Monday, December 29, 2008

Retrospectiva 2008 – Solitude

Para marcar o retorno de Hockenheim ao calendário da Fórmula 1 após sua ausência em 2007, o Cadernos publicou um pequeno texto a respeito do circuito de Solitude. Nonsense? De modo algum. Solitude era uma antiga e célebre pista de estradas que achou-se por bem fechar, em meados dos anos 60, pelo risco que oferecia a pilotos e espectadores.

Entretanto, era um circuito próximo a Stuttgart e às sedes da Porsche e da Mercedes, e era do interesse de muitos que os eventos automobilísticos importantes permanecessem na região. Hockenheim, também próxima de Stuttgart, existia desde o início dos anos 1930, mas jamais obtivera muita relevância na cena automobilística. De qualquer forma, ela foi a escolhida para substituir Solitude. Não à toa, duas provas de carros esporte disputadas em Hockenheim, em 1968 e 1969, foram chamadas de Solituderennen.

Calhou de o “novo” circuito necessitar de uma reforma, devido à construção de uma Autobahn, pouco antes da desativação do velho (Ico só não disse que, até esta época, corria-se por lá no sentido anti-horário). Por isso mesmo, o próprio desenho do trecho mais célebre de Hockenheim, o Estádio, foi inspirado em um setor de Solitude, na qual os carros, após um longo trecho de curvas de alta e grandes retas no meio da floresta, adentravam em uma vila de curvas fechadas e grande concentração de torcedores.

Este setor está representado à direita no mapa abaixo, entre as indicações de quilômetro seis e oito.

Na cena automobilística européia, o Solituderennen foi disputado a partir dos anos 1920, em um traçado muito maior, que abrangia outras estradas da região, como uma prova de Fórmula Libre. Em 1949 e 1950, ocorreu como uma prova de Fórmula 2. Houve um evento isolado em 1956, com carros esporte, para voltar em 59 com a Fórmula Junior, categoria extinta no ano seguinte com a volta da Fórmula 2. De 1961 a 1964, foi um evento de Fórmula 1 que não contava pontos para o mundial de pilotos e em 1965, finalmente, o derradeiro Solituderennen no circuito foi corrido mais uma vez pela Fórmula 2.

Nunca a Fórmula 1 repetiu um vencedor no evento: Innes Ireland ganhou em 1961, Dan Gurney no ano seguinte, seguido por Jack Brabham e, finalmente, Jim Clark.

Nota: Este é o último post do ano. A todos os leitores cristãos ocidentais, um bom 2009. Aos outros, passar bem as próximas 55 luas. Este blog volta a ser atualizado no dia 5 de janeiro. Muito obrigado por este ano.

Saturday, December 27, 2008

Retrospectiva 2008 – Newey comenta a Lotus 72


Falou-se, no dia 28 de maio do modelo D6 da equipe ATS, que correu em 1983. As informações vêm quase todas de Adrian Newey, retiradas de uma matéria da revista Racing número 65.

A tal matéria, publicada em 2001, é creditada ao grupo Motorpres internacional e é (muito mal) traduzida por Maria de la Paz. Nela, Newey comenta seus carros preferidos na história da Fórmula 1. Além do já referido ATS, o mais pop dos projetistas também elege os Lotus 72C e 79, além de seu McLaren MP4/13.

De longe, o primeiro carro recebe os comentários mais interessantes. O Lotus 72 foi o primeiro carro que deixou o modelo de “banheira com rodas” para adotar a forma e cunha, radiadores laterais e não frontais, além de freios inboard, que nunca, nem antes nem depois, apareceu em outro modelo na história da categoria. Supõe-se, inclusive, que uma falha destes freios tenha jogado Rindt contra o muro em Monza, em 1970, antes da entrada da Parabólica, matando o piloto austríaco.

“O bico mais pontiagudo melhorou a passagem de ar pela asa dianteira e os radiadores posicionados no centro do carro otimizaram a distribuição das forças”, declarou Newey. Seus elogios, porém, acabam por aí.

“Na Lotus, o aerofólio ficava muito perto do motor e da caixa de câmbio. Isso prejudicava a passagem de ar pela asa. Chapman não dispunha de uma tomada de ar. Ele arriscou”. Newey também aproveita para especular se as formas cônicas, empregadas nos carros atuais, não seriam mais eficazes, em detrimento ao formato de cunha que Colin Chapman empregou: “Se essa escolha tivesse sido feita naquela época, poderia ter dado certo, porque a concorrência nem sonhava ainda com a aerodinâmica”.

Tuesday, December 23, 2008

Retrospectiva 2008 – Clermont-Ferrand


Com o clima de fim de ano e as poucas atualidades relevantes, o Cadernos publica, daqui até o fim de 2008, uma pequena retrospectiva. Não exatamente do ano, mas daquilo que rolou no blog nestes últimos doze meses, sempre com mais fotos e mais informações sobre o tema abordado.

Para começar, eis o capacete de Hemult Marko depois que um pedregulho atravessou sua viseira no GP da França de 1972, em Clermont-Ferrand (clicado por Bernard Cahier). Uma breve história da pista está neste post do dia 2 de maio.

