado conjuntural, mas uma marca bem mais arraigada do modus operandi dessa metrópole louca.
O descaso do poder público e o desinteresse da sociedade civil por seus espaços de convivência fizeram da maior cidade da América Latina o caos que ela é hoje, seus abismos sociais e sua precariedade. Tudo isso pôde ser visto com nitidez na São Paulo Indy 300, ela mesma produto da “força da grana que ergue e destroi coisas belas”.
As emergências estruturais da metrópole não costumam explodir assim nas corridas internacionais que a cidade abriga, já que o Autódromo José Carlos Pace é muito mais bem equipado e costuma se tornar uma ilhota de primeiro mundo em dias de GP Brasil.
E como a FOM jamais cederia Interlagos para a Indy, São Paulo teve ontem a primeira oportunidade de ver uma corrida de carro em suas ruas desde 1936.
Obviamente, muito do espírito se alterou em sete décadas. Se antes o local escolhido havia sido o nobre Jardim América, residência da elite, um dos bairros planejados da City, para este ano foi eleito o triângulo entre um sambódromo modernista, uma área de eventos de arquitetura industrial e uma das avenidas mais feias do país. Encravado à beira de um rio poluído, a transmissão da prova compensou a falta de apuro estético com o abuso de planos fechados e câmeras aéreas em longínquos helicópteros. Desnecessário dizer que o equipamento televisivo é incapaz de transmitir cheiros.
Se em 1936 o GP da Cidade de São Paulo atuava como uma vitrine para seduzir a afortunada elite paulistana a adquirir um automóvel, hoje a Indy rasga uma Marginal Tietê entupida de carros nos dias de semana.
Algo, no entanto, se manteve: o amadorismo. O mesmo que matou espectadores em 1936 deu as caras ontem para determinar uma largada numa reta estreita demais para tal procedimento, para ignorar o risco de chuva forte, para fazer os pilotos se arriscarem em um piso mal preparado.
Ontem, a Indy nos mostrou que talvez, em São Paulo, a falta de planejamento não seja um dado conjuntural, mas uma marca bem mais arraigada do modus operandi dessa metrópole louca.
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Sunday, March 14, 2010
GP do Bahrein 2010 – Um pódio com cara de flashback na nova Fórmula 1
Ferrari e McLaren sofrendo para chegar nos pontos? Claro que não! Isso é tããão 2009...
Quem acordou tarde hoje e só ligou a TV a tempo de ver o pódio pode pensar que se encontrava subitamente em 2007, quando Maranello e Woking quase monopolizaram os troféus. Mas então é essa a nova Fórmula 1? Que flashback...
Esse raciocínio faz bastante sentido para os idiotas da objetividade. Quem viu a corrida com os olhos mais abertos pode ter notado que, de fato, a Fórmula 1 mudou.
Em primeiro lugar, viu que os pit stops têm agora uma outra função. Antes uma parada bem planejada ajudava muito a corrida de um piloto. Agora ele não ajuda mais, e, muito pelo contrário, atrapalha muito se algo sair errado.
Os mais inocentes talvez esperassem um ‘show de ultrapassagens’ – nome que parece mais de um programa do Silvio Santos do que um slogan para uma corrida. Claro que isso não aconteceu. Por outro lado, as corridas voltaram a ser disputadas na mesma pista, ao mesmo tempo, sem aquela de “fulano está na frente de cicrano, mas está em uma estratégia diferente”. Resgatar as provas da virtualidade era mais do que necessário.
Dito isso, à corrida, pois. Alonso venceu por ter passado Massa na largada e por ter tido a sorte de Vettel apresentar problemas. Ao contrário do que esperava, os pilotos foram conservadores – até demais – nas primeiras voltas. Os “momentos decisivos” das próximas provas talvez se desloquem para o último terço do percurso.
A Ferrari comprovou seu pequeno e precário favoritismo frente a McLaren, Red Bull, e até mesmo Mercedes. A expectativa continua alta para quando a Fórmula 1 chegar nos circuitos de verdade.
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Saturday, March 13, 2010
Vettel ignora "nova" Fórmula 1 e começa a corrida onde terminou a última
Muita coisa mudou desde que Sebastian Vettel cruzou em primeiro a linha de chegada do GP de Abu Dhabi, em novembro passado. Velhas equipes saíram, novas entraram, novas saíram de novo e outras, mais novas ainda, entraram. Velhos e novos pilotos também vieram se juntar ao circo.
Novos carros, novo regulamento em vigor, uma pista mais ou menos nova. Mas o primeiro pole position da temporada é aquele mesmo alemão que subiu ao alto do pódio em Yas Marina.
Sua pole, 1m54s101 no Q3, o torna o único piloto a largar à frente das duas Ferrari, que supostamente teria um ritmo de corrida melhor que as adversárias. Vettel foi quase três décimos de segundo mais rápido que Alonso no Q2, e um décimo mais rápido que Massa na última sessão. O brasileiro larga a seu lado.
No mais, os motores Mercedes, que brilharam ontem, se distribuem entre a segunda e a quarta fila do grid amanhã. Adrian Sutil, em décimo, mostra o potencial da Force India, e Robert Kubica, em nono, desperdiça seu imenso talento a bordo da Renault.
