Wednesday, July 28, 2010

Williams, sem vitória em 100 GPs

Fora reacender a polêmica sobre ordens de equipe, o GP da Alemanha, por incrível que pareça, suscitou outros tópicos para discussão. Como o F1 Fanatic apontou e o GP Séries abordou também, domingo passado a Williams amargou a triste marca de ter disputado seu centésimo GP seguido sem vencer.

Outrora um dos nomes mais temidos do grid, a derrocada do time ao longo da última meia década não deixa de trazer certa perplexidade. Voltemos, pois, ao último êxito: com Montoya, no GP do Brasil, a última prova do calendário em 2004 (foto). A Williams vinha de uma campanha decepcionante para uma esquadra que havia disputado o título e colhido quatro vitórias no ano anterior. Frente ao avassalador domínio das Ferrari, havia sobrado a Ralf Schumacher e ao colombiano, até então, não mais que alguns pódios eventuais.

A própria vitória veio meio que por acaso, a pista mais ou menos molhada, que foi secando aos poucos, invalidou a vantagem dos pneus Bridgestone (leia-se Ferrari), e uma estratégia competente (e sortuda) colocou Montoya em vantagem, para a alegria da avalanche de colombianos que entupiam Interlagos naqueles tempos.

Dentro dos boxes, as coisas já não iam bem. Patrick Head e Mario Thiessen viviam às turras: o velho comando não aceitou delegar certas decisões à BMW e a parceria entre Grove e Munique foi desfeita no ano seguinte - os alemães colocando seus próprios carros na pista em 2006.

O fim desse 'relacionamento' foi algo bastante inesperado a julgar pela esperança de sucesso que ele inspirava em seu começo: uma equipe multicampeã juntando esforços com uma fábrica com fama de seriedade e experiência prévia em competições certamente colocava medo nos concorrentes no início dos anos 2000. Afinal, a década de 90 não pode ser contada sem fazer menção à poderosa parceria Williams-Renault...

Mas algo mudara desde então - a começar pelo espaço físico. Em 1997, Frank Williams empacotava o mobiliário na sede de Didcot para se dirigir à mais avançada fábrica de Grove. Curiosamente, o último carro saído de Didcot também foi o último Williams detentor de um título na Fórmula 1.

O que aconteceu de lá pra cá? O que colocou este nome gigante no meio do pelotão?

Será que Frank e Patrick perderam a mão, não conseguiram se adaptar ao modelo de gestão dos anos 2000, em que a fabricante multinacional deveria controlar a equipe mais de perto?

Williams se adiantou ao bonde da história ao procurar dinheiro árabe para financiar sua competência e a e seu projetista, no fim dos anos 70. Se adiantou de novo alguns anos depois, ao firmar parceria com a Honda, e depois ainda, ao convencer a Renault a voltar à Fórmula 1. Em algum momento o bonde da história passou, e eles ficaram. E, nas próprias palavras de Williams, sem as vitórias os patrocinadores não vêm; logo, o dinheiro não vem; logo, as vitórias não vêm. Um círculo vicioso difícil de ser quebrado.

Monday, July 26, 2010

O pacto com o espectador, e por que este blog não irá comentar o próximo GP

A troca de posição entre os pilotos da Ferrari no GP da Alemanha violou muito mais do que a malfeita regra da proibição do jogo de equipe na Fórmula 1. Ela violou o pacto da Fórmula 1 com o espectador. Já abordei este assunto aqui uma ou mais vezes, mas creio que vale a pena entrar em detalhes neste caso específico.

Em primeiro lugar, há de se convir que a proibição das ordens de equipe é uma dessas besteiras que se encontram aos montes no regulamento desportivo da categoria. Porque, em determinados casos, ela é aceitável: Gilles Villeneuve fez questão de não disputar o título em 1979 para ajudar o seu companheiro, sabendo que time lhe daria uma chance no futuro. Quando ela chegou, em 1982, Didier Pironi não aceitou - se ele tivesse cedido sua posição no GP de San Marino de 1982, talvez não fosse um ato condenável, porque não se trataria de uma questão comercial, mas de duas pessoas lutando por um objetivo comum. Isso também acontece, com muita frequência, nos finais de campeonato, e não há demérito nisso.

O condenável na atitude da Ferrari em Hockenheim foi forçar uma troca de posição em favor das ínfimas chances de Alonso vir a ser campeão neste ano, em detrimento ás não muito mais ínfimas chances de Massa vencer ao fim do ano. Foi uma demonstração clara de poder corporativo sobre a situação de pista.

Afinal, Patrese não cedeu sua liderança no GP do México de 1991 ao primeiro piloto de sua equipe, Nigel Mansell. Nem Webber a Vettel na Turquia, dois meses atrás. Porque é na pista que primeiros e segundos pilotos são definidos, não no contrato assinado.

