Saturday, February 27, 2010

Jamais julgue uma McLaren por seu tempo nos testes


Desde o início da pré-temporada, em Valência, os especialistas advertem aos mais ansiosos que a folha de resultados com as melhores voltas ao final do dia não é confiável para embasar uma análise aprofundada. Isso vale para todas as equipes – mas especialmente para a McLaren.

Um recurso comum que times utilizam nesse tipo de atividade é cumprir com sua agenda ao longo do dia e, ao final, mandar o carro com acerto de treino classificatório e um mínimo de combustível para a pista, e para a mais completa satisfação do piloto.

A McLaren, por princípio, jamais faria isso. Justamente ela, que se orgulha da sisudez em relação às concorrentes. A própria fábrica de Woking, ao contrário de outras, trabalha sem música ambiente e com nada mais que cronogramas enfeitando as paredes. Mas o método de encarar os testes tem uma outra explicação.

Ele se chama Indy Lall. Inglês, pode ser facilmente reconhecido pelos óculos que porta pelos autódromos ibéricos no inverno. Está com Ron Dennis desde a década de 70, destacou-se como mecânico nos anos 80, até que, em 87, foi convidado pelo chefe para ser o primeiro ‘gerente de teste’ da equipe em tempo integral. É a função que exerce desde então.

Em maio de 2002, a revista britânica F1 Racing fez uma matéria com o então piloto de teste do time, Alexander Wurz, do qual Lall foi fonte e personagem inescapável. O texto de Matt Bishop é simpático ao austríaco, que se mostra tão estoico quanto amargurado: “Claro, é importante para mim fazer bonito nos testes, e a McLaren entende isso. Mas eles jamais me deixariam sair para uma volta artificial no fim do dia - eles são sérios demais quanto a esse ponto”.

Lall é mais tácito. “Ele não nos pede uma volta rápida, e nós falaríamos ‘não’ se ele pedisse”.

Na foto: Lewis Hamilton, Barcelona, ontem (crédito: Julien Leroy)

Wednesday, February 24, 2010

Cartazes - GP da Espanha 1975


Amanhã a Fórmula 1 inicia seus últimos e mais importantes testes pré-temporada, no Circuit de Catalunya, próximo a Barcelona, sede do GP da Espanha desde 1991.

A Espanha tem uma história rica no automobilismo, mas, curiosamente, os primeiros passos do esporte a motor no país foram dados em duas de suas províncias mais rebeldes: o país basco e a Catalunha. Talvez daí o nome do autódromo frisar tanto a região que o abriga.

Para marcar a atividade de pista na terra de Salvador Dalí, Antoni Gaudí e Joan Miró, acima está o cartaz do GP da Espanha de 1975, ocorrido em Montjuïc, nas ruas da capital catalã. A menção a grandes nomes das artes visuais e arquitetura está longe de ser casual: a inventividade estética de seus habitantes também ecoa na divulgação do evento.

Nota-se que o cartaz se destaca muito mais como desenho do que, propriamente, como cartaz. Dominante em primeiro plano, a McLaren de Emerson Fittipaldi. Assim fica fácil imaginar a raiva dos organizadores quando ele se retirou da prova em protesto por razões de segurança...

No mais, o uso da luz salta aos olhos, além do peculiar diálogo entre mobilidade e imobilidade - enquanto carros e prédios estão bem focados, as árvores, o asfalto, as rodas e até mesmo o céu parecem se mover.

Note que o cartaz anuncia o circuito de "Montjuich", enquanto aqui no Cadernos ele sempre é citado como Monjuïc. Explica-se: enquanto GP da Espanha, sua divulgação foi feita em espanhol (castelhano). Já a última ortografia é a da língua catalã. Orgulhosos que são de seu território, porém, os organizadores colocaram acima de qualquer outro elemento o logotipo do Reial Automòbil Club de Catalunya.

Monday, February 22, 2010

Preto e dourado


A equipe Lotus produziu um vídeo oficial da temporada de 1973 que acabou se tornando cult, o qual tive a sorte de adquirir há algum tempo. Uma das cenas mais antológicas ocorre durante os treinos para a última corrida, o GP dos Estados Unidos, em que câmera mostra Colin Chapman correndo para os boxes da Tyrrell. Peter Warr já está lá.

Inferimos que Warr o informa sobre um acidente. “Quem foi?”, questiona Chapman. Warr: “Cevert”. “Foi grave?”. “Muito grave”.