Já o Q2 joga alguma luz sobre disputas entre companheiros de equipe. Os ‘putas velhas’ Pedro de La Rosa e Rubens Barrichello parecem ter desbancado seus jovens parceiros com certa margem de vantagem.
Importante notar que o novo traçado do Bahrein provavelmente terá o tempo de volta mais longo do ano inteiro. Isso nos leva à conclusão de que uma diferença de dois ou três décimos no cronômetro de não é tão grande assim; e uma diferença de um décimo é muito, muito pequena.
A sorte está lançada!
Novos carros, novo regulamento em vigor, uma pista mais ou menos nova. Mas o primeiro pole position da temporada é aquele mesmo alemão que subiu ao alto do pódio em Yas Marina.
Sua pole, 1m54s101 no Q3, o torna o único piloto a largar à frente das duas Ferrari, que supostamente teria um ritmo de corrida melhor que as adversárias. Vettel foi quase três décimos de segundo mais rápido que Alonso no Q2, e um décimo mais rápido que Massa na última sessão. O brasileiro larga a seu lado.
No mais, os motores Mercedes, que brilharam ontem, se distribuem entre a segunda e a quarta fila do grid amanhã. Adrian Sutil, em décimo, mostra o potencial da Force India, e Robert Kubica, em nono, desperdiça seu imenso talento a bordo da Renault.
Já o Q2 joga alguma luz sobre disputas entre companheiros de equipe. Os ‘putas velhas’ Pedro de La Rosa e Rubens Barrichello parecem ter desbancado seus jovens parceiros com certa margem de vantagem.
Importante notar que o novo traçado do Bahrein provavelmente terá o tempo de volta mais longo do ano inteiro. Isso nos leva à conclusão de que uma diferença de dois ou três décimos no cronômetro de não é tão grande assim; e uma diferença de um décimo é muito, muito pequena.
A sorte está lançada!
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Friday, March 12, 2010
Cara de pré-temporada
Ao menos para quem vê de fora, o primeiro e aguardado dia de movimentação em pista no Bahrein não pareceu muito diferente daquilo que se viu em Barcelona ou Jerez (ou mesmo em Valência, no caso da Hispania). Um pré-aquecimento, do qual poucos esperam retirar alguma conclusão mais aprofundada.
Os carros jamais haviam sido testados em condições de temperatura semelhantes, e a pista foi esticada para 6,299 km, portanto, não dando margem para comparações em relação aos anos anteriores.
Aliás, o novo anexo do traçado de Sakhir parece pouco mais rápido que um kartódromo. Fica uma sensação de ‘por que carros de Fórmula 1 estão passando por aí?’
É pouco útil especular até que ponto a tabela de tempos vai refletir o resultado final da corrida, ou mesmo o grid. Talvez a forma mais correta de proceder seja fazer o caminho inverso: depois de formado o grid – ou após terminada a corrida -, seria interessante voltar às tabelas de tempo de hoje para ver o que estava refletido e o que estava ocultado.
No mais, como esperado, as novas equipes ocuparam as últimas posições, e este parece o indício mais concreto que o dia nos revelou. A Mercedes colocou seus pilotos à frente, bem como a McLaren, na segunda sessão. Se isso configura uma vantagem real, ou psicológica, saberemos em menos de 24 horas.
Os carros jamais haviam sido testados em condições de temperatura semelhantes, e a pista foi esticada para 6,299 km, portanto, não dando margem para comparações em relação aos anos anteriores.
Aliás, o novo anexo do traçado de Sakhir parece pouco mais rápido que um kartódromo. Fica uma sensação de ‘por que carros de Fórmula 1 estão passando por aí?’
É pouco útil especular até que ponto a tabela de tempos vai refletir o resultado final da corrida, ou mesmo o grid. Talvez a forma mais correta de proceder seja fazer o caminho inverso: depois de formado o grid – ou após terminada a corrida -, seria interessante voltar às tabelas de tempo de hoje para ver o que estava refletido e o que estava ocultado.
No mais, como esperado, as novas equipes ocuparam as últimas posições, e este parece o indício mais concreto que o dia nos revelou. A Mercedes colocou seus pilotos à frente, bem como a McLaren, na segunda sessão. Se isso configura uma vantagem real, ou psicológica, saberemos em menos de 24 horas.
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Thursday, March 11, 2010
Mais equipes, menos motores
O aumento do número de equipes e pilotos na Fórmula 1 é certamente uma boa notícia para a categoria. Mas ela encobre um outro dado: a diminuição drástica de fornecedores de motores.
Este ano serão quatro propulsores diferentes, o número mais baixo em uma primeira etapa de campeonato desde 1980, período do auge do efeito-solo e do último grande ápice dos motores Ford Cosworth. Nos ano seguintes, outras marcas se aventuraram, como a Matra com a Ligier, os primeiros passos da BMW, a Hart, e num piscar de olhos já havia dez fabricantes diferentes fornecendo motores à Fórmula 1.
Nos últimos dez anos, a oferta de modelos diferentes á disposição caiu levemente, mas a situação atual só pode ser explicada pela debandada das grandes corporações: ano passado, Honda; este, Toyota e BMW: três dos seis motores disponíveis em 2008 abandonaram o barco. Os que sobraram (Mercedes, Ferrari e Renault) ganharam a companhia da Cosworth para a atual temporada.