Se o vencedor da prova já estava decidido, então por que toda aquela perseguição após o pit stop, por que Alonso colocar o carro ao lado para tentar ultrapassar enquanto os pneus de Massa não estavam devidamente aquecidos? Não era pra valer?

Se aquilo não era sério, então a Ferrari violou o pacto com o espectador. Ofereceu uma mentira como se fosse verdade. O espectador assiste à Fórmula 1 como esporte, na esperança de que os pilotos estejam brigando por suas posições porque querem mantê-las, não por mera encenação. Os espectadores sabem que há interesse comercial por trás de tudo, e, acima de tudo, que o esporte não é justo, nem sempre vence o melhor (e por que haveria de ser assim, se a vida não é?). Mas, para que isso seja tolerado, é preciso que, da largada ao final da última volta, as implicações com a conta bancária, as relações com o patrocinador não sejam os atores do evento. Uma equipe é uma empresa, mas ninguém torce para uma empresa em uma corrida - torcem para o que ela, como equipe, significa.

A Ferrari é culpada por não respeitar o ínfimo lugar reservado ao esporte dentro da Fórmula 1. Alonso tem sua parcela de culpa por ter aceitado fazer parte da encenação. Felipe Massa foi vítima, constrangido pela empresa que paga seu salário a atentar contra o esporte que pratica profissionalmente, e contra os torcedores que o apoiam. Mas também é culpado, por ter tido a escolha de recusar a encenação, e ter encenado mesmo assim.

Nós, espectadores, fomos vítimas por não termos recebido da Fórmula 1 o que ela se propõe a nos entregar. Mas, e se assistirmos ao próximo GP, na semana que vem, não seremos também culpados?

Quero chegar ao ponto de que a única forma de ação que cabe aos que se sentiram injustiçados pelo que aconteceu no domingo é recusar o pacto, uma vez que seja. Obviamente, isso só se traduziria em um resultado concreto se outras pessoas decidissem fazer o mesmo - especialmente as que vivem na Europa Ocidental.

O problema é que a TV permite o anonimato ao espectador. Falar aos quatro ventos que vai boicotar a Fórmula 1 é fácil, difícil é cumprir a promessa, já que ninguém pode fiscalizar se você a cumprirá ou não.

Por isso, limito-me a fazer um protesto individual e desesperançado por meio deste blog: não haverá, nele, um comentário sequer sobre o GP da Hungria, a ser realizado no próximo dia 1o de agosto. Nenhuma palavra sobre o que acontece por sobre o asfalto de Hungaroring, pois não posso garantir se lá vai acontecer uma corrida ou a dramatização de uma. A restrição vale por um GP.

Qualquer um que sai de uma faculdade de comunicação sabe que só há uma arma mais perigosa que as palavras: o silêncio. Meu silêncio não vai mudar o mundo, mas prefiro calar-me em nome de minha consciência. Quem sabe outras consciências não se sintam impelidas a fazer o mesmo.

Sunday, July 25, 2010

GP da Alemanha 2010 - "Hoje sim"

Certa vez, Frank Williams, perguntado se a Fórmula 1 ainda podia ser considerada um esporte, respondeu que sim, ela era, da largada à linha de chegada - tudo o que acontece antes ou depois disso é business. A Ferrari, mais uma vez, insiste em desmentir este enunciado. O que se viu hoje em Hockenheim foi pouco mais que um comercial de uma certa marca italiana de automóveis de luxo famosos por quebrarem com facilidade.

Mais uma vez, a razão corporativa, tão em voga nestes tempos de capitalismo tardio, se intromete naquilo qe devia ser uma competição. Foi possível notar isso na entrevista após a prova, em que os pilotos de vermelho, reduzidos a meros funcionários da empresa que paga seus salários, não paravam de repetir, de cara fechada, sobre o quão bom o resultado da prova havia sido para o "time".

Só a Ferrari pode se dar por satisfeita com o GP da Alemanha. Nem os espectadores, nem o automobilismo, nem sequer Fernando Alonso, que sabe-se lá de quem acha que herdou o direito de vencer, sairão do paddock de Hockenheim incólumes. Menos evidente que o amargo GP da Áustria de 2002, o espetáculo dantesco de hoje foi tão repudiável quanto.

Teria sido uma grande vitória de Massa. Simbólica, por ter sido exatamente um ano depois do mais grave acidente de sua vida, que poderia ter encerrado sua carreira para sempre. Simbólica, por ter sido quase dez anos após a primeira vitória de Barrichello, também pela Ferrari, também em Hockenheim. Simbólica, pela perda do tio que o piloto teve de enfrentar no decorrer da semana.