Chapman então assume um ar introspectivo. O plano termina com uma expressão intraduzível do fundador da Lotus: “Cevert. Bloody hell”.

Após mais de 30 anos após a gravação, ela dispensa mais explicações. François Cevert, piloto da Tyrrell, morreu após acidente durante os treinos para aquela corrida. Stewart, campeão antecipado da temporada, companheiro e amigo do piloto, juntamente com toda sua equipe, retirou sua participação na prova. Com isso, a vitória de Peterson no dia seguinte coroou a Lotus como campeã entre os construtores.

Poucos minutos após registrar a tristeza com a morte de Cevert, o vídeo acaba com Chapman colando um adesivo dourado, comemorativo do campeonato, em seu carro nos boxes de Watkins Glen.

A sequência ilustra muito bem como a Fórmula 1 oscilava com desenvoltura entre a tragédia e a glória.

Mas o simbolismo da cena final impressiona: um adesivo dourado sendo colocado sobre um fundo negro, num carro de corrida. A glória que se sobrepõe à morte.

A Lotus usou o preto e dourado em seus carros por menos de uma década e meia, em dois períodos distintos, em razão do patrocínio dos cigarros JPS. Mesmo assim, é a pintura mais identificada com a equipe e, por extensão, com a própria história da Fórmula 1.

Talvez não seja por acaso. Talvez a representação da vitória envolta na morte, ou melhor, que emerge desta, tenha facilitado nossa identificação dela com o próprio automobilismo.

(Aqui cabe um parêntese: o simbolismo das cores existe em todas as culturas humanas, mas as tonalidades em si remetem a significados diferentes. Dessa maneira, o preto que nós, ocidentais, associamos impreterivelmente à morte era a cor que preconizava a vida no antigo Egito. Da mesma forma, as cerimônias fúnebres no Japão e Índia atuais se realizam com os presentes em vestimentas brancas).

Também parece ser difícil imaginar outra equipe que não a Lotus com a tal combinação. Desde o início dos anos 60 os carros de competição de Colin Chapman possuíam a fama de serem tão velozes quanto frágeis (no âmbito dos carros de passeio, esta distinção é reservada à Ferrari). E certamente é uma das equipes que mais fez e matou campeões.

Antes de a nova Lotus ser apresentada, especulou-se se iria usar alguma combinação de cores tradicional da marca. Ela usou, mas não o preto e dourado, e sim o British Racing Green com a faixa amarela. A opção por se deixar de lado a pintura “JPS” é mais do que óbvia: na Fórmula 1 atual, tragédia e glória há muito se divorciaram.

Saturday, February 20, 2010

___ Racing Green


Ao escrever o post “Em busca de legitimidade”, há algumas semanas, não imaginei que outra equipe iria corroborar minhas ideias tão rapidamente.

A nova Lotus apresentou recentemente seu novo modelo e pintura, que remete ao British Racing Green usado por sua célebre ‘ancestral’. Na verdade, o verde escuro com uma faixa central amarela não foi aplicado aos carros de Colin Chapman antes de 1963, e descontinuado após a primeira prova de 1968. Não obstante, ela encobre um período glorioso da marca, que compreende quase todas as conquistas de Jim Clark.

Em 1992, a equipe já mantida de pé graças ao sangue e suor de Peter Collins e outros ex-funcionários, reeditou uma pintura em verde e amarelo, mas em outro esquema gráfico. E aquela temporada esteve longe de ser gloriosa.

É importante ponderar que a nova Lotus tem esse nome porque comprou o direito de tê-lo, não porque usa a cor x ou y em sua lataria. É um direito comercial.

A grande intenção da Lotus com sua pintura é apelar ao imaginário do público (do público europeu, em particular), é forjar uma Lotus “como ela seria” se não tivesse acabado. No entanto, o verniz do passado não pode encobrir o fato de que Trulli e Kovalainen pilotarão, fundamentalmente, o simulacro de uma Lotus.

E um simulacro, ainda que bem construído, não será mais do que um simulacro.

Thursday, February 18, 2010

A pátria de volta à pista


Quando as seleções inglesa e alemã de futebol se enfrentam, vem à tona uma rivalidade que passa a maior parte do tempo sem se manifestar. Provocados pelos germânicos pelo menor número de títulos em Copas do Mundo, os ingleses costumavam responder com o famoso grito: “Two World Wars and One World Cup” (“Duas Guerras Mundiais e Uma Copa do Mundo”). Hoje há um esforço conjunto para que o grito não seja entoado, por razões óbvias.