Será que, num futuro próximo, corre-se o risco de vermos uma Fórmula 1 monomotor? Ao menos por enquanto, tal risco parece descartado, pois o grid está mais ou menos homogeneamente dividido entre os fornecedores – e três dos quatro correm com equipe própria!
Eis uma diferença brutal para os quatro motores de 1980, em que Renault, Ferrari e Alfa Romeo fabricavam os próprios propulsores... mas não forneciam para nenhum outro time. Em compensação, todo o resto do grid usava o Cosworth: Ferrari, Tyrrell, Brabham, McLaren, ATS,Lotus, Ensign, Shadow, Fittipaldi, Ligier, Williams, Arrows e Osella, num total de quase 80% do grid.
Em algumas temporadas da década de 70, apenas Ferrari e BRM optavam pelo próprio motor. Até o momento, não há por que acreditar que um quase monopólio dessas dimensões possa se repetir.
(Na foto, os Cosworth desta temporada)
Wednesday, March 10, 2010
Tática e estratégia
Recentemente usei uma metáfora enxadrística em um texto para discutir o efeito de algumas das novas regras da Fórmula 1, que entram em vigor nesta temporada. Em que pese as diversas diferenças entre o xadrez e o automobilismo, acredito que há algumas comparações válidas entre o jogo de tabuleiro e o jogo que os pilotos devem disputar em pista.
Uma delas é a relação entre estratégia e tática, dois conceitos usados pelos enxadristas para determinar a ação do jogo. Apesar da diferenciação teórica, é praticamente impossível apontar onde termina a estratégia e começa a tática, e vice-versa.
Grosso modo, portanto, a estratégia se refere aos objetivos de longo prazo no jogo (por exemplo, definir a posição da Rainha na metade do jogo), enquanto a tática diz respeito aos movimentos mais imediatos (por exemplo, devo capturar o bispo ou o cavalo do adversário nesta jogada?).
Voltando à Fórmula 1, é fácil notar que conceitos próximos também são usados para a compreensão de uma corrida. Por exemplo, nos 16 anos em que houve a obrigatoriedade do reabastecimento, os chefes de equipe e narradores falavam o tempo todo em “estratégia de pit stops”. Note-se que o planejamento de pit stops é uma “estratégia”, não uma “tática”.
E, de fato, entre os anos de 1994 e 2009, a Fórmula 1 viveu anos em que a estratégia muitas vezes sufocou a tática. É importante ressaltar, porém, que, como no xadrez, nas corridas ambos os componentes sempre estiveram presentes. Refletindo um pouco, é possível se lembrar de grandes desempenhos de pilotos que sobressaíram tanto por pelas estratégias quanto por belas táticas – por mais subjetiva que seja a separação.
No entanto, a regra do abastecimento parece ter provocado um desequilíbrio que se acentuou com o tempo, ao ponto de a estratégia ter ‘canibalizado’ a tática: as ultrapassagens realizadas nas estratégias de box, por mais que possam ser emocionantes (dependendo do contexto) e não deponham contra a qualidade dos pilotos que as realizam, simplesmente substituíram a ação em pista, ao invés de conviver com ela.
Disputas por posição deixaram o plano físico para serem jogadas no plano virtual, detectável apenas pelos cronômetros que eventualmente aparecem debaixo da tela. E quantas vezes não ouvimos um engenheiro dizendo para o piloto, via rádio: ‘Não ataque o carro da frente, ele vai parar daqui a três voltas’? Ou seja, uma manobra estratégica (esperar e acelerar com pista livre) é preferível a uma manobra tática (confronto direto).
No próximo domingo, os carros largarão em Sakhir com o tanque de combustível selado, o que deve resolver, senão todos, boa parte dos problemas enxadrísticos que a Fórmula 1 vinha enfrentando.
Num mundo ideal, a Fórmula 1 (e todas as corridas) seriam disputadas como o famoso jogo de xadrez entre Alice Liddell e a Rainha Vermelha, ocorrido em “Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá”, de Lewis Carroll: em uma arena anárquica, sujeita a todas as forças da imaginação humana que a razão tenta, precariamente, domar.
(A ilustração acima consta na primeira edição de “Através do Espelho...”, de 1871, e é creditada a John Tenniel)
Uma delas é a relação entre estratégia e tática, dois conceitos usados pelos enxadristas para determinar a ação do jogo. Apesar da diferenciação teórica, é praticamente impossível apontar onde termina a estratégia e começa a tática, e vice-versa.
Grosso modo, portanto, a estratégia se refere aos objetivos de longo prazo no jogo (por exemplo, definir a posição da Rainha na metade do jogo), enquanto a tática diz respeito aos movimentos mais imediatos (por exemplo, devo capturar o bispo ou o cavalo do adversário nesta jogada?).
Voltando à Fórmula 1, é fácil notar que conceitos próximos também são usados para a compreensão de uma corrida. Por exemplo, nos 16 anos em que houve a obrigatoriedade do reabastecimento, os chefes de equipe e narradores falavam o tempo todo em “estratégia de pit stops”. Note-se que o planejamento de pit stops é uma “estratégia”, não uma “tática”.