Curiosamente, em 1989, um brasileiro venceu o GP da Alemanha, após intensa disputa contra o companheiro (não influenciada por ordens de equipe), após a morte de um grande amigo e incentivador. Ninguém comunicou a Ayrton Senna, porém, o falecimento de Armando Botelho antes que ele descesse do pódio - ao contrário de Massa, notório pela economia com que verte suas lágrimas, Senna era daqueles que chorava intensamente e com facilidade.

Mas se Massa tivesse perdido na pista, não teria sido tão ruim assim. Teria sido ao menos uma competição esportiva.

Friday, July 23, 2010

Hockenheim, Casablanca, ressignificação

Ontem, me deparei com um comentário interessantíssimo sobre Hockenheim no blog inglês F1 Fanatic. Transcrevo ele, editado: "Há um certo romantismo deslocado em relação ao Hockenheimring original. Ele foi usado pela primeira vez (na Fórmula 1) como substituto do Nürburgring Nordschleife - e era mais conhecido por ter sido o circuito onde Jim Clark perdera a vida. Hockenheim se tornou a sede do GP da Alemanha em 1977. Mas como outras pistas se tornaram cada vez mais parecidas, suas características pouco usuais fizeram dele um dos autódromos mais únicos".

Aqui, precisamente, o automobilismo se encontra com a semiótica. Não se preocupe, caro leitor, este não é um daqueles artigos chatos cheios de termos incompreensíveis. Nem sequer vou entrar aqui em detalhes sobre a semiótica. Permita-me, no entanto, discorrer um pouco sobre cinema.

O que aconteceu com Hockenheim ocorreu também com o filme Casablanca. Hoje ele é um clássico. Mas nem sempre foi assim.

Retiro este exemplo do livro do jornalista Marcelo Coelho, "Crítica Cultural: teoria e prática". Na época em que Casablanca foi lançado (1942), o cinema não era, em geral, considerado uma arte. Diga, sem clicar no link, qual é o nome do diretor. Pois bem, a história não concedeu a Michael Curtiz o rótulo de gênio ou de artista, e acabou caindo no anonimato. Não à toa o filme foi um sucesso em seu lançamento - ele foi feito para a diversão das massas.

Com o tempo, porém, Hollywood foi reformulando seu modo de filmar. Os suspenses foram ganhado mais explosões, mais câmeras lentas para reforçar a tensão, mais perseguições em alta velocidade, mais músicas de fundo sentimentalóides em momentos românticos, mais "cores"... Mais enquadramentos gritantes em 'plongé' para acentuar a bondade ou a ruindade de um personagem.

E, subitamente, signos que pareciam óbvios para o espectador do passado exigem mais esforço do espectador do presente para ser compreendido. Seu roteiro esquemático se despiu, por assim dizer, de certos elementos, e revelou sutilezas antes encobertas.

Voltemos a Hockenheim, que um jornalista, em virtude da morte de Jim Clark, definiu como uma sequência de retas que leva a uma seção "ridícula" de curvas de baixa. De fato, numa época de carros sem aerofólios, longas retas e curvas de baixa não traziam oportunidade alguma para um piloto demonstrar sua habilidade.

Acontece que a aderência mecânica dos carros foi suplantada, nos anos seguintes, pela aderência aerodinâmica. Como foi dito no início do post, os autódromos mudaram, foram ficando mais iguais, e de repente já não era mais tão comum assim períodos tão longos de aceleração contínua, nem tampouco a sensação de se abrir caminho numa floresta. Durante mais de seis quilômetros Hockenheim exige o menor aerofólio possível, mas aí chegam as tais curvas de baixa e o carro não tem a mínima pressão aerodinâmica... Com um motor de sete, oito centenas de cavalos, sem aderência e com o assoalho a milímetros do chão, elas já não são mais tão "ridículas" assim.

Aconteceu com Casablanca e Hockenheim um processo análogo, o de ressignificação. O conteúdo é o mesmo, mas a recepção se altera. Isso é algo maravilhoso, pois é a prova de que ocorre aquilo que Gilles Deleuze, um desses tiozinhos do pós-estruturalismo, chama de "desterritorialização e reterritorialização" dos sujeitos. Do que se conclui que toda produção humana será sempre incompleta.

Neste fim de semana, veremos uma outra Hockenheim, desta vez fisicamente diferente. Ao invés de seguir floresta adentro, os pilotos frearão à direita para a Bernie Ecclestone Kurve (sério) para um circuito que se tornou igual a todos, talvez até "mais igual" que os demais. Quem sabe se um certo escritório alemão de arquitetura se preocupasse mais com a semiótica, a "modernização" ocorrida em 2002 não tivesse varrido um dos fenômenos mais fascinantes da história do automobilismo.

