O cronômetro parou em 10s3 – ninguém sabia se era um tempo bom ou ruim. Certamente melhor que os reabastecimentos da Brabham em 1983, realizados com um recipiente especial e muito menos eficiente que as mangueiras e parafernálias da Intertechnique. Mas ao longo das dez temporadas seguintes, nas quais os pit stops regulares se limitavam à troca de pneus, os espectadores se acostumaram a ver trabalhos cada vez mais rápidos, até o surpreendente trabalho dos mecânicos da Benetton no GP da Bélgica de 1993, que devolveram Riccardo Patrese à pista em surpreendentes 3s2.
(É talvez irônico o fato de Patrese também ter sido o primeiro piloto, em tempos recentes, a fazer um reabastecimento estratégico, durante o GP da Áustria de 1982, quando estava na Brabham).
Por fim, Brundle saiu como um raio pelo pit lane – a temporada de 1994 havia começado sem que se estabelecesse uma velocidade mínima na área dos boxes, algo que começou a ser reconsiderado após o GP de San Marino, tanto pelas mortes de Senna e Ratzenberger quanto pelos mecânicos abalroados por uma roda solta de Michele Alboreto no mesmo fim de semana.
Fórmula Brawn
Uma (in)feliz coincidência pôde ser apreciada há poucos dias, quando justamente a McLaren, justamente num GP do Brasil, deixa seu piloto sair dos boxes com uma mangueira acoplada a seu carro (Kovalainen, foto acima).
De 1994 até hoje, 271 GPs foram disputados (272 o serão, contando com Abu Dhabi) sob a efígie do reabastecimento obrigatório. Schumacher, é claro, emerge como o grande vencedor do período (89 vitórias), seguido de Alonso (21), Hakkinen (20), Damon Hill (19) e Raikkonen (18). Ao todo, 26 pilotos venceram neste sistema. Mas os números dão conta de apenas meia verdade se um outro nome não for incluído na estatística: Ross Brawn.
Nada menos que em 111 das corridas com reabastecimento um carro sob sua responsabilidade foi o primeiro colocado. Brawn estava há dois anos na Benetton em 1994, onde permaneceu até o fim de 1996. No ano seguinte, foi levado á Ferrari para trabalhar outra vez ao lado de Michael Schumacher, permanecendo até a aposentadoria do piloto em 2006. Em 2007 se deu uma temporada sabática para então assumir o controle da Honda em seu derradeiro ano. Para 2009, comprou a estrutura o time japonês e colocou, pela primeira vez, o seu próprio nome em um carro.
Outra feliz coincidência, portanto, ou um pouco mais do que isso, que o fim do ciclo destes últimos 15 anos da Fórmula 1 se encerre com uma equipe chamada “Brawn” conquistando o título de pilotos e construtores.
De fato, a última vitória da Brawn GP até o momento, em Monza, foi consequência direta de uma opção estratégica para o reabastecimento dos carros. Enquanto seus concorrentes partiam para dois pit stops, Rubens Barrichello e Jenson Button fizeram apenas um, e o brasileiro subiu ao alto do pódio.
Ross Brawn é também um dos principais responsáveis, senão o principal, por desenvolver a grande fórmula da vitória na Fórmula 1 com o reabastecimento: em poucas linhas, vence o piloto mais rápido pouco antes de parar nos boxes. Com pouco combustível, e se os pneus estiverem relativamente conservados, o carro se encontra em condições ideais para ser rápido, obtendo assim a vantagem comparativa em relação aos competidores.
É importante notar que esta técnica não foi desenvolvida de uma hora para a outra, e que ela não foi adotada sistematicamente de imediato. Dessa forma, três corridas vencidas pela dupla Brawn-Scumacher parecem revelar um panorama esclarecedor da Fórmula 1 em tempos de reabastecimento:
GP da Europa 1994. Talvez a primeira vitória da estratégia na Fórmula 1 do reabastecimento. Schumacher, saindo da pole, perde a primeira posição para Hill, que se distancia na ponta. Com menos de 15 voltas, a Benetton prepara seu primeiro pit stop, fazendo com que Schumacher desfrute de pista livre enquanto Hill se debate contra retardatários na travada pista de Jerez. Após seu primeiro pit, o inglês não consegue se aproximar da Benetton devido ao carro mais pesado, o que consolida a liderança do alemão. O último dos três pit stops de Schumacher se dá a 17 voltas do final, quando Hill já é incapaz de alcançá-lo.
GP da Hungria 1998. Considerada o marco inicial da “era da estratégia” na Fórmula 1. Outra vez, Schumacher partiu para duas paradas programadas, mas, preso atrás das duas McLaren, a Ferrari mudou para uma estratégia de três pits. Com pneus moles, andando com menos combustível e com menos retardatários à frente, Schumacher assumiu a ponta na volta 47 para não mais abandoná-la.