E, de fato, entre os anos de 1994 e 2009, a Fórmula 1 viveu anos em que a estratégia muitas vezes sufocou a tática. É importante ressaltar, porém, que, como no xadrez, nas corridas ambos os componentes sempre estiveram presentes. Refletindo um pouco, é possível se lembrar de grandes desempenhos de pilotos que sobressaíram tanto por pelas estratégias quanto por belas táticas – por mais subjetiva que seja a separação.
No entanto, a regra do abastecimento parece ter provocado um desequilíbrio que se acentuou com o tempo, ao ponto de a estratégia ter ‘canibalizado’ a tática: as ultrapassagens realizadas nas estratégias de box, por mais que possam ser emocionantes (dependendo do contexto) e não deponham contra a qualidade dos pilotos que as realizam, simplesmente substituíram a ação em pista, ao invés de conviver com ela.
Disputas por posição deixaram o plano físico para serem jogadas no plano virtual, detectável apenas pelos cronômetros que eventualmente aparecem debaixo da tela. E quantas vezes não ouvimos um engenheiro dizendo para o piloto, via rádio: ‘Não ataque o carro da frente, ele vai parar daqui a três voltas’? Ou seja, uma manobra estratégica (esperar e acelerar com pista livre) é preferível a uma manobra tática (confronto direto).
No próximo domingo, os carros largarão em Sakhir com o tanque de combustível selado, o que deve resolver, senão todos, boa parte dos problemas enxadrísticos que a Fórmula 1 vinha enfrentando.
Num mundo ideal, a Fórmula 1 (e todas as corridas) seriam disputadas como o famoso jogo de xadrez entre Alice Liddell e a Rainha Vermelha, ocorrido em “Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá”, de Lewis Carroll: em uma arena anárquica, sujeita a todas as forças da imaginação humana que a razão tenta, precariamente, domar.
(A ilustração acima consta na primeira edição de “Através do Espelho...”, de 1871, e é creditada a John Tenniel)
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Regulamento
Monday, March 8, 2010
Penske abandona pintura Marlboro
Se a Fórmula 1 se empenha em resgatar cores e pinturas tradicionais em seus carros neste ano, o automobilismo norte-americano acaba de dar um passo na direção oposta. Isso porque a Penske resolveu dar um fim definitivo a um dos signos visuais mais identificados com o automobilismo, a pintura ‘Marlboro’.
Na verdade, o nome do cigarro já não se encontrava presente nos carros desde 2005. Mas o esquema gráfico ainda se fazia presente: uma faixa em ‘V’ ao contrário na altura do cockpit com eco semelhante na traseira do carro sobre um fundo branco.
Ela apareceu pela primeira vez na Fórmula 1, nos carros da BRM, em 1972, passando pela Alfa Romeo e McLaren. Foi com esta última que ficou mais especialmente identificada, permanecendo de 1974 a 1996 nos carros.
Apenas em meados da década de 80 ela surge na Indycar - àquela altura regulada pela Championship Auto Racing Teams (CART) -, no Patrick-March de Emerson Fittipaldi. Em 1989, a Patrick troca a fornecedora de chassi pela Penske, que recebe pela primeira vez a pintura.
Emerson leva o patrocínio diretamente à equipe de Roger no ano seguinte, que por sua vez o estampa no carro do brasileiro e de Danny Sullivan. Rick Mears ainda usava um carro amarelo da Pennzoil, trocada definitivamente pelo vermelho e branco em 1991. Desde então, o padrão gráfico se torna marca inconfundível dos carros de Reading, Pensilvânia.
Mesmo sendo a Penske certamente uma das equipes mais vitoriosas das últimas duas décadas dentre as categorias de monopostos no EUA, a luta contra a propaganda do tabaco triunfou facilmente sobre a tradição. Num mundo como o do automobilismo norte-americano, em que cores de carros e capacetes mudam na velocidade de uma movimentação financeira, registre-se apenas o ineditismo de o “maço de cigarros” ter durado tanto tempo nos carros de Roger.
Meninas e cowboys
Pode soar estranho atualmente, mas a Philip Morris criou a Marlboro no início do século XX, a princípio como uma marca voltada ao público feminino. Só a partir dos anos 60 as meninas deram lugar aos cowboys machões e, posteriormente, aos carros de corrida.
Na verdade, o nome do cigarro já não se encontrava presente nos carros desde 2005. Mas o esquema gráfico ainda se fazia presente: uma faixa em ‘V’ ao contrário na altura do cockpit com eco semelhante na traseira do carro sobre um fundo branco.
Ela apareceu pela primeira vez na Fórmula 1, nos carros da BRM, em 1972, passando pela Alfa Romeo e McLaren. Foi com esta última que ficou mais especialmente identificada, permanecendo de 1974 a 1996 nos carros.
Apenas em meados da década de 80 ela surge na Indycar - àquela altura regulada pela Championship Auto Racing Teams (CART) -, no Patrick-March de Emerson Fittipaldi. Em 1989, a Patrick troca a fornecedora de chassi pela Penske, que recebe pela primeira vez a pintura.