Thursday, July 22, 2010

Fumando espero

Sentada sobre os pneus, Nina Rindt, a postos com o artigo indispensável para qualquer mulher de piloto em tempos passados: a prancheta com a folha de registros dos tempos de volta do marido. À direita, Colin Chapman. No centro, Jochen Rindt.

Era bem provável que a pista estivesse aberta. No primeiro GP da Áustria em Österreichring, em 1970, os organizadores programaram um extenso período de pista aberta para os treinos. Tão extenso que, no meio da sessão, ainda sobrava tempo para um cigarro. Boxes sem ar condicionado, sem luxo, sem assessores de imprensa, sem placas de "proibido fumar". Em suma, um retrato do passado.

Crédito da imagem: Rainer Schlegelmilch

Tuesday, July 20, 2010

Substituto natural

A chamada está numa matéria da revista inglesa F1 Racing de 2002, reproduzida no Brasil pela Racing (edição número 101): "Nick Heidfeld - O piloto alemão pode vir a ser o substituto natural de Michael Schumacher na categoria".

A ideia, obviamente, era que, quando Schumacher se retirasse, Heidfeld assumisse seu posto como o-alemão-lutando-por-campeonatos-num-carro-competitivo. Ironicamente, a previsão da F1 Racing de oito anos atrás se realizou: como farsa. Como terceiro piloto da Mercedes, Nick pega o volante caso o heptacampeão estiver impossibilitado de pilotar, ou resolver abreviar o seu retorno às pistas.

O repórter e vidente Tom Clarkson, autor da matéria e da previsão, demonstra claramente que precisa jogar fora sua bola de cristal: "A carreira de Nick com quase toda a certeza durará mais que aquela de qualquer outro piloto alemão. Assim, quando chegar o dia em que ele for o único piloto alemão na F1, ocupará o lugar de Schumacher como a maior esperança de sua pátria".

De volta a 2010. Schumacher retorna de sua aposentadoria e continua sendo o alemão mais longevo na Fórmula 1. No próximo fim de semana, serão seis os alemães no grid de largada do GP da Alemanha. Nenhum deles chamado Nick Heidfeld.

A carreira de 'Quick Nick' é daquelas que motivarão estudos de caso por anos a fio. Um piloto que tinha tudo para ser campeão e sequer conquistou uma vitória. Foi companheiro de equipe de quatro pilotos que já estiveram na liderança do campeonato alguma vez (Raikkonen, Massa, Kubica, Webber), e se mostrou à altura todos - muito embora os três primeiros fossem todos, na época, apenas estreantes. Kubica foi superado em duas das três temporadas completas que disputaram na BMW Sauber, mas o polonês se manteve na categoria, e ele não.

Também pela F1 Racing, mais recentemente, em fevereiro de 2009, foi publicada uma entrevista sua. O repórter lembra o teste que ele fez em Barcelona duas semanas depois do fim da temporada, em Barcelona, diante das arquibancadas vazias, e pergunta de onde vem sua motivação. Eis a sua resposta:

"Não ligo se as pessoas estão vendo ou não; é legal se eles estão, mas não é a razão de eu fazer isso. Mesmo após duas semanas, eu já sentia que não sentava no carro há um bom tempo. Minha principal motivação é a mesma de quando comecei, criança: eu faço porque eu gosto. É divertido. E além disso porque eu tenho meu objetivo, vencer. Mesmo em 2004, pela Jordan, eu gostava porque eu tinha a possibilidade de provar o meu valor. Eu sabia que, se eu desse tudo de mim, então talvez alguém veria e me daria uma chance. Mas eu nunca tive um problema em arranjar motivação para pilotar".

Resta saber se, caso surja um cockpit na Mercedes antes do previsto, Heidfeld ainda terá a motivação necessária para provar o seu valor. Será que ele consegue?

Saturday, July 17, 2010

Fangio, recuerdos de uma morte

ERA O DIA NOVE de abril de 1995 no autódromo Oscar Galvez, em Buenos Aires, que, apesar da chuva que castigara a cidade a semana inteira, estava em festa. A Fórmula 1 realizaria, dentro em poucas horas, seu primeiro GP da Argentina desde 1981.

Uma Ferrari solitária cortava a pista com o ensurdecedor ruído de um V12 3,5 litros. O piloto completou seis voltas e se retirou. Era Carlos Reutemann a bordo, ex-piloto argentino e, na época, governador da província de Santa Fé. A Scuderia havia trazido o carro que Berger pilotara em Portugal no ano anterior para que ele pudesse fazer uma demonstração - promovida porque a Philip Morris era a principal patrocinadora do evento, e a Fiat inauguraria uma nova fábrica no país.