O jovem austríaco causou uma boa impressão nos treinos ao classificar-se em sexto, em sua BRM, para a largada, com o tempo de 2min57s3 – a pole, de Chris Amon, foi marcada em 2min53s4. Pulou para quinto na largada, mas foi ultrapassado por um inspirado Emerson Fittipaldi, que saíra em oitavo e terminaria em segundo. Na nona das 38 voltas, porém, a roda traseira da Lotus do brasileiro lançou o detrito na pista diretamente para um dos olhos de Marko, cegando-o imediatamente. Abandonou a pista e a carreira. Tampouco Clermont-Ferrand voltou a ser sede de um GP, apesar de a Bell ter desenvolvido uma viseira à prova de balas após o contratempo.

Marko nunca se ausentou totalmente do automobilismo, e ajudou jovens austríacos, como Gerhard Berger, por exemplo, a ingressarem na Fórmula 1.

O blog volta a ser atualizado no próximo sábado, portanto, bom natal a todos. Lembrem-se de que não é o aniversário do Papai Noel que se comemora no 25 de dezembro.

(Para quem quiser saber mais sobre Clermont-Ferrand, prometo que o blog falará muito mais sobre esta fantástica pista no começo do ano que vem!)

Saturday, December 20, 2008

Ritualidades

Aproveitando o tema do post anterior.

A definição e a própria validade do fotojornalismo, por incrível que possa parecer a um leigo, é amplamente questionada nos meios acadêmicos. Se a foto constitui notícia, se ela pode ser dotada de valor jornalístico, há muita gente empenhada em derrubar tudo isso. Mas é outra discussão.

No que se refere à Folha de S. Paulo, brinca-se que muitas de suas legendas poderiam vir em braile, pois servem apenas a quem não consegue ver o que está retratado.

No entanto, ao longo desta última temporada, o problema que se viu a Folha cometer, na cobertura da Fórmula 1, foi o abuso das imagens rituais, a saber: largadas, chegadas, piloto vencedor saindo de seu carro e pódio.

Das oito corridas apontadas, apenas em uma, o GP de Cingapura, a imagem principal não se enquadra numa das quatro categorias acima mencionada.

Mas por que está errado lançar mão destas imagens? Na verdade, não está. Mas é pouco criativo e empobrecedor, por um único motivo: ora, largadas, chegadas, comemorações e pódios acontecem em toda corrida. Nunca houve uma corrida sequer na história da Fórmula 1 sem uma largada (parada ou em movimento, não importa), sem uma chegada e sem um vencedor. Logo, estes momentos não se justificam para serem expostos com tanto destaque.

No caso do GP de Cingapura, a imagem da Ferrari de Felipe Massa levando consigo a mangueira de combustível acoplada não é algo que se veja em todo santo GP. Mais que isso, remete a um fato que modificou os rumos da corrida e do campeonato, e, por isso, foi muito feliz em tornar-se destaque no jornal.

O retrato de Vettel jogado para cima após sua vitória também é justificável, pois trata-se de um piloto que nunca havia vencido antes, e que não era exatamente um favorito. Mas a comemoração pela vitória não é, por si só, algo digno de aparecer no jornal. A notícia ocorrem aí sim, quando o vencedor não comemora (exemplo: os irmãos Schumacher no pódio do GP de San Marino de 2003, realizado após a morte da mãe destes).

Pessoalmente, sou um pouco contra esse dogma de publicar uma foto apenas quando ela é notícia. Acredito que qualquer imagem pode ser impressa, desde que ela seja dotada de uma coerência interna relevante. A julgar pelo desfile de trivialidades que a Folha imprimiu em suas páginas reservadas à Fórmula 1, porém, seus editores não devem partilhar da mesma opinião.

Thursday, December 18, 2008

Folha de S. Paulo e Fotojornalismo: pódio, chegada, pódio, chegada, pódio...

Guardei, neste ano, sistematicamente, as matérias que a Folha de S. Paulo publica sobre as corridas de Fórmula 1 (às segundas-feiras, portanto), desde o Grande Prêmio de Mônaco até a última, no Brasil. Por puro descuido, perdi as edições que relatavam os GPs da Alemanha e da China. Quanto aos textos de Tatiana Cunha, não tenho comentários a fazer. O que chama a atenção são as fotos escolhidas para ilustrar as reportagens. Vamos a elas:

Mônaco (edição de 26 de maio) – Duas fotos. A principal, um close-up em Hamilton, ainda no carro, com as duas mãos levantadas, em sinal de comemoração. A menor mostra o pódio.

Canadá (edição de 9 de junho) – Na primeira página do caderno Esporte, Kubica , dentro do carro, com mecânicos de sua equipe em volta, comemorando. Na página 2, uma foto de Felipe Massa em ação, na qual só se pode ver o carro e mais nada, e um close-up de Kubica com um troféu na mão. Estranho não haver foto alguma do principal momento da corrida, a batida entre Hamilton e Raikkonen nos boxes.

França (edição de 23 de junho) – Uma grande foto de Massa, vencedor, recebendo a bandeira quadriculada. Outra de Felipe, em plano médio, no pódio.

Grã-Bretanha (edição de 7 de julho) - Uma grande foto de Hamilon, vencedor, recebendo a bandeira quadriculada. Uma de Barrichello, em plano médio, no pódio. Hamilton em close-up, no pódio. Um pit stop de Massa e a última foto, muito pequena, que mostra Massa atravessado na pista enquanto Hamilton passa por ele.

Hungria (edição de 4 de agosto) – Duas imagens da largada: uma em plano de conjunto e outra mais fechada, na disputa entre Hamilton e Massa. Outra menor, onde Hamilton trava os pneus com Felipe à sua frente, e outra de Kovalainen com um troféu na mão.