Emerson leva o patrocínio diretamente à equipe de Roger no ano seguinte, que por sua vez o estampa no carro do brasileiro e de Danny Sullivan. Rick Mears ainda usava um carro amarelo da Pennzoil, trocada definitivamente pelo vermelho e branco em 1991. Desde então, o padrão gráfico se torna marca inconfundível dos carros de Reading, Pensilvânia.
Mesmo sendo a Penske certamente uma das equipes mais vitoriosas das últimas duas décadas dentre as categorias de monopostos no EUA, a luta contra a propaganda do tabaco triunfou facilmente sobre a tradição. Num mundo como o do automobilismo norte-americano, em que cores de carros e capacetes mudam na velocidade de uma movimentação financeira, registre-se apenas o ineditismo de o “maço de cigarros” ter durado tanto tempo nos carros de Roger.
Meninas e cowboys
Pode soar estranho atualmente, mas a Philip Morris criou a Marlboro no início do século XX, a princípio como uma marca voltada ao público feminino. Só a partir dos anos 60 as meninas deram lugar aos cowboys machões e, posteriormente, aos carros de corrida.
Sunday, March 7, 2010
Vídeo: Mansell, teste em Brands Hatch, 1994
Brands Hatch, Kent, Inglaterra. Dia 28 de junho de 1994. Apenas dois dias após disputar a etapa da Indy em Portland, Mansell se apresentava à equipe Williams para correr o GP da França de Fórmula 1 no fim de semana seguinte.
Os vídeos colocados aqui são um belo registro do retorno do Leão à categoria máxima.
É possível notar a comoção que tal evento provocou em seus compatriotas: 15 mil espectadores apareceram nas arquibancadas do autódromo em plena terça-feira.
Mansell, por sua vez, parece genuinamente feliz. Após dar conta dos compromissos com a imprensa, vai para a pista e dá seu show - inclusive, rodando na Druids. Desde o fim de 1992, muita coisa havia mudado na Fórmula 1, e havia muito a fazer para se acostumar com o malfadado e genioso FW16, começando pelo treinamento de largada estática.
A julgar pelos tempos mostrados pelas placas, Mansell utilizou somente o traçado curto, e não forçou o equipamento.
Em um pequeno cerimonial, recebe homenagens da proprietária do circuito, estoura o champanhe... E brinca com a multidão: "Agora voltem ao trabalho!", sentencia, jocosamente, com o carisma que sempre ostentou.
Foi só eu ou vocês também se emocionaram?
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Friday, March 5, 2010
De volta à Abertura Senna
‘Abertura’, no vocabulário do xadrez, se refere à sequência inicial de movimentos que um jogador faz, de modo a organizar suas peças no tabuleiro para o chamado meio-jogo. Os enxadristas profissionais escolhem a dedo uma entre as incontáveis possibilidades de abertura (cada uma com suas variantes) com base em uma estratégia de jogo pensada em função de seu estilo e das deficiências do adversário.
As mudanças de regulamento que entrarão em voga na Fórmula 1 a partir deste ano obrigarão uma revisão das estratégias de corrida. E um dos pontos mais afetados será justamente a ‘abertura’: o período da largada às primeiras voltas em uma prova.
Na última década e meia, em que os reabastecimentos eram permitidos, a ‘abertura’ foi subvalorizada – muito importante, pela dificuldade de se ultrapassar, mas ainda assim subvalorizada. Isso porque a estratégia de uma corrida era pensada a partir do combustível, com quantos litros o piloto iria largar, quantas paradas iria realizar e como elas se distribuiriam na prova. Isso era pensado tanto em função dos adversários diretos quanto de fatores exógenos, como a hora prevista para se encontrar retardatários, chuva etc.
Dessa forma, o resultado de uma largada era uma contingência de um conjunto de variáveis. E assim estamos acostumados a ver a Fórmula 1 há 15 anos.
Com a proibição do reabastecimento, a dinâmica da prova mudará substancialmente e, com ela, uma boa execução da Abertura Senna se fará essencial. Segue a explicação.
Explicação
Dá-se o nome de Abertura Senna a uma estratégia de corrida baseada em um início de corrida que estabeleça uma grande vantagem entre o piloto e seus adversários, e que será administrada ao longo do percurso. Os mais variados relatos dão conta de que ela foi criada pelo piloto brasileiro Ayrton Senna; daí o nome.
Senna correu a maior parte da vida com a proibição do reabastecimento em vigor. Isso significa que os carros largavam em condições longe do ideal: pesados demais, fora do acerto adequado, com pneus frios, traçado pouco emborrachado etc. Ayrton sabia que possuía inegável talento para pilotar em condições difíceis, e resolveu lançar mão de seu diferencial justamente no início das provas.
Nas primeiras voltas, enquanto os pilotos se empenhavam em ‘amaciar’ a máquina, o brasileiro era pródigo em abrir segundos de diferença, pois tinha mais facilidade em tirar o maior proveito do equipamento sem, no entanto, desgastá-lo.
Importante notar que esta estratégia coexistia com outras: a de Prost, por exemplo, era a de não abrir grande vantagem em relação ao segundo colocado, ou não ultrapassar o primeiro até dois terços da prova completados, poupando os componentes. Ele se utilizava de seu reconhecido talento para a regularidade, não tão presente em muitos de seus contemporâneos. Com um carro mais ‘sadio’ aos 70% de corrida completados, partia para o ataque.