Atualmente ambas as potências mantém relações diplomáticas cordiais, e as gerações posteriores optaram por não levar adiante as inimizades que deflagraram os conflitos mais sangrentos da história da humanidade. Mas, curiosamente, a Fórmula 1 vê surgir em 2010 duas equipes com forte apelo nacionalista: a McLaren britânica e a Mercedes alemã.

Esse tipo de polarização surpreende por acontecer justamente num período em que a pressão econômica cada vez mais dilui fronteiras. Os próprios alemães se aglutinam sob o comando de Ross Brawn, inglês de Manchester, e mantém a sede da equipe em Brackley.

A McLaren foi por muito tempo a equipe oficial da Mercedes e estampou uma série de empresas germânicas em sua lataria prateada, porém as relações com Stuttgart têm se desgastado. Ano passado desenvolveram, inclusive, um superesportivo de rua (o MP4-12C) para competir em vendas com os próprios parceiros. Neste ano consumaram o divórcio, mas garantiram o fornecimento de motores por mais algumas temporadas.

Com a definição dos pilotos, as intenções nacionalistas ficaram claras. O anúncio de Button ao lado de Hamilton para compor um line-up 100% inglês teve o impacto de um bombardeio sobre Dresden. Já as contratações de Rosberg e Heidfeld, e o triunfal retorno de Schumacher soaram como a Luftwaffe se aproximando de Londres.

É consenso, no debate geopolítico, que a ascensão do poderio capitalista e o enfraquecimento do Estado contribuíram para a relativa (nem de longe total) derrocada do nacionalismo. Interessante notar, porém, que o mundo, sobretudo o desenvolvido, acabou de passar por uma crise estrutural. Mais: a zona do Euro se defronta atualmente com o maior problema já surgido em sua história, abalando o sonho de unidade europeia cultivado há 60 anos.

A decisão de Mercedes e McLaren de montarem times “nacionais” não parece ter sido nem um pouco casual. Não que elas esperem que o governo as banque, muito pelo contrário, mas não seria uma estratégia para conquistar torcedores, estabelecer uma torcida fiel, angariar patrocínios mais facilmente?


Mais que isso, há motivos para se suspeitar que algumas formas “derrotadas” do nacionalismo tenham aproveitado o menor recuo da ideologia neoliberal para forçar um renascimento.

Será que essa tendência se confirma? Em 2010, talvez a Fórmula 1 nos dê uma resposta.

Tuesday, February 16, 2010

Vídeo: Schumacher, Jerez de la Frontera, 1997



Aproveitando que a Fórmula 1 dará prosseguimento aos testes em Jerez a partir de amanhã, o vídeo acima registra Michael Schumacher em sua precisa condução durante o GP da Europa de 1997. Trinta voltas antes de manchar sua carreira para sempre.

Neoconcretismo


Novos pilotos, novas equipes, o retorno de outros tantos... Os torcedores têm razões para se sentirem esperançosos em relação a 2010. Mas um outro motivo para tal precisa constar na lista: o retorno do GP do Canadá ao calendário.

Além da bela paisagem, de ser um sucesso de público, de ser uma pista adorada pelos pilotos, o circuito de Montreal vem a suprir uma deficiência grave na temporada atual: a falta de muros.

Imagens como a da foto acima, de Kovalainen em 2008, são cada vez mais raras. Novos autódromos e tilkódromos costumam vir acompanhados de grandes áreas de escape que perdoam até mesmo os piores erros dos pilotos - mesmo nas pistas de rua, é difícil ver uma batida. Quer dizer, uma que não seja proposital.

Em Montreal é diferente, pois curvas de alta convivem com barreiras de concreto, como é de se esperar de um circuito quase urbano, formulado na década de 70.

Por isso, assinale com um 'x' na agenda o próximo dia 13 de junho. Desmarque os eventuais compromissos, sente-se confortavelmente na poltrona e curta um dos pontos altos da temporada deste ano.

Monday, February 15, 2010

Pedro de la Rosa, GP da Austrália, 1999


O catalão Pedro Martinez de la Rosa chegou em sexto logo na sua primeira corrida, em Melbourne, 1999. Atrás dele, seu companheiro Tora Takagi, Michael Schumacher em uma corrida problemática e uma legião de pilotos que bateram, quebraram, saíram de pista ou sequer lagaram.