Europa (edição de 25 de agosto) – Grande foto de Massa saindo de seu cockpít. Uma menor, de Jean Todt ajudando um mecânico da Ferrari caído a se levantar e outra pequena, de Alonso, em close-up.

Bélgica (edição de 8 de setembro) – Imagem do pódio que mostra Hamilton e Massa conversando. Uma série de pequenas imagens, abaixo, retiradas da transmissão da tv, com a disputa entre Lewis e Raikkonen.

Itália (edição de 15 de setembro) – Grande destaque em que Vettel é jogado para cima por (presume-se, como a legenda informa) mecânicos da Toro Rosso. Outra imagem revela Raikkonen contornando uma chicane, perseguido por Hamilton.

Cingapura (edição de 29 de setembro) – Felipe Massa, com o que sobrou da mangueira de combustível acoplada a seu carro. Mecânicos da Ferrari, ao fundo, o observam. Pequenos close-ups de Hamilton no pódio com seu troféu e de Alonso em sinal de comemoração.

Japão (edição de 13 de outubro) – Grande plano geral da largada, na qual se vê Hamilton travando as rodas. Seqüência de pequeno instantâneos que retratam o toque entre Massa e Hamilton. Close-ups de Alonso e Kubica............ (adivinha?) no pódio.

Prefiro desconsiderar a cobertura do GP do Brasil, simplesmente porque é uma cobertura anômala, o evento é realizado na cidade onde está o jornal e há outros valores-notícia em questão.

Notaram algo? Algum tipo de... padrão? No próximo post, algumas linhas sobre esse monte de repetições. Aguardem!

Tuesday, December 16, 2008

O GP da Alemanha de 2008, por Nigel Roebuck


Aproveitando o fim de ano, o clima de retrospectiva e a falta de assunto. Na edição de setembro deste ano da Motorsport, o jornalista veterano inglês aproveitou algumas de suas oito páginas fixas para comentar o clima da corrida realizada em Hockenheim.

Reproduzo um trecho:
O ritmo das mudanças na Fórmula 1 – em todos os aspectos – nunca pára de surpreender. Apenas dois anos se passaram desde o último GP da Alemanha em Hockenheim, e nove dos pilotos no grid no evento deste ano nunca tinham pilotado um carro da categoria por lá antes. Ainda mais impressionante, talvez, seja que, sendo cinco dos 20 participantes alemães, dever-se-ia esperar por uma multidão considerável, se não comparável aos velhos tempos de Hockenheim, quando se registrava mais de 120 mil pagantes.

De fato, menos de 70 mil ingressos foram vendidos, e no dia da corrida havia grandes espaços vazios em muitas das arquibancadas. Pela terceira vez em quatro semanas, eu me vi num circuito cujo futuro na Fórmula 1 parece estar em grande perigo.

Ao longo do fim de semana, inclusive, apareceram rumores de que o autódromo deveria declarar falência em questão de dias, embora pareça improvável, e não só porque Hockenheim é um pilar fundamental da DTM,o que pode não contar muito no resto do mundo, mas que tem muitos seguidores na Alemanha, o que é bastante significativo para Mercedes-Benz e Audi, suas duas únicas participantes.

Além disso, havia a suspeita de que aquele seria a última vez que Hockenheim abrigasse o GP da Alemanha, e muitas razões foram levantadas para este declínio. Primeiramente, a Alemanha está sofrendo bastante devido ao florescimento da crise econômica (apesar de que a Grã-Bretanha também está, e veja as arquibancadas lotadas de Silverstone); além disso, disseram os locais, muitos devotos de longa data de Hockenheim voltaram-se contra o lugar em 2002 quando, com um golpe de seu bisturi, Hermann Tilke removeu uma milha e meia do traçado. Mesmo nunca tendo sido um circuito para os deuses, Hockenheim, com suas longas retas através das florestas, ao menos se beneficiava de personalidade própria, e embora Tilke tenha pragmaticamente desenhado ‘um ponto de ultrapassagem’ no novo layout, muita gente se voltou contra ele, e jamais retornou.


Roebuck não nega que a maior parte do público alemão jamais retornou a Hockenheim porque Michael Schumacher parou de correr, e o país parece ter tanto talento para produzir campeões em série quanto a França. O jornalista inclusive cunhou uma expressão fantástica para o fenômeno: Post Michael Stress Disorder (“distúrbio de stress pós-Michael”).

A fragilidade de Hockenheim no calendário se somou à de Silverstone (muitos na Grã-Bretanha desconfiam que Ecclestone só mudou a sede do GP para Donington porque sabe que lá não haverá condições de se organizar uma corrida, riscando assim a ilha da Fórmula 1) e Magny-Cours, a qual todos sabiam que não duraria mais muito tempo, e no entanto, ninguém desconfiava que se retiraria por livre e espontânea vontade da próxima temporada, deixando a França de fora da categoria pela primeira vez em mais de 50 anos.

A análise de Roebuck sobre o GP da Alemanha é um questionamento acerca dos rumos da Fórmula 1 para o futuro. E ele está certo em se preocupar.

Sunday, December 14, 2008

Se “Piquet fala” é notícia?

O site Grande Prêmio anunciava como manchete principal, no último dia 11: Piquet ‘aconselha’ Barrichello: “Tá na hora de ir para casa”. Era um conjunto de quatro matérias, todas assinadas por Felipe Paranhos, todas acerca da opinião de Nelson Piquet sobre algum fato: Senna ainda não mostrou talento, fala Piquet, Piquet fala que ano de Nelsinho foi muito bom, Nelson se impressiona: "F-1 está competitiva", e, finalmente, Piquet diz que só anda no GT3 se estiver livre.