A estratégia de Prost talvez não seja mais tão eficiente numa Fórmula 1 com a feroz aerodinâmica atual, com suas dificuldades de ultrapassagem.
A Abertura Senna, por outro lado, parece a melhor opção nos dias de hoje. Em um post recente do jornalista britânico James Allen em seu blog, Jenson Button corrobora: “As primeiras voltas serão as mais importantes”, sobre a próxima temporada.
“É como uma corrida de endurance. O rendimento do carro varia muito do carro pesado para o leve em termos de estabilidade. É uma maneira de pilotar diferente da temporada passada”, afirmou o atual campeão mundial.
Ele chama a atenção para o cuidado necessário no início da corrida. “Se você danificar os pneus na terceira volta, você estragou todo stint. Então é preciso ser suave com o carro”.
As mudanças de regulamento que entrarão em voga na Fórmula 1 a partir deste ano obrigarão uma revisão das estratégias de corrida. E um dos pontos mais afetados será justamente a ‘abertura’: o período da largada às primeiras voltas em uma prova.
Na última década e meia, em que os reabastecimentos eram permitidos, a ‘abertura’ foi subvalorizada – muito importante, pela dificuldade de se ultrapassar, mas ainda assim subvalorizada. Isso porque a estratégia de uma corrida era pensada a partir do combustível, com quantos litros o piloto iria largar, quantas paradas iria realizar e como elas se distribuiriam na prova. Isso era pensado tanto em função dos adversários diretos quanto de fatores exógenos, como a hora prevista para se encontrar retardatários, chuva etc.
Dessa forma, o resultado de uma largada era uma contingência de um conjunto de variáveis. E assim estamos acostumados a ver a Fórmula 1 há 15 anos.
Com a proibição do reabastecimento, a dinâmica da prova mudará substancialmente e, com ela, uma boa execução da Abertura Senna se fará essencial. Segue a explicação.
Explicação
Dá-se o nome de Abertura Senna a uma estratégia de corrida baseada em um início de corrida que estabeleça uma grande vantagem entre o piloto e seus adversários, e que será administrada ao longo do percurso. Os mais variados relatos dão conta de que ela foi criada pelo piloto brasileiro Ayrton Senna; daí o nome.
Senna correu a maior parte da vida com a proibição do reabastecimento em vigor. Isso significa que os carros largavam em condições longe do ideal: pesados demais, fora do acerto adequado, com pneus frios, traçado pouco emborrachado etc. Ayrton sabia que possuía inegável talento para pilotar em condições difíceis, e resolveu lançar mão de seu diferencial justamente no início das provas.
Nas primeiras voltas, enquanto os pilotos se empenhavam em ‘amaciar’ a máquina, o brasileiro era pródigo em abrir segundos de diferença, pois tinha mais facilidade em tirar o maior proveito do equipamento sem, no entanto, desgastá-lo.
Importante notar que esta estratégia coexistia com outras: a de Prost, por exemplo, era a de não abrir grande vantagem em relação ao segundo colocado, ou não ultrapassar o primeiro até dois terços da prova completados, poupando os componentes. Ele se utilizava de seu reconhecido talento para a regularidade, não tão presente em muitos de seus contemporâneos. Com um carro mais ‘sadio’ aos 70% de corrida completados, partia para o ataque.
A estratégia de Prost talvez não seja mais tão eficiente numa Fórmula 1 com a feroz aerodinâmica atual, com suas dificuldades de ultrapassagem.
A Abertura Senna, por outro lado, parece a melhor opção nos dias de hoje. Em um post recente do jornalista britânico James Allen em seu blog, Jenson Button corrobora: “As primeiras voltas serão as mais importantes”, sobre a próxima temporada.
“É como uma corrida de endurance. O rendimento do carro varia muito do carro pesado para o leve em termos de estabilidade. É uma maneira de pilotar diferente da temporada passada”, afirmou o atual campeão mundial.
Ele chama a atenção para o cuidado necessário no início da corrida. “Se você danificar os pneus na terceira volta, você estragou todo stint. Então é preciso ser suave com o carro”.
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Wednesday, March 3, 2010
A largada de Schumacher
A primeira largada de uma temporada inevitavelmente cria expectativa, e a do Bahrein, com tantas mudanças de equipes e pilotos no grid, deve causar ainda mais frisson. Mas dentre tantas variáveis a observar, uma em especial merece destaque: a largada de Michael Schumacher.
Sabe-se, claro, que ele retorna à Fórmula 1 após três temporadas de ‘aposentadoria’, com todos os recordes conquistados nas costas e sem nada a provar ou a temer. Seu desempenho é, talvez, o que mais suscita curiosidade na categoria atualmente.
Mas o que a largada tem a ver com isso? Muito, muito a ver. É que a largada parece ser um dos fundamentos mais complicados para o alemão. Não á toa, uma das maiores suspeitas de fraude em relação à Benetton de 1994, que lhe deu o primeiro título, recaiu sobre um suposto sistema de largada embutido, proibido naquela temporada.