Reutemann não fez feio, para quem não sentava num Fórmula 1 desde 21 de março de 1982, dia em que saiu de sua Williams em Jacarepaguá para abandonar em definitivo a carreira de piloto. Deu seis voltas na quinta-feira e outras seis, como já foi dito, no domingo, num asfalto encharcado, uma hora antes dos boxes serem abertos para que os pilotos inscritos pudessem partir para a volta de formação.

"Lole", como é conhecido, foi a estrela nacional do fim de semana e um dos grandes motivadores do retorno da Fórmula 1 à Argentina, ao lado de Carlito Menem, filho de Carlos Menem, presidente da república. Também piloto, Carlito falecera três semanas antes do GP em um acidente de helicóptero. Foi homenageado como nome de troféu entregue pelo pai no sábado ao pole position.

EM MEIO A TANTAS menções, porém, o nome de Juan Manuel Fangio passou batido. Sua única imagem no autódromo era uma foto nos boxes da McLaren: o pentacampeão manteve, desde que se aposentou das pistas, uma longa relação com a Mercedes, fornecedora de motores para Ron Dennis a partir daquele ano. No mais, seu nome só era citado nas conversas nas arquibancadas e no paddock. Numa delas, Roberto Carozzo, biógrafo de Fangio, confidenciou ao jornalista português Francisco Santos o motivo de tanto silêncio: o país inteiro sabia que sua morte estava próxima, seus problemas renais haviam se agravado e já há meses passava longos períodos inconsciente. Para poupá-lo, sequer lhe avisaram que ocorreria um GP da Argentina.

O óbito de Fangio foi registrado às 04h10 de 17 de julho de 1995, há exatos 15 anos, portanto.

Dois dias antes, em Buenos Aires, uma gripe obrigou sua internação na clínica Mater Dei, a qual evoluiu para uma pneumonia que terminou por esgotar as suas últimas forças. Seu corpo foi velado no Salão Branco da Casa Rosada, depois na sede do Automóvil Club Argentino, e depois seguiu para a pequena cidade de San José de Balcarce, onde nascera. Ao chegar, foi mais uma vez velado no museu que leva seu nome, para então ser finalmente enterrado, na tarde do dia 18, no túmulo da família.

CURIOSAMENTE, TALVEZ FANGIO tenha se aproximado mais da morte fora das pistas do que dentro dela. Pilotando, foram duas as vezes em que alega-se ter chegado próximo da fatalidade. Fora delas, a primeira talvez tenha sido um infarto que sofreu aos 71 anos, em Buenos Aires. O coração também lhe abandonaria à própria sorte no dia 4 de dezembro de 1981, após um bizarro evento de exibição em Dubai, que o obrigou a ser transladado dos Emirados Árabes direto para a Argentina. Quase exatamente um ano depois, se encontrava sentado numa mesa de operações, submetido a bypass, para a realização de uma cirurgia cardiorrespiratória.

Fangio ainda pode, porém, gozar de uma década inteira sem grandes sustos, sempre ativo e presente, envolvido em seus negócios pessoais ou fazendo exibições com os carros que costumava pilotar na década de 50. Grandes sustos, aliás, uma ova: em Adelaide, durante o GP da Austrália de 1990, um caminhão erroneamente situado no meio da pista o obrigou a uma manobra brusca, que resultou na batida da Mercedes W196 contra o muro. O piloto nada sofreu.

Já em 1992, após as efusivas homenagens recebidas por seus 80 anos completados, no ano anterior, teve de ser internado para a retirada de um tumor benigno dos rins - os problemas renais, no entanto, o acompanhariam pelo resto da vida.

A ÚLTIMA VEZ QUE CONDUZIU um carro na vida foi numa demonstração na Itália, em 1993. Era uma Alfetta 159. Seu quadro, no entanto, não parava de se agravar. Já fazia três sessões semanais de hemodiálise quando, em 29 de dezembro, foi internado na Mater Dei por hipercalcemia no sangue.

Estava em Balcarce quando Ayrton Senna bateu contra a Tamburello. Não assistia à corrida, mas a tv de casa estava ligada, e ao se deslocar do seu quarto ao banheiro, ouviu o noticiário. Indagou aos parentes o que havia ocorrido com seu amigo, ao que estes desconversaram. Dias depois, sua sobrinha lhe contou sobre a morte.

Seu últimos dias em geral foram passados em sua cidade natal ou em sua casa na capital, no bairro de Palermo Viejo. Estava sempre rodeado de amigos, e, a pedido destes, Stirling Moss foi à Argentina especialmente para visitar seu antigo adversário. Pela última vez, ainda em 1994.

Friday, July 16, 2010

Restos do carro de Antonio Ascari, GP da França, 1925

16 de julho de 1925. O GP do Automóvel Clube da França (nome oficial do GP da França até meados da década de 60) havia passado há pouco da vigésima volta, no autódromo de Montlhéry, quando se deu o acidente fatal do então líder Antonio Ascari. O piloto havia acabado de vencer o GP inaugural de uma certa pista, chamada Spa-Francorchamps, com uma enorme vantagem em relação ao segundo colocado. Seu Alfa Romeo P2 também havia vencido a sua prova de estreia, com o mantuano (sim, ele também) ao volante.