Minto. Esta última contém uma informação de verdade. Também erro em apontar o nome do repórter, que não inventou essa modalidade de produção jornalística, está submetido a superiores.

Esta modalidade, recorrente, é a de destacar a opinião de alguém sobre um determinado fato e reproduzi-la como notícia, e Piquet é um dos grandes símbolos desse tipo de jornalismo. Sempre foi um showman, construiu sua persona sobre a irreverência. Desbocado desde os tempos de piloto, mesmo afastado do circo (no ano de estréia de seu filho na categoria, quase não apareceu nos autódromos), seus comentários a respeito da Fórmula 1, histriônicos, informais, viram manchete quase automaticamente.

O automatismo é flagrante na chamada principal, Piquet ‘aconselha’ Barrichello: “Tá na hora de ir para casa”. É de conhecimento público que Piquet e Barrichello enfrentaram desavenças há anos, e que, desde então, o tricampeão jamais se pronunciou a favor de Rubens. Este, por sua vez, poucas vezes ou nunca respondeu a qualquer acusação vinda de seu desafeto.

O texto da matéria , por incrível que pareça, fala muito mais sobre a saída da Honda do que sobre Barrichello. Há apenas uma menção: “Ele já ficou 17 temporadas na F-1, né? Tá na hora de voltar pra casa...”.

Relevemos Barrichello, pois. Sobre a saída da Honda da Fórmula 1, o entrevistado informa que não tratou isso como surpresa, que é algo esperado em tempos de crise, e analisou que as montadoras tratam a Fórmula 1 como puro marketing.

Há alguma informação nova para o leitor? Interessa ao leitor saber que a saída da Honda não surpreendeu Piquet (relevemos também o fato de que é muito fácil declarar conformidade para com um evento após ele ter acontecido...)?

Pois é, e o Grande Prêmio considerou esta a notícia mais importante do dia.

Mas este não é um vício do Grande Prêmio, apenas. Certa vez, no Tazio (que me desculpem os acadêmicos, não guardei a referência), um título anunciava que Nelsinho Piquet havia ficado decepcionado após uma sessão de treinos na qual ele figurou entre as últimas posições. Ora, isto não é notícia. Seria notícia se ele, ou qualquer outro piloto, desse urros de alegria por ter se classificado em penúltimo.

Qualquer blogueiro mediano sabe que é difícil mesmo arranjar assunto sobre automobilismo em determinadas épocas, principalmente durante o inverno europeu. Mas daí a publicar qualquer “aspas”, há uma grande diferença. Nossa imprensa especializada tem a função de fornecer notícia, informação. Palpite não é notícia.

Informação significa relevância, ou nas palavras de Husserl, é a “diferença que faz a diferença”. Não há nada de diferente nas falas de Piquet. Criticar Barrichello e falar bem do próprio filho são balelas que ele repete há quinze anos.

Thursday, December 11, 2008

A vitória em Berger


Quando Sebastian Vettel recebeu a bandeira quadriculada em uma encharcada Monza neste ano, aquela também era uma conquista de Gerhard Berger. O simpático austríaco não participava com tanto protagonismo de uma vitória desde quando ele próprio era piloto, no GP da Alemanha de 1997.

Pole em Hockenheim, pela primeira vez em dez anos aquele GP não seria sua “casa”, como ele bem o sabia. Osterreichring voltaria ao calendário, agora remodelada e com outro nome: A1 Ring. O piloto ostentava as inscrições “A1” na lateral de seu capacete.

Mesmo assim, a Floresta Negra era uma espécie de quintal para Berger, uma pista na qual ele vinha se tornando especialista desde quando venceu, em 1994. Em 1996, era líder a quatro voltas do fim, quando seu motor estourou. Na largada do ano seguinte, Fisichella ameaçou uma ultrapassagem na primeira curva, mas o austríaco sequer precisou alterar o traçado.

Na corrida, a situação permaneceu dessa forma: Berger em primeiro, Fisichella numa improvável Jordan em segundo, seguido por Schumacher. Agrava-se o fato de que a Benetton planejava duas paradas de box para o líder, enquanto seus dois concorrentes mais próximos fariam apenas um reabastecimento.

Necessidade ou não, a verdade é que Berger despontou em meio às enormes retas e não mais foi visto pelos seus adversários. Numa época em que era permitido aos pilotos ter estilo, escolhera ser agressivo: apontava na tangente das chicanes, ignorava a existência de zebras, fazia as rodas perderem contato com o asfalto. Foi o mais rápido.

Não existem mais enormes retas em Hockenheim. Quebraram o asfalto para que a floresta cresça e apague os rastros do antigo circuito. Em 1997, porém, as marcas do passado permaneciam intocadas: mesmo os trechos usados antes das instalações das chicanes não foram desativados, funcionavam como parte da área de escape destas. Hockenheim transpirava seu passado, que hoje ela tenta desesperadamente esconder.

Não foi assim de todo fácil para Berger correr. Vinha de três GPs sem correr por causa de uma cirurgia devido à sinusite – após conquistar a pole, brincou dizendo que assinaria contratos para correr de três em três corridas dali adiante, pois parecia dar sorte. Diria também que sairia da Benetton no fim do ano, o que veio a ser o embrião do anúncio de sua aposentadoria: insatisfeito com o regulamento anunciado para 1998, dos pneus com ranhuras e aos 38 anos de idade, não se sentiu mais motivado a correr.