Um dos momentos mais suspeitos de sua carreira foi justamente o sinal verde do GP da França daquele ano, em que saltou de terceiro a primeiro como um raio.
De 2001 a 2007, a Fórmula 1 admitiu ou tolerou sistemas de largada que prescindiam do controle do piloto, até que, de 2008 em diante, a padronização das centralinas, fabricadas pela McLaren, devolveu em definitivo a tarefa para a imponderável esfera da aptidão humana.
Ou seja, a última vez que Schumacher largou sem controle de tração foi no GP de San Marino de 2001 (as restrições começaram a valer a partir do GP da Espanha).
Analisando o que o alemão fez até aquela época, notadamente durante a temporada de 2000, percebe-se que ele realmente não se destacava no fundamento. Por causa de largadas infelizes ele viveu seu período mais amargo no ano: saindo-se mal na Áustria e na Alemanha, quando partidas insatisfatórias o fizeram se envolver em acidentes.
Aliás, Hakkinen, Coulthard e eventualmente até Barrichello e Trulli faziam melhores largadas que o alemão. Todos estes momentos podem ser vistos no Youtube, mas destaca-se aqui, a título de ilustração, suas partidas em Imola, Nürburgring, Hungaroring e Suzuka.
Desde então, quase dez anos se passaram. Com certeza ninguém tem mais consciência dos pontos fracos de Schumacher do que o próprio, e é provável que ele tenha trabalhado intensamente nestes durante os últimos meses. Ainda assim, e por isso mesmo, meus olhos estarão fincados no capacete vermelho dentro do carro prateado quando as luzes se apagarem em Sakhir.
Sabe-se, claro, que ele retorna à Fórmula 1 após três temporadas de ‘aposentadoria’, com todos os recordes conquistados nas costas e sem nada a provar ou a temer. Seu desempenho é, talvez, o que mais suscita curiosidade na categoria atualmente.
Mas o que a largada tem a ver com isso? Muito, muito a ver. É que a largada parece ser um dos fundamentos mais complicados para o alemão. Não á toa, uma das maiores suspeitas de fraude em relação à Benetton de 1994, que lhe deu o primeiro título, recaiu sobre um suposto sistema de largada embutido, proibido naquela temporada.
Um dos momentos mais suspeitos de sua carreira foi justamente o sinal verde do GP da França daquele ano, em que saltou de terceiro a primeiro como um raio.
De 2001 a 2007, a Fórmula 1 admitiu ou tolerou sistemas de largada que prescindiam do controle do piloto, até que, de 2008 em diante, a padronização das centralinas, fabricadas pela McLaren, devolveu em definitivo a tarefa para a imponderável esfera da aptidão humana.
Ou seja, a última vez que Schumacher largou sem controle de tração foi no GP de San Marino de 2001 (as restrições começaram a valer a partir do GP da Espanha).
Analisando o que o alemão fez até aquela época, notadamente durante a temporada de 2000, percebe-se que ele realmente não se destacava no fundamento. Por causa de largadas infelizes ele viveu seu período mais amargo no ano: saindo-se mal na Áustria e na Alemanha, quando partidas insatisfatórias o fizeram se envolver em acidentes.
Aliás, Hakkinen, Coulthard e eventualmente até Barrichello e Trulli faziam melhores largadas que o alemão. Todos estes momentos podem ser vistos no Youtube, mas destaca-se aqui, a título de ilustração, suas partidas em Imola, Nürburgring, Hungaroring e Suzuka.
Desde então, quase dez anos se passaram. Com certeza ninguém tem mais consciência dos pontos fracos de Schumacher do que o próprio, e é provável que ele tenha trabalhado intensamente nestes durante os últimos meses. Ainda assim, e por isso mesmo, meus olhos estarão fincados no capacete vermelho dentro do carro prateado quando as luzes se apagarem em Sakhir.
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Monday, March 1, 2010
Uma equipe, uma imagem. A construção de um carro na era do Youtube
A notícia menos surpreendente da atual pré-temporada da Fórmula 1 veio à tona: a USF1 capitulou. A evidência de fracasso da equipe é tão forte que torna-se quase irresistível passar batido pelo legado que ela deixou, enquanto um olhar mais detido talvez nos revele o tesouro escondido no porão da fábrica de Charlotte.
Porque antes de tudo, antes mesmo de ser uma equipe, a USF1 é um símbolo do nosso tempo. É certo que de sua sede jamais saiu um carro pronto, e provavelmente jamais sairá. Mas é inegável que a equipe soube construir um outro tipo de produto, talvez quase tão complexo: a imagem de um carro.
Não à toa a grande parceria comercial que o time firmou foi com nada menos que o Youtube.
O Youtube foi criado em 2004 e a gente não sabe mais como conseguia viver sem ele. Os mais novos talvez se surpreendam, mas houve uma época em que as imagens eram artigos valiosos, raros e caros.
Tínhamos que recorrer à memória, ou gastar o que não tínhamos em fitas de vídeo ou DVD. Ou ainda pagar a TV a cabo e torcer para que algum canal passasse o que queríamos lembrar – guardávamos jornais e revistas velhas pensando que talvez fosse a única forma de preservar a memória de onde vivíamos e daquilo que éramos.