Ao longo de sua carreira cumpriu duas temporadas completas na Arrows e duas na Jaguar, após a qual foi dispensado. Arrumou-se como piloto de testes da McLaren, que acabou lhe concedendo mais algumas oportunidades de alinhar no grid: no GP do Bahrein de 2005, cobrindo parte da 'licença médica' de Montoya; e do GP da França de 2006 até o fim da temporada, seguindo a demissão do colombiano.

Conseguiu o melhor resultado da carreira, segundo, no asfalto encharcado do GP da Hungria do derradeiro ano. Mas voltará ao circo em 2010, a bordo da nova BMW-Sauber, sabe-se lá por qual motivo.

Imola pós-Variante Bassa


A foto acima, que retrata a corrida de Fórmula 2 ocorrida no ano passado, mostra como ficou a reta dos boxes de Imola após a reforma de 2006/2007.

Imola possui uma enorme relevância na história recente do automobilismo, por isso acredito ser interessante dar um panorama geral das mudanças de traçado nos últimos 20 anos. Antes dos acidentes de Senna e Ratzenberger, era conhecida como uma pista de alta velocidade, com pelo menos um grande trecho de aceleração ininterrupta, do início da reta dos boxes até a Tosa.

Entre 1994 e 1995, e inaugurando os novos tempos, o traçado foi alterado em cinco pontos diferentes: a adição de chicanes na Tamburello e na Villeneuve; a reconstrução da Acque Minerale para aumentar a área de escape; a antecipação da Rivazza também para aumentar a área de escape e a eliminação da antiga Variante Bassa - e a antiga chicane Traguardo, entre a entrada dos boxes e a reta dos boxes, que permaneceu inalterada, "herdou" o nome Variante Bassa.

Nessa configuração a Fórmula 1 correu entre 1995 e 2006, sendo que nos últimos anos a dificuldade de ultrapassar no circuito era patente.

Para resolver o problema, que se somava às estreitas instalações do paddock, decidiu-se eliminar de vez a Variante Bassa, criando assim uma grande reta entre a Rivazza e a chicane da Tamburello. O projeto foi assinado, claro, por Hermann Tilke.

No entanto, e assinalando a "marcha para o Oriente" da categoria, a FIA concedeu a homologação "1T" para o circuito, que permite testes oficiais de Fórmula 1, mas não corridas. E assim resta a Imola abrigar as categorias menores. É improvável que os tifosi voltem a colorir de vermelho as outrora lotadas arquibancadas do circuito.

Sunday, February 14, 2010

Vídeo: Alessandro Nannini, GP de San Marino, 1990



Ver Alessandro Nannini pilotar sempre deixava os espectadores perplexos: para o bem ou para o mal. No vídeo acima, sem dúvida para o mal. Uma das ultrapassagens sobre retardatário mais mal executadas da história.

Os manuais de pilotagem ensinam: jamais olhe para o adversário. Isso vale para a maioria dos esportes ditos individuais, do tênis ao atletismo ao automobilismo. Nannini nos mostra por quê. Participação especial de Andrea de Cesaris.

Brabham, Jerez de la Frontera, 1990


Já faz muito tempo que as equipes da Fórmula 1 desembarcaram pela última vez suas tralhas para disputar o GP da Espanha em Jerez. Mas o circo continua rondando o circuito até os dias de hoje. Após uma pausa para o carnaval, os testes na desértica paisagem andaluz prosseguem do dia 17 ao dia 20 de fevereiro.

Saturday, February 13, 2010

Nova Silverstone, velha Silverstone

Alguns meses atrás, publiquei a imagem abaixo como o futuro traçado de Silverstone para a MotoGP e, talvez, para a Fórmula 1.

Pois bem, o projeto sofreu alterações e a versão final parece ser a da imagem acima. Nesta semana ela foi finalmente confirmada como o traçado do GP da Grã-Bretanha de 2010. Dentre as diferenças, nota-se que as curvas do 'infield' se tornaram mais sinuosas. Em compensação, a Abbey volta a ser uma curva de alta velocidade, algo que não se via desde 1993.

A volta ficará mais longa, em torno de 5,9km. Para 2011, espera-se mais uma alteração: a mudança do paddock, que se localizará logo após a curva Club - algo que já se estudava fazer desde 2003.