E não é verdade que não vira mais seus adversários desde a largada, já que, após sair do pit lane em seu segundo pit stop, Fisichella estava à sua frente. Mas sequer pode liderar por uma volta inteira: ao sair da segunda chicane mais lento, o austríaco o ultrapassou no meio da reta. Enquanto Berger seguia inalcançável à vitória, Fisichella teve um pneu estourado a poucas voltas da chegada. Perdeu o pódio, mas fez uma corrida irretocável, em que não deu chance nem a Schumacher (herdeiro do segundo lugar), e foi coroado como jovem promessa, jamais convertida.

Por tudo o que foi dito acima, a vitória de Berger haveria de ser especial. Mas também foi a primeira corrida após a morte de seu pai. Johann Berger, 62, voava sozinho quando o mau tempo fez o avião colidir com as montanhas, no Tirol austríaco. A pole, a vitória, as brincadeiras não são apenas elas mesmas. Gerhard talvez seja um piloto maior do que parece à primeira vista, por isso até hoje suas vitórias merecem ser comemoradas.

Tuesday, December 9, 2008

Collins e Ferrari


Das grandes efemérides que este ano marcou, a revista britânica Motor Sport lembrou dos 50 anos da morte de Peter Collins. Menos difíceis de esquecer foram os 20 anos do falecimento de seu maior patrão, Enzo Ferrari.

O jovem piloto prestava serviços a Enzo quando (presume-se) um pequeno erro na Pflanzgarten, em Nürburgring, selou seu destino. No ano anterior, em 1957 ele e Hawthorn, no mesmo circuito alemão, lideravam com folga quando Fangio os ultrapassou como um raio para vencer sua última corrida e o campeonato mundial. Naquele dia, o script se repetiu: ao invés de Fangio, era a Vanwall de Tony Brooks que superou os carros vermelhos, vindo de trás como um foguete.

Ambos, Hawthorn e Collins, passaram a seguir Brooks de perto. Infelizmente, porém, a Pflanzgarten, como Phil Hill contaria à reportagem da Motor Sport, era um lugar complicado. Collins foi um pouco rápido demais, freou um pouco tarde demais e, talvez, estivesse um pouco fora do traçado. “E se você saísse da pista no ‘Ring’, claro, você estava nas mãos dos deuses”, resumiu Brooks.

Não foi a primeira baixa para Ferrari naquele ano. Luigi Musso, às turras com o patrão, escapara na primeira curva de Reims, no GP da França. Hawthorn morreria no início de 1959, fazendo com que Enzo perdesse três pilotos em menos de um ano. Collins sabia como seu patrão reagia nessas situações. Certo dia, confidenciou a um amigo, estava no escritório quando o telefone tocou. Eis o que ouviu Ferrari dizer: “Castelloti morto? No, no, no... (breve pausa) E la macchina?”.

Contudo, talvez por ter entrado no time pouco depois da morte de Dino, Enzo e sua mulher, Laura, tratavam-no com muita amabilidade, como se o tivessem adotado. Nunca foi um a relação estável, porém: nas 24 Horas de Le Mans de 1958, Collins e Hawthorn foram acusados de sabotar de propósito a embreagem do carro que dividiam, para, supostamente, voltarem para a casa mais cedo. Como ‘punição’, Collins foi inscrito para o GP da França com um carro de Fórmula 2.

Foi o dia em que Musso morreu. Duas semanas depois, Collins obteve a vitória mais avassaladora de sua vida. Mais duas semanas e estava morto.

Phil Hill contou, em entrevista recente, que a Ferrari exigia dos pilotos, nessa época, um comprometimento e sacrifícios totais, disponibilidade para testar carros em Modena e para dar o máximo de si nas provas. Collins decidira que não pilotaria para a Ferrari em 1959.

Peter Collins morreu há 50 anos. Enzo Ferrari, há 20.Este ano foi a vez de Phil Hill. A Ferrari dos anos 1950, enfim, está reunida outra vez.

Saturday, December 6, 2008

A possibilidade de 18 carros


Se a Honda não encontrar um comprador para seu espólio em Enstone, é muito provável que a Fórmula 1 não consiga alinhar mais de 18 carros para o GP da Austrália do próximo 29 de março.

Será o grid mais enxuto em décadas. Mais precisamente, não há um GP com 18 carros desde 25 de outubro de 1970, no México. Foi um evento atípico: era a décima terceira e última prova do campeonato mais longo disputado até então. Economicamente inviável para muitas equipes pequenas, os próprios organizadores limitaram a 18 os carros inscritos – numa época em que os organizadores das corridas tudo podiam; a título de curiosidade, não foi raro haver mais de 25 inscritos nas provas daquela temporada.

Poderiam ter sido 19 os participantes. Não havia mais vagas para François Cévert, no segundo carro da Tyrrell Racing Organisation, que forçou uma negociação nos bastidores, na qual se decidiu, com o apoio da FOCA, que Jo Bonnier cederia sua inscrição.

Justificava-se o número reduzido de carros, já que os boxes eram apertados e inseguros, e o circuito já estava longe dos padrões de segurança da época. Havia barreiras de armco na saída de algumas curvas, mas a multidão que foi assistir à corrida tomou-as por completo. A pista amanheceu com papel e garrafas quebradas no asfalto, fazendo com que Stewart, num carro de turismo, sinalizasse à torcida para parar de jogar coisas. Cogitou-se o cancelamento, mas largaram.