O óbito foi registrado na ambulância de resgate. O piloto deixou para trás um filho de sete anos recém-completados, Alberto, que haveria de trilhar e encontrar seu próprio destino no automobilismo.

Thursday, July 15, 2010

Vídeo: Dallas onboard com Patrick Tambay



Há coisas no Youtube que, antes dele, era inacreditável que pudessem existir. Aí está uma delas, uma volta de Patrick Tambay na pista de Fair Park, Dallas, em 1984. Um GP fadado ao fracasso. É possível notar a infinidade de curvas, a sensação de desorientação em meio a tantos blocos de concreto e chicanes, a estreiteza do traçado em alguns pontos. Como haveriam de perceber tarde demais, não havia espaço para uma corrida de Fórmula 1 lá, de forma que aquele foi o primeiro e último ano da prova. Durante vídeo, Tambay faz seus comentários sobre a pista, em francês, enquanto a voz sobreposta de um narrador o traduz para o inglês. Tudo pode ser resumido em uma fala de Tambay: "Era um verdadeiro pesadelo pilotar lá".

Provavelmente a filmagem onboard foi realizada durante os treinos, em caráter de teste. A primeira transmissão ao vivo de uma câmera onboard na Fórmula 1 ocorreu em 1985, durante o GP da Alemanha, no carro de François Hesnault, inscrito num terceiro carro da Renault. A repetição de carros e pilotos franceses se justifica: o empenho em desenvolver a tecnologia da transmissão foi levado a cabo pela tv francesa.

Tuesday, July 13, 2010

'F1 Boxenstopp'

Há alguns dias, publiquei aqui um post sobre o fotógrafo alemão Andreas Gursky e sua obra que tem como objeto o autódromo de Sakhir. Pois bem, aquela não foi a única incursão do artista na Fórmula 1: em 2007, ele apresentou a série F1 Boxenstopp.

São quatro fotografias. Reproduzo a número I acima, mas os leitores interessados podem ver todas elas neste link. Não é preciso falar alemão para deduzir que o tema são os pit stops.

Para quem viu as quatro imagens, não fica difícil perceber que são todas montagens: em todas há duas trocas de pneu e reabastecimento sendo realizados. Pela presença e cor das equipes, é possível notar que foram clicadas em 2006.

Como já havia dito no post anterior, Gursky trabalha com repetições e padrões. Repetidas, os momentos de maior tensão numa corrida se tornam banais. É importante ressaltar que as imagens originais estão sempre em grande formato, conferindo maior importância aos espectadores que aparecem refletidos no vidro da parte superior. Há, inclusive, uma contraposição interessante: podemos ver seus rostos, enquanto os capacetes dos mecânicos e dos pilotos (estes quase imperceptíveis, atrás da equipe do pit) cobrem seus rostos, o que impossibilita ao espectador ver neles uma figura humana.

Também me chama a atenção os espectadores tirando fotos: muitos deles de câmera na mão. Faz lembrar Susan Sontag, ao afirmar que, no mundo moderno, os eventos só ocorrem para que sejam convertidos em imagens.

Sunday, July 11, 2010

GP da Grã-Bretanha 2010 - Novo traçado, jovem Vettel, velho Race Control

Grande sensação do fim de semana, o Silverstone Arena, traçado com uma nova seção que substitui o que antes havia entre a Abbey e a Brooklands, foi relegado a coadjuvante neste domingo. Ao menos dois outros eventos fizeram sombra ás ondulações do asfalto.

Em primeiro lugar, a punição a Fernando Alonso por ter ultrapassado Kubica supostamente cortando caminho. Ou estaria ele se esquivando do polonês, que jogou o carro em direção à sua Ferrari? Os comissários, Nigel Mansell entre eles, decidiram, décadas depois, pela primeira alternativa. Um Safety Car incidental transformou as 5 posições que os espanhol perderia em 15, e lá se foi a corrida da Ferrari. Vale lembrar que o drive through que Hamilton levou em Valência, também décadas depois da infração que ele cometeu, apontado justamente por Alonso, não fez o inglês perder qualquer posição na prova.

Após um início de ano relativamente tolerante, o Race Control vem aumentando a distribuição de punições desde o GP do Canadá. A se observar tal tendência daqui para a frente.