Vídeo: Teste da Dome Racing em Motegi, 1997



Nos últimos meses temos visto a derrocada de equipes de Fórmula 1 que sequer chegaram a correr, USF1 e Campos Meta. Destino semelhante teve, no final dos anos 90, a japonesa Dome Racing.

Se você não conhece a história, os blogs F1 Nostalgia e A Mil por Hora têm posts sobre o assunto que valem a pena uma olhada.

Além do que já foi dito por eles, coloco acima um vídeo bastante detalhado sobre o teste que a Dome realizou no circuito de Motegi (a mesma pista onde a MotoGP corre atualmente), em 25 de setembro de 1997.

Ele está quase totalmente em japonês, mas algumas legendas em inglês nos dão algumas referências. O piloto, provavelmente (alguém pode me confirmar?) é Shinji Nakano.

Também digno de nota: os infográficos que aparecem durante a volta onboard. Eles parecem aqueles joguinhos de vídeo game japoneses arcade de muito tempo atrás.

Nota da redação - Operação carnaval

Caros leitores,

De hoje até a próxima terça-feira é carnaval e, sendo a ampla base de leitores desta página brasileiros, que costumam atribuir grande importância às festas desta data, o regime de atualização do blog será levemente atípico até o dia 16.

Mas não se preocupem, porque esse modus operandi deve agradar a muitos: redigi antecipadamente vários posts pequenos, com curiosidades ou simples comentários sobre assuntos atuais ou não muito. Eles foram previamente agendados e entrarão no ar periodicamente, com mais de um post novo por dia. Não se trata das reflexões muito desenvolvidas que costumam ser o carro-chefe desta página - meu critério foi falar do que fosse agradável.

Espero que leiam, durante ou depois da folia, e que gostem!

Thursday, February 11, 2010

Tendência figurativa


Muitos detalhes podem ter chamado a atenção no lançamento do novo carro da Red Bull ontem, em Jerez: as linhas convencionais, os novos patrocinadores estampados ou até o estranho gorro que Vettel estava usando. Algo igualmente digno de menção é a pintura do aerofólio, que reproduz a latinha que dá nome ao time.

É importante atentar a ela por ser uma das únicas (ou única?) apostas numa pintura figurativa este ano. Isso não influi no rendimento do carro em pista, claro, mas revela a forma de a equipe lidar com sua exposição midiática.

Quem algum dia leu sobre a história da arte no século XX sabe que as manifestações estéticas migraram do figurativismo para o abstracionismo na fase moderna. A pintura dos carros na Fórmula 1 se movimenta na direção contrária: está calcada no abstrato e, eventualmente, se desloca para o figurativo.

Uma das primeiras e mais radicais apostas nesse sentido foi realizada pela Hesketh, no final dos anos 70, ao estampar desenhos de pin-ups na lataria. A Shadow também desenhou leões no mesmo período. Hoje, no entanto, é impossível vê-las exceto como uma manifestação isolada e kitsch – certamente chamou a atenção, mas não parecia fazer sentido.

Já nos anos 90 foi a vez da Jordan retomar a incursão figurativista, brincando com o bico de seus carros. Primeiro estampou uma cobra, depois uma abelha e, finalmente, um tubarão estilizado.

Agora é a vez da Red Bull, que estampa pela primeira vez num carro de Fórmula 1 a imagem do produto que quer vender. Seus modelos sempre ostentaram o touro estilizado, mas ele funcionava mais como ícone do que como uma foto. E, por mais que a abelha no carro da Jordan remetesse ao patrocinador, eles vendiam cigarros, e não abelhas.

A aposta da Red Bull em apresentar seu produto (a latinha) em vez apenas do logo é bastante consciente: ela sabe que seus consumidores estarão assistindo a corrida pela TV. Não apenas pela TV, mas em TVs grandes. Nos anos 70 a Fórmula 1 chegava aos telespectadores, via de regra, em formato pequeno e de baixa resolução, quando não em preto e branco. Hoje a recepção mudou – mas não a forma das equipes estamparem seus patrocinadores.

Olhar a Red Bull este ano, portanto, será importante não apenas pelo seu desempenho, mas também para ver se sua forma de anunciar o produto dará certo.

Afinal, é uma questão de tempo para que as corridas passem a ser transmitidas em full HD – embora a FOM resista a adotar tecnologias mais avançadas de resolução, alguma hora ela terá de ceder.