A corrida foi conduzida sem percalços, exceto para Stewart, que atropelou um cão na volta 14 e, ao contrário deste, não se machucou. Ganhou Jacky Ickx, numa Ferrari que, mesmo em grids vazios, sempre esteve presente. Não à tôa, o México teve de esperar 16 anos para ver outra corrida de Fórmula 1 in loco.

Exceto por um engano de minha parte, após este GP, jamais houve uma prova com menos de 20 carros alinhados (alinhar e largar são conceitos diferentes), a não ser no GP da Argentina de 1973, com 19 carros.

O menor quorum registrado em provas válidas para o Mundial foi de 14 carros, e ocorreu três vezes: duas em 1969, nos GPs da Espanha e França; a outra no primeiro mundial, 1950, no GP da Bélgica.


Tuesday, December 2, 2008

Será que eu entendi direito?

Na Folha de S. Paulo, hoje.

Já o COB [Comitê Olímpico Brasileiro], em comunicado oficial, afirmou que o Maria Lenk irá integrar o futuro Centro Olímpico de Treinamento, complexo esportivo que será construído em Jacarepaguá a partir do segundo semestre de 2009, ainda que o Rio não seja escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Hã?

Monday, December 1, 2008

Os 40 anos da Temporada Argentina de Fórmula 2


Foi no dia 1o de dezembro de 1968 que os carros alinharam no grid do autódromo Buenos Aires para a primeira corrida da Temporada Argentina de Fórmula 2, o Gran Premio YPF, que correu pelo traçado número 9 do complexo.

Sim, uma competição menor... Não se assuste se você não conhecer alguns dos nomes listados: o vencedor foi Ernesto Brambilla (irmão de Vittorio), seguido de Andrea de Adamich, Jackie Oliver, Clay Regazzoni, Henry Pescarolo e Pedro Rodriguez.

Um tal de Jochen Rindt, pole position, abandonou por problemas na asa.

O campeonato se prolongou até o dia 22 de dezembro, em mais três etapas: o GP Ciudad de Cordoba (foto), GP Ciudad de San Juan e o GP Aerolineas Argentinas (presumidamente), este último alocado no traçado número 6, o mais parecido com aquele onde a Fórmula 1 correu nos anos 90.

Com vitórias nas segunda e terceira etapas, Andrea de Adamich sagrou-se campeão em uma Ferrari Dino 166 V6. Rindt foi vice, embora sem vitórias. Piers Courage, ganhador da última corrida, foi o terceiro na classificação geral.

Ao menos doze pilotos que corriam ou correriam na Fórmula 1 participaram da Temporada Argentina, inclusive um certo argentino que não terminou uma corrida sequer, chamado Carlos Reutemann.

Hoje soa irreal que um bando de pilotos recém-ingressos no campeonato mundial, ou mesmo já há alguns anos por lá, disputem um torneio regional em um ponto remoto do hemisfério Sul durante o inverno europeu. Há quarenta anos, era trivial.

Mais informações sobre a Fórmula 2 e este campeonato podem ser obtidas aqui.

Thursday, November 27, 2008

Aprendendo com a Indy


Tive a agradável surpresa de ter sido citado no Blog do Ribeiro em uma consideração sobre o automobilismo norte-americano, sobre o que a Fórmula Indy, Cart (Mundial, ChampCar, todos os outros nomes), e por extensão a IRL e a Nascar representam em relação à Fórmula 1.

Os comentários tomaram rumos interessantes e, assim, achei por bem desenvolvê-los um pouco mais aqui.

O automobilismo norte-americano está calcado, desde os últimos 30 anos ao menos, no triunfo do espetáculo (no sentido de Guy Debord) sobre o esporte. Não por acaso, um símbolo deste automobilismo é o safety car.

Não há respaldo esportivo no uso do safety car: por mais que o automobilismo seja, por definição, injusto e cruel, realinhar os pilotos em um momento aleatório nivela seus desempenhos por baixo, quebra um pacto que a corrida estabelece com o espectador. O safety car existe por motivos comerciais, pois estabelece a inserção do intervalo na televisão e produz artificialmente o clímax hollywoodiano – mais palatável para o norte-americano médio (e, convenhamos, para o brasileiro também) do que uma corrida decidida em momentos iniciais.

Claro, também tem a questão da segurança... mas a entrada definitiva dela no esporte só aconteceu com a entrada da televisão, e isto não é uma mera coincidência.

Anacronia
As corridas em ovais, talvez o símbolo máximo, se faziam sentido em Brooklands, Sitges e Indianápolis até os anos 1930, hoje são completamente anacrônicas. A explicação disso - adivinha - também passa pela questão da segurança.

Um circuito oval, essencialmente, levará a uma eventual saída de pista de um carro em ângulo provavelmente menor que 30 graus. Nessas condições, é mais seguro que haja uma barreira de proteção próxima ao asfalto do que uma área de escape, pois o próprio atrito com o muro desaceleraria o carro de forma eficiente e pouco brusca.

Porém, se o muro está colado à pista, não há como retirar o piloto e os detritos da pista em segurança sem interromper a prova. E então recaímos no safety car...


Poderia falar dos marbles, mas não parece necessário.

O público norte-americano, no entanto, não parece questionar tanto a legitimidade do que esta assistindo, talvez até prefira o espetáculo ao esporte. A própria decadência da Cart começou quando tentou se projetar um pouco para fora deste sistema, o público migrando primeiro para a IRL e, depois, para a Nascar, um circo, um carrinho bate-bate, como bem definiu Ribeiro.