Além disso, a Red Bull se defronta agora com uma guerra declarada entre seus próprios pilotos. A preferência do time por Vettel não agradou nada a seu companheiro, que não só venceu após disputa mais ou menos intensa com Hamilton, como viu o 'número 1' da equipe amargar o sétimo lugar e uma prova de recuperação. Vettel tem um talento inegável, que por vezes se faz sentir sem margem alguma de dúvida sobre Webber, como no GP da Malásia deste ano. Mas - marca indelével de sua geração, como atestam Lewis e Sutil - o alemão parece sofrer do mal de ser sempre 'jovem demais', principalmente quando tem de lidar friamente com o favoritismo no campeonato.

Após anos recentes obliterados por espionagens e brigas internas, a McLaren parece ter aprendido a lição: que para ganhar o campeonato, a melhor estratégia é se manter longe do noticiário.

Friday, July 9, 2010

Uma explicação marxista para a Era Turbo

Com a chegada do GP da Grã-Bretanha neste fim de semana, no novo traçado da pista de Silverstone, que promete uma velocidade média maior da volta, é interessante retornar ao ano de 1977, quando um carro amarelo e preto alinhou também em Silverstone sob o riso do resto do paddock.

Era a estreia da Renault como construtora, e do primeiro motor turbo da história da Fórmula 1. Hoje sabemos que o turbo se equiparou aos aspirados e depois dominou os anos 80, até ser proibido ao final de 1988. Mas, naquela época, isso não era tão óbvio, o que sublinha a genialidade dos engenheiros da equipe francesa.

Afinal, eles estrearam em Silverstone. Podia ter sido na França, algumas semanas antes, ou no início da temporada europeia, mas foi em Silverstone. Por quê?

A resposta está no post anterior: porque era a pista mais rápida da temporada. Naquele ano, só a média de velocidade da pole em Fuji superou a do circuito inglês.

Mas Silverstone era apenas uma pista do calendário e que revezava com Brands Hatch o GP da Grã-Bretanha. O fato é que, a partir dos anos 70, as etapas de cada temporada foram se tornando palpavelmente mais velozes. Em 1977, numa época em que a média da pole em Monza batia nos 213km/h (em 2009, foi de 248 km/h), nada menos que dez circuitos mantinham a média em acima de 190 km/h no mesmo critério.

Monza, Österreichring, Paul Ricard e Dijon, Silverstone, Kyalami, a antiga Buenos Aires, antigo Interlagos, Watkins Glen, Mosport e Hockenheim eram autódromos que justificavam, no fim dos anos 70, a aposta em um motor mais potente. Havia as pistas de rua, decerto, mas as longas retas que povoavam a Fórmula 1 em tantos outros lugares compensavam o desempenho a desejar nelas.

Seis dos circuitos supracitados sobreviveram e/ou se consolidaram no calendário em meados dos anos 80. Outras ainda foram somadas: Imola, Spa-Francorchamps, Jacarepaguá, Cidade do México, Suzuka.

Mesmo com o surgimento de diversas pistas de rua, e outras mais lentas, o motor turbo já era potente e confiável o suficiente para se tornar dominante já em 1984, primeiro ano em que motores aspirados não venceram sequer um GP.

O capítulo seguinte da história chegou em meados dos anos 90, quando diversos fatores (principalmente, mas entre outros, os eventos de Imola de 94) catalisaram o surgimento de chicanes e curvas de baixa velocidade. Os departamentos de projeto das equipes passaram a investir menos nos motores e mais na aerodinâmica, cuja complexificação é a principal causa da falta de ultrapassagens na Fórmula 1 atual.

Não estou dizendo que uma nova era turbo ou pistas mais velozes resolveriam o problema, muito pelo contrário. A Era Turbo ocorreu porque havia condições propícias para que ela surgisse em uma determinada época. Na atualidade, ela jamais teria lugar.

Wednesday, July 7, 2010

Quando Rosberg fez a volta mais rápida da F1 - em Silverstone

Há um certo frisson em torno do próximo domingo, e não só por causa da decisão da Copa. No mundinho jogado a escanteio da Fórmula 1, está marcada a primeira corrida no novo traçado de Silverstone, batizado de Arena. Com mais retas e curvas rápidas, há a espectativa de que a média de velocidade da volta suba.

Não é esperado, no entanto, que ela supere a de Monza para voltar a ser a pista mais veloz do calendário. A velha base aérea de Northamptonshire só era capaz de se equiparar à pista italiana antes da reforma de 1991. Mas ela superava com folga todas as outras antes de 1987, quando a Woodcote foi transformada numa sequência de baixíssima velocidade. Antes disso, era uma chicane que desviava poucosmetros da curva original.

E foi na última vez que os carros correram nessa configuração, em 1985, que o recorde absoluto de velocidade média foi batido. A marca de Chris Amon já durava 14 anos, quando ele virou 1m22s40 nos treinos para o GP da Itália de 1971, o último em uma Monza chicane-free (média de 251.214 km/h).