E quando a alta definição chegar à Fórmula 1, talvez as outras equipes adotem a mesma estratégia. Para além de Adrian Newey, a Red Bull está lançando tendência.

Tuesday, February 9, 2010

O primeiro "track day" em Interlagos, 1939


Estadão, dia 15 de abril de 1939. A S.A. Auto-Estradas publica um convite aos paulistanos em geral, aos "technicos" e aos "volantes" (que ainda não eram chamados usualmente de 'pilotos') em particular, para que deem uma volta no traçado do autódromo de Interlagos, ainda em construção.

Estarão presentes, entre outros, os organizadores da corrida da Gávea. O principal objetivo do que hoje seria chamado de "track day" é coletar opiniões sobre a pista para eventuais reparos antes que ela seja asfaltada.

O descobridor deste documento único foi meu amigo Leonardo Zanon, que o encontrou enquanto dava uma passada pelo Arquivo Público do Estado - para quem mora em São Paulo, uma fonte inesgotável de material de pesquisa.

O desenho da pista mostra, além do antigo traçado, uma série de equipamentos (salvo engano) jamais concluídos, como um estádio, quadra de tênis, grandes arquibancadas nas curvas 1 e 2 e no lado interno do Mergulho, restaurante e um estacionamento de proporções faraônicas.

A nota também ensina como chegar à longínqua Interlagos. Interessante notar que o procedimento envolve pegar uma auto-estrada...

Monday, February 8, 2010

Bom trabalho


Não, não me refiro à performance de Rubens Barrichello durante os testes em Valência na semana passada - há pouco mais que nada possível de se deduzir com o resultado destes testes. Neste caso, me refiro ao fotógrafo que assina a imagem acima, o qual não me é dado a saber o nome.

Para além do objeto da fotografia (o carro pilotado por Barrichello), ele soube usar o movimento para construir as linhas horizontais que constituem seu 'campo', ou contexto.

Dessa forma, enquanto o objeto permanece mudo, sem agregar informação, o contexto fala e se torna o punctum da imagem. O vai-e-volta dos guard rails e a ausência de torcedores na arquibancada constroem, mais do que um registro, uma opinião sobre os testes da pré-temporada.

Friday, February 5, 2010

A hipertrofia de Sakhir


A etapa inaugural da temporada da Fórmula 1 será disputada em um circuito parcialmente novo: os carros percorrerão um inédito anexo da pista de Sakhir, que estende a volta de 5.412km para 6.299km.

O efeito real de tal mudança permanecerá incógnito até que algum monoposto saia do pitlane barenita, mas é razoável supor que a média final de velocidade caia devido às oito novas curvas (sendo que uma das ‘antigas’ será contornada também mais lentamente).

O aumento da extensão ecoa um fenômeno antigo e concretiza um fenômeno novo na Fórmula 1. O antigo é que a média do comprimento das pistas onde Fórmula 1 corre vem aumentando. O novo é que os autódromos parecem estar “esticando” seus próprios traçados.

Da mesma forma que Sakhir, Silverstone também pretende inaugurar um circuito mais longo este ano – a mudança ainda está sujeita à logística da Fórmula 1, já que a nova seção tomará espaço de parte do paddock.

Parece haver uma diferença essencial, porém. Enquanto o novo layout de Silverstone se volta para dentro (como se quisesse buscar sua essência?), a nova seção de Sakhir cresce para fora, de maneira hipertrófica, cancerígena.

Segundo os organizadores da prova, a parte nova foi finalizada em 2006 e pensada para provas de longa duração – em que dezenas de carros de todos os tipos se inscrevem. Numa Fórmula 1 que promete um grid de 26 carros, mas que corre em Mônaco e corre o risco de alinhar menos de 20 na estreia, logo nota-se que acomodar os novatos não é o motivo pelo qual a pista ficou maior.

O que, então, teria feito os diretores de Sakhir saírem da zona de conforto? Ou, mais poeticamente: onde eles querem que os 800m adicionais de pista os levem?

É de conhecimento público que o pequeno principado é sedento por publicidade, e que é pródigo em usar seu GP como um gigantesco outdoor – mesmo que a corrida descambe em uma tediosa hora e meia de um desfile de pilotos. Um bom traçado não costuma ser, atualmente, um indicativo de boas corridas, mas pode ser capaz de atrair alguma atenção da mídia.