Mayflower II – a vingança
A Fórmula 1 desdenhava, ou fingia desdenhar do suntuoso e lucrativo espetáculo estadunidense até a década de 1990. Algumas pressões (o GP da Austrália de 1991, creio eu) fizeram-na incorporar o Safety Car em suas regras, e, após o Maio de 94 e suas decorrências, o uso ostensivo deste dispositivo virou prática.

Tenho duas hipóteses que convivem juntas sobre a aceitação destes ‘americanismos’ pela Fórmula 1. Primeiro, porque ela entrou numa crise de credibilidade (quebrou o pacto com o espectador devido aos acidentes e mortes em 1994) e, para remendar a situação, teve que abrir mão da emoção. Nunca suas corridas precisaram tanto de um clímax hollywoodiano.

Além disso, a Mercedes paga caro, muito caro por esse tipo de inserção publicitária.

Mas algo escapa nesta breve análise. Escapa o fato de o automobilismo norte-americano ainda ser um esporte. A Cart manteve por muitos anos, e a IRL ainda tenta manter de modo controlado, uma filosofia da qual a Fórmula 1 abriu mão há tempos: de que o automobilismo precisa de carros e pilotos, nada mais. Corre-se onde for necessário.

Uma pista rápida entre árvores no Wiscosin? Há Elkhart Lake. Curvas de ângulos incomuns? Há Laguna Seca. Pista de rua? Há Vancouver, Long Beach, Detroit...

A Fórmula 1 abandonou esta postura, de que se pode correr em qualquer lugar e que muitas vezes essa é a graça do esporte, há muito, desde o infeliz GP de Dallas de 1984. Por mais que faça uso da bandeira amarela etc, os norte-americanos tentam manter este espírito vivo. Enquanto a Fórmula 1 amarga corridas mais-ou-menos em Melbourne, a Indy/Cart estava até há muito pouco em Surfers Paradise.

A Fórmula 1 constrói uma suntuosa Xangai, plana, higiênica, asséptica, para os carros contornarem curvas insípidas frente aos olhos atentos de arquibancadas vazias. Os ianques colocam os carros na rua, no aeroporto, num oval, em curvas de alta, em ladeiras. Arrogante, a Fórmula 1 mais uma vez desdenha. Vamos ver até quando.


Tuesday, November 25, 2008

Webber e Armstrong


Semana passada, Mark Webber foi atropelado enquanto corria de bicicleta em um evento de caridade que ele próprio promove, o Pure Tasmania Challenge, em seu país natal.

Internado, com fraturas e um pino na perna, Webber terá de provar toda sua fibra em uma longa recuperação. Não deve ser fácil, mas ele terá em quem se espelhar. Um de seus grandes ídolos é ninguém menos que Lance Armstrong.

O ciclista multi-campeão do Tour de France, foi obrigado a interromper sua carreira devido ao câncer, recuperou-se e voltou a competir – e vencer – no ciclismo. Na F1 Racing de dezembro de 2007 (edição internacional), o piloto relata como foi seu primeiro encontro com Armstrong. Logo após o GP Brasil de 2004, ele e sua mulher Ann foram diretamente para Austin, Texas, onde Lance mora.

Além de muita bicicleta, o encontro dos dois também rendeu conversas sobre Fórmula 1 (assunto no qual Webber considerou seu interlocutor bastante versado), e mergulhos na água a partir de pulos de 10 metros de altura.

Parte dos fundos arrecadados pelo Pure Tasmania Challenge vai para uma instituição de apoio a portadores de leucemia. Quem sabe o encontro entre Mark e Lance tenha ensinado ao australiano algo sobre recuperação...

Saturday, November 22, 2008

A BMW e a aerodinâmica


Talvez por falta de algo mais interessante, foi muito discutido o novo aerofólio da BMW, apresentado nos testes de Barcelona.


Não chamou tanto a atenção por seu desempenho, mas pelo visual. Como prova a foto acima (sem data; tirada entre o fim dos anos 60 e início dos 70), de um carro de Fórmula 2, não é uma atitude inédita da BMW. O dispositivo colocado na traseira do carro não parecia ter efeitos aerodinâmicos relevantes. Mas esteticamente, ele funcionava bem...

Thursday, November 20, 2008

Na sala com Ico


Se você, leitor, chegou até este blog, provavelmente Luís Fernando Ramos dispensa apresentações. A mim também dispensava, e não foi surpresa que em nosso primeiro contato uma conversa despretensiosa e informal se desenrolasse naturalmente. Do diálogo, trago alguns trechos a público.

Não por acaso, o assunto dominante foi a Fórmula 1. Após sua primeira temporada completa in loco, Ico trouxe na bagagem lembranças memoráveis, histórias dos bastidores e impressões que deslumbrariam qualquer jovem blogueiro. Por exemplo: “Tanto o Rubinho quanto o Massa atendem bem a imprensa, mas o melhor para se entrevistar é o Nelsinho Piquet. Ele é um cara tímido, um pouco agressivo no começo, mas depois que se tem sua confiança, ele se solta e rende as melhores falas”.

Isso não quer dizer que não admire os outros brasileiros. Ao comentar sobre as parcas chances de Barrichello em continuar na categoria, deixou claro que sua saída seria (será) uma grande perda para a Fórmula 1. “Só no Brasil ele tem essa imagem. No resto do mundo, é um piloto respeitadíssimo. Mesmo no paddock, o pessoal de outras equipes nos perguntava, afinal, por que a Honda iria dispensá-lo”.