Um belo dia, decidiram que a internet não precisava mais correr pelo fio do telefone pelo custo de uma ligação local. E as páginas da web, que antes pareciam feitas de papel, ganharam vida própria.
Almas bem intencionadas tiraram seus arquivos do armário e colocaram onde podiam ser vistos por todos. Jornais antes centros noticiosos, não resistiram à pressão e também passaram a fornecer de graça aquilo que antes era pago. A informação se pôs em marcha e foi obrigada a circular.
O mesmo aconteceu com as imagens: tudo deve ser mostrado. Se algo não foi filmado, é porque provavelmente não existe. Eis a premissa de nossa época.
Ver para crer
É possível encontrar muito material interessante no canal que a USF1 mantém no Youtube. Uma entrevista com Dan Gurney feita no ano passado, na qual o lendário piloto e construtor dá sua benção para a criação de uma nova equipe 100% estadunidense na Fórmula 1. Um engenheiro explicando como se monta a parte elétrica de um carro. A construção de um bico. A destruição de um bico. Tudo devidamente registrado.
As reflexões sobre imagem técnica e verossimilhança são mais antigas do que o vídeo e a internet: vieram com a fotografia. Desde os primórdios do século XX, portanto, pensadores apontam o potencial falsificador que elas portavam. A metáfora do espelho não funciona mais.
No entanto, como apontou Roland Barthes em A Câmara clara, há algo que não se pode negar da imagem: que ela mostra. Pode não ser verdade, mas alguma coisa está lá.
O mundo contemporâneo exige mais do que o trabalho: exige a prova dele, que se mostre, que se revele ao olhar. Daí a premissa do mostrar. O jovem de classe média atual não tem vida se ele não a relata em um blog, no Orkut, no Facebook, no Twitter. Ora, não foi mais do que isso o que a USF1 fez nos últimos seis meses. Ela mostrou.
Infelizmente, no afã de cumprir com as exigências do mundo contemporâneo, ela se esqueceu de prestar contas às velhas exigências modernas, lastro do mundo atual. Ela prometeu um carro e nos entregou imagens de um. Infelizmente para ela, imagens ainda não são capazes de vencer corridas.
Porque antes de tudo, antes mesmo de ser uma equipe, a USF1 é um símbolo do nosso tempo. É certo que de sua sede jamais saiu um carro pronto, e provavelmente jamais sairá. Mas é inegável que a equipe soube construir um outro tipo de produto, talvez quase tão complexo: a imagem de um carro.
Não à toa a grande parceria comercial que o time firmou foi com nada menos que o Youtube.
O Youtube foi criado em 2004 e a gente não sabe mais como conseguia viver sem ele. Os mais novos talvez se surpreendam, mas houve uma época em que as imagens eram artigos valiosos, raros e caros.
Tínhamos que recorrer à memória, ou gastar o que não tínhamos em fitas de vídeo ou DVD. Ou ainda pagar a TV a cabo e torcer para que algum canal passasse o que queríamos lembrar – guardávamos jornais e revistas velhas pensando que talvez fosse a única forma de preservar a memória de onde vivíamos e daquilo que éramos.
Um belo dia, decidiram que a internet não precisava mais correr pelo fio do telefone pelo custo de uma ligação local. E as páginas da web, que antes pareciam feitas de papel, ganharam vida própria.
Almas bem intencionadas tiraram seus arquivos do armário e colocaram onde podiam ser vistos por todos. Jornais antes centros noticiosos, não resistiram à pressão e também passaram a fornecer de graça aquilo que antes era pago. A informação se pôs em marcha e foi obrigada a circular.
O mesmo aconteceu com as imagens: tudo deve ser mostrado. Se algo não foi filmado, é porque provavelmente não existe. Eis a premissa de nossa época.
Ver para crer
É possível encontrar muito material interessante no canal que a USF1 mantém no Youtube. Uma entrevista com Dan Gurney feita no ano passado, na qual o lendário piloto e construtor dá sua benção para a criação de uma nova equipe 100% estadunidense na Fórmula 1. Um engenheiro explicando como se monta a parte elétrica de um carro. A construção de um bico. A destruição de um bico. Tudo devidamente registrado.
As reflexões sobre imagem técnica e verossimilhança são mais antigas do que o vídeo e a internet: vieram com a fotografia. Desde os primórdios do século XX, portanto, pensadores apontam o potencial falsificador que elas portavam. A metáfora do espelho não funciona mais.
No entanto, como apontou Roland Barthes em A Câmara clara, há algo que não se pode negar da imagem: que ela mostra. Pode não ser verdade, mas alguma coisa está lá.
O mundo contemporâneo exige mais do que o trabalho: exige a prova dele, que se mostre, que se revele ao olhar. Daí a premissa do mostrar. O jovem de classe média atual não tem vida se ele não a relata em um blog, no Orkut, no Facebook, no Twitter. Ora, não foi mais do que isso o que a USF1 fez nos últimos seis meses. Ela mostrou.
Infelizmente, no afã de cumprir com as exigências do mundo contemporâneo, ela se esqueceu de prestar contas às velhas exigências modernas, lastro do mundo atual. Ela prometeu um carro e nos entregou imagens de um. Infelizmente para ela, imagens ainda não são capazes de vencer corridas.
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