Além disso, Sakhir se torna a segunda pista mais extensa do campeonato, superando Suzuka, atrás apenas de Spa-Francorchamps. E quando você imaginou que algum dia veria “Spa-Francorchamps”, “Suzuka” e “Sakhir” citadas na mesma frase?

Wednesday, February 3, 2010

Em busca de legitimidade

Foi numa cerimônia simples, como quase todas as outras, que a Renault apresentou o carro com o qual correrá em 2010. Confirmando os boatos, o bólido que se escondia debaixo do pano à frente dos boxes 15 e 16 do Autódromo Ricardo Tormo era mesmo preto e amarelo. Ok, tinha um pouco de vermelho também – patrocínio não se escolhe, é verdade.

O fato é que a Renault voltava a remeter em suas cores às suas primeiras incursões no automobilismo. Quando a marca francesa alinhou para o GP da Grã-Bretanha de 77 era uma lataria pintada de amarelo e preto que revestia o ousado motor turbo. Com um padrão cromático semelhante a equipe correu até se desligar da categoria pela primeira vez, em 85.

Nos anos 2000, quando voltou a competir como construtora, pouca ou nenhuma concessão foi feita às cores originais. O azul da marca de cigarros, o laranja da seguradora, o amarelo sempre fora de contexto.

Mas agora a velha pintura voltou. Estranho, porém, que ele retorne no mesmo momento em que a Renault sai. De “Renault” a atual equipe guarda pouco mais que o nome, já que o controle acionário está agora em mãos do fundo de investimento Genii Capital, de Luxemburgo.

Outra menção ao passado que ganhou as manchetes foi a da Mercedes, que volta a batizar uma equipe de Fórmula 1 após mais de 50 anos. A importância com que tratou de sua imagem foi patente: a apresentação da nova pintura foi uma glamourosa recepção em Stuttgart, a partir de um Brawn GP do ano passado. A apresentação do novo modelo, como a Renault e outras, foi colocar o carro na frente da garagem em Valência, pouco antes de ir para a pista.

Dois detalhes merecem nota: em primeiro lugar, o nome do modelo, W01 - os modelos da marca começam com W desde os anos 30. E em segundo lugar, a numeração dos carros foi desenhada à maneira dos carros dos anos 30 e 50, em vermelho dentro de um círculo branco. Uma referência inesperada, já que a cor prateada, supunha-se, seria suficiente para remeter aos dias gloriosos.

Por que gravar o passado “na carne” dos novos carros? O que explica tanto afinco em registrar as próprias origens, em voltar às velhas cores e aos velhos padrões gráficos?

A Fórmula 1 tem alardeado que em 2010 voltará a sua “velha forma”, com o “bom e velho” grid de 26 carros e corridas sem reabastecimento “como antigamente”. Há todo um movimento de retorno, de refluxo, que faz parte de uma nova tentativa de legitimação da categoria.

Mas afinal, como legitimar um carro “Renault” que a Renault sequer se dignou a custear? E como legitimar um carro Mercedes desenvolvido em Brackley a partir do projeto uma equipe inglesa cujo poder está centralizado em um inglês?

A resposta, para Mercedes e Renault, está dada: pinte-se por cima, com o verniz do passado.

Tuesday, February 2, 2010

Indie Rocks – Team Gunston, África do Sul, 1971


Um mês não foi suficiente para publicar a quantidade de material que coletei para falar sobre o "país da Copa". Dessa forma, termino a série um pouco mais tarde do que o prometido - e com o hd cheio de material para publicar. Por isso ela talvez volte, em outros moldes, no meio do ano - depende da receptividade do público e de uma eventual oportunidade para abordar o tema.

A foto acima está colocada para ilustrar o que foi afirmado no último post sobre o
Team Gunston – que era um dos mais profissionais do continente africano.

Aí está a prova. John Love passou a maior parte das 30 voltas que completou no GP da África do Sul de 1971 à frente de Ronnie Peterson. Aliás, seguido de perto por este. Ambos corriam com um March-Ford. Mas enquanto o sueco estava na equipe de fábrica com o novo modelo 711, Love pilotava o “ex-works” 701, da temporada anterior.

Foi o penúltimo ano do Team Guston em Grandes Prêmios. A partir de 1973, as equipes clientes sul-africanas desapareceram dos grids da Fórmula 1, já que as competições regionais, que os ocupavam durante o resto do ano, passaram a usar os Fórmula 5000.

A título de curiosidade, atrás de Peterson, na foto, está outro piloto local: Dave Charlton, em uma Brabham.