Estava claro que, com o desenvolvimento dos motores turbo no último biênio, um novo recorde seria estabelecido em Silverstone. Ela já estava superada no início da sessão oficial, quando uma garoa caiu sobre o asfalto. Não durou mais de cinco minutos e a brisa constante ajudou a secá-la. No final, o mérito coube a Keke Rosberg: 1min05s591, numa média de 259.005 km/h (na época, o traçado totalizava 4,719 km). O novo motor Honda, que estreara poucas semanas antes, no GP da França, ajudou a empurrar a Williams para o topo dos times mais bem equipados, e terminou aquele ano como o melhor carro no grid.

Desde então, a sede do GP da Grã-Bretanha passou a acumular meandros que a tornaram muito, mas muito mais lenta. Monza permaneceu no mesmo patamar, e, finalmente, a pole do GP da Itália de 2002, de Juan Pablo Montoya, superou a marca de Rosberg. Atualmente, ela pertence a Rubens Barrichello: sua pole no Autodromo Nazionale em 2004 atingiu os 260,395 km/h. O regulamento para diminuição da potência dos carros tem travado o recorde desde então.

Tuesday, July 6, 2010

O que Andreas Gursky viu em Sakhir?

Na pré-temporada, escrevi um post sobre o traçado de Sakhir e a mudança de traçado promovida pelos organizadores para a prova da Fórmula 1. Para minha surpresa, durante uma pesquisa completamente sem relação com o automobilismo, me deparei com a foto acima, tão fascinante que merece algumas linhas para melhor apreciação.

A imagem saiu das lentes do fotógrafo Andreas Gursky, alemão de Leipzig (nascido em 1955), criado em Düsseldorf. E justamente nesta última cidade estudou fotografia na academia de artes, tendo como professores o casal Bernd e Hilla Becher, que no fim dos anos 60, criaram uma nova maneira de pensar esteticamente a fotografia, radical e sem concessões - que foi posteriormente nomeada de Escola de Düsseldorf.

Gursky é um dos expoentes mais conhecidos da Escola. Por se tratar de uma obra de arte, a interpretação é livre, e o que proponho aqui é apenas um caminho. Antes, porém, cabe colocar que a reprodução acima está fora de escala: a imagem exibida nos museus e galerias tem dimensões muito maiores, de incríveis 302.2 x 219.6 cm. Ou seja, a imagem original tem três metros de altura.

O grande formato é uma característica marcante da Escola de Düsseldorf, pela qual seus participantes são identificados com os pintores de grande formato do passado, como Rembrandt ou David. Algo tão grande e, no entanto, sem qualquer ponto de referência, algo que chame a atenção. Não há hierarquia dos elementos na foto.

Se você entende de Fórmula 1, não vai demorar muito até encontrar algo estranho nela. Tente identificar as curvas do circuito. Tente localizar os boxes. A obra é de 2005, provavelmente o 'clique' foi feito com o autódromo já pronto. Conclui-se, portanto, que a imagem foi manipulada digitalmente, alguns elementos foram suprimidos; outros, trocados de lugar.

Gursky não deve estar muito interessado no traçado em si da pista. Ele se interessa mais nos meandros que a pista faz por si mesma. Aliás, do modo como ele a concebe, do alto, parece que estamos vendo mais um desenho do intestino delgado do que um circuito de corrida.

Tanto asfalto em meio a uma imensidão plana de deserto. Ao fundo, uma construção indiscernível e algumas autoestradas cortando a areia como veios. A superfície é vista como um tecido.

Não há pessoas, não há um interesse em promover uma identificação com o objeto fotografado, como no trabalho de Cartier-Bresson ou Sebastião Salgado, por exemplo. Gursky, e a Escola de Düsseldorf em geral, quer mais é esgarçar nos seus imensos negativos o tédio, a própria falta de interesse.

Sim, falta de interesse. Escancarar não há nada do outro lado da pista; percorrer o autódromo de Sakhir não levará o piloto ou o espectador a um lugar diferente, mas a outro ponto exatamente igual, onde não há nada particularmente arrebatador. Porque isso, afinal, é o mundo contemporâneo, pós-industrial, em que o entretenimento é produzido em série, e, portanto, nossas próprias individualidades são produzidas em série.

Essa é uma explicação mais geral dos fotógrafos "de Düsseldorf" - aliás, é um traço mais distintivo da obra de Thomas Struth que a do próprio Gursky. O que é próprio a este último é o reconhecimento de padrões e ritmos nos objetos fotografados.

A forma como as curvas se sucedem, como elas são diferentes, mas, ao mesmo tempo, iguais. Acho que Gursky não gosta de Fórmula 1. E, por isso mesmo, conseguiu obter um dos retratos mais precisos da era Tilke.

Copyright Andreas Gursky