GP da França 2004. Saindo em segundo atrás de Fernando Alonso, a Ferrari planeja para Schumacher uma das estratégias mais ousadas de todos os tempos. A Renault dispunha de um ótimo sistema de largada, e uma ultrapassagem em Magny-Cours, devido ao refinamento aerodinâmico, era praticamente impossível em 2004. Aproveitando-se do pit lane muito curto da pista francesa, Schumacher pára quatro vezes nos boxes, chegando assim em primeiro. Mais tarde, soube-se também que a Shell havia desenvolvido um combustível específico para tal estratégia.
272 ‘desfiles da mangueira’
Em todos os casos – e em tantos outros – o vencedor não teve a necessidade de fazer ultrapassagens para vencer, mesmo largando atrás ou perdendo posições. Não que isso seja um defeito de caráter por si, já que não era incomum ver um piloto chegar à frente de outro após uma troca de pneus mais bem sucedida, antes de 1994. A questão é a sistemática.
Somado ao desenvolvimento aerodinâmico, o reabastecimento tornou as corridas pouco mais dinâmicas que desfiles. Se antes a disputa em pista era o único meio garantido de conquistar uma posição, atualmente ele é evitado, já que o embate direto cria uma relação -/- (menos/menos), em que ambos os carros perdem tempo (e dificilmente se ultrapassam). Logo, os engenheiros nos boxes tratam de evitar a situação, reorganizando a estratégia para que disputas jamais aconteçam fisicamente, mas sim virtualmente, através dos tempos de volta.
Óbvio que este é um modelo conveniente e agradável aos promotores da Fórmula 1, paranoicos com a segurança desde, coincidentemente, 1994. A partir do início desta década, quando a supremacia da Ferrari – obtida pela excelência técnica no primeiro e segundo escalões, além de contratos de exclusividade com fornecedores - começou a desmontar os índices de audiência, os organizadores foram obrigados a responder. Mudaram o regulamento desportivo na esperança de deixar as corridas e o campeonato serem decidido mais pelo sabor do acaso, nos moldes do automobilismo norte-americano. A Ferrari, munida dos melhores engenheiros, além de Ross Brawn, frustrou tais esperanças na maioria das vezes. O resultado direto dessas mudanças foi a complexidade excessiva do regulamento, a acentuação das punições, o desinteresse de empresas em investir no esporte e a perda de credibilidade de seu corpo de dirigentes, que aprofundou a crise na categoria.
Ora, não seria tão mais fácil se, desde aquela época, tivessem decidido por simplesmente banir o reabastecimento?
GP da França 2004. Saindo em segundo atrás de Fernando Alonso, a Ferrari planeja para Schumacher uma das estratégias mais ousadas de todos os tempos. A Renault dispunha de um ótimo sistema de largada, e uma ultrapassagem em Magny-Cours, devido ao refinamento aerodinâmico, era praticamente impossível em 2004. Aproveitando-se do pit lane muito curto da pista francesa, Schumacher pára quatro vezes nos boxes, chegando assim em primeiro. Mais tarde, soube-se também que a Shell havia desenvolvido um combustível específico para tal estratégia.
272 ‘desfiles da mangueira’
Em todos os casos – e em tantos outros – o vencedor não teve a necessidade de fazer ultrapassagens para vencer, mesmo largando atrás ou perdendo posições. Não que isso seja um defeito de caráter por si, já que não era incomum ver um piloto chegar à frente de outro após uma troca de pneus mais bem sucedida, antes de 1994. A questão é a sistemática.
Somado ao desenvolvimento aerodinâmico, o reabastecimento tornou as corridas pouco mais dinâmicas que desfiles. Se antes a disputa em pista era o único meio garantido de conquistar uma posição, atualmente ele é evitado, já que o embate direto cria uma relação -/- (menos/menos), em que ambos os carros perdem tempo (e dificilmente se ultrapassam). Logo, os engenheiros nos boxes tratam de evitar a situação, reorganizando a estratégia para que disputas jamais aconteçam fisicamente, mas sim virtualmente, através dos tempos de volta.
Óbvio que este é um modelo conveniente e agradável aos promotores da Fórmula 1, paranoicos com a segurança desde, coincidentemente, 1994. A partir do início desta década, quando a supremacia da Ferrari – obtida pela excelência técnica no primeiro e segundo escalões, além de contratos de exclusividade com fornecedores - começou a desmontar os índices de audiência, os organizadores foram obrigados a responder. Mudaram o regulamento desportivo na esperança de deixar as corridas e o campeonato serem decidido mais pelo sabor do acaso, nos moldes do automobilismo norte-americano. A Ferrari, munida dos melhores engenheiros, além de Ross Brawn, frustrou tais esperanças na maioria das vezes. O resultado direto dessas mudanças foi a complexidade excessiva do regulamento, a acentuação das punições, o desinteresse de empresas em investir no esporte e a perda de credibilidade de seu corpo de dirigentes, que aprofundou a crise na categoria.
Ora, não seria tão mais fácil se, desde aquela época, tivessem decidido por simplesmente banir o reabastecimento?