Na principal disputa do ano, entre Massa e Hamilton, Ico recusa análises simplistas. “Chegaram a dizer que, se Massa vencesse o campeonato, não seria tão legal, porque ele não é um piloto tão carismático. Eu penso justamente o contrário: ele é gente como a gente, não um cara 'predestinado' (pronunciado com um quê de ironia) como o Hamilton, alguém que foi treinado desde pequeno para ganhar este título. Acho que seria muito mais interessante alguém como o Massa vencendo.”

Hamilton mereceu o campeonato? “Bom... todos os erros de Hamilton devem ser creditados a ele, enquanto os de Massa também são crédito da Ferrari. Claro, a corrida de Felipe na Grã-Bretanha foi lamentável (não me lembro ao certo se este foi o termo utilizado), assim como a batida de Hamilton no Canadá. Agora, ninguém fala que o clímax dessa disputa só aconteceu por causa daquela punição no GP da Bélgica... Você estava lá em Interlagos, né? Como foi a comemoração pelo título do Massa?”

Contei sobre nossa folie à plusieurs.


O jornalista
Aproveitando sua estadia no Brasil, Ico visitou seus colegas de Rádio Bandeirantes, que trabalharam com ele durante o ano... Boa parte deles, viu pela primeira vez. “As pessoas me cumprimentaram bastante quando souberam quem eu era. Inclusive, me deram um cd com a gravação de todas as transmissões que eu fiz na temporada. Quero ouvi-las para sentir a evolução entre a Austrália e o Brasil. No primeiro GP, acho que estava muito travado, já que foi a primeira vez que fiz rádio”.

É um trabalho glamouroso, embora nada fácil. “Cobrir as provas é pesado. Ficamos no autódromo, quinta e sexta, das 9h da manhã às 9h da noite. No sábado, começamos às 9h e terminamos às 11h da noite. E, no domingo, trabalha-se das 9h até o começo da madrugada. Ao mesmo tempo em que se viaja o mundo, você fica com a pulga atrás da orelha por não conhecer os lugares. Por exemplo, cheguei na quarta-feira na China. Fui sempre direto ao autódromo na quinta, sexta e sábado, e só então, no sábado à noite, saí para conhecer de fato a cidade”.

Atualmente seus dias estão mais calmos, trabalhando no anuário AutoMotor 2008/2009. Sua função é coordenar a equipe, o que significa ler todos os textos, escrever alguns e rever todas as páginas muitas vezes antes de serem publicadas. “Eu só vejo mesmo o anuário quase um ano depois de ele ter sido publicado. Quando eu recebo a nova edição, já vi aquilo tantas vezes que nem presto mais atenção, fica guardado no armário”. Isso não quer dizer, porém, que ele e a equipe não se orgulham, com razão, do trabalho. Muito pelo contrário.

Ao terminar a conversa, minha cabeça se enchia de perguntas não-feitas, que vão ficar para uma próxima – provavelmente, não tão cedo. Ico, pela primeira vez, não vai fechar o anuário do Brasil. Após um ano de trabalho árduo, ele pretende descansar... viajando.

Monday, November 17, 2008

Entre ases e reis



Nalgum canto da zona Oeste de São Paulo, ontem, ocorreu uma das maiores confraternizações do automobilismo brasileiro em tempos recentes. Todos os méritos do evento devem ser creditados a Bird Clemente, já que foi por ocasião do lançamento de seu livro, Entre Ases e Reis de Interlagos (Ed. Tempo & Memória) que os grandes nomes foram lá reunidos.

Entre Ases e Reis... era assim que nos sentíamos, um grupo de estudantes que produz um documentário para a faculdade, estávamos lá, cercados de tantas lendas, tantas histórias.

A noite, no entanto, era de Bird. Fazia-se notar logo na entrada, onde estavam expostos um Willys Interlagos, um DKW e um Maverick pilotados por este lendário louco piloto de óculos, tão rápido quanto desbocado. (Após uma pequena escada, nota-se outro carro: um protótipo com as cores da Willys. Ico colocou sua cara dentro do bólido e resumiu: “Deve ser fantástico pilotar isso aqui”. Deve ser mesmo.)

Bird esteve sempre ocupado, mas mesmo assim atencioso, simpático, caloroso. Conversava com todos. Houve um cerimonial, o enfadonho em estado puro. Patrocinadores falam (apesar do patrocínio, o livro ostenta um selo da Lei de Incentivo à Cultura: todos os brasileiros pagaram a conta). A festa foi salva quando Bird pegou o microfone e pôs-se a falar. Falou do DKW descendo o retão de Interlagos, falou de seus rivais, e falou de dois amigos: Mauro Salles e o Barão Fittipaldi.



Ambos não puderam vir. Emerson também não pôde, mas enviou uma mensagem por vídeo. O mesmo fez Alex Dias Ribeiro. Mais cerimonial. Lá estão Reginaldo Leme e Bob Sharp, respectivamente autor do prefácio e revisor da obra.

Sobem ao tablado, para receber um prêmio (um pistão de DKW convertido em troféu), a maioria dos grandes ‘volantes’ dos anos 1960, os quais prefiro omitir para não ser injusto com algum que porventura não me lembre; contudo, não há como não citar Luiz Pereira Bueno. Luizinho estava alegre, tagarela, e com razão. A festa também era dele.

Dele e de todos aqueles que fizeram e contaram a história do esporte a motor no país. Livio Oricchio, Flavio Gomes, Felipe Motta, Lito Cavalcanti. Este último me salvou, com sua camisa azul-esverdeada. Até então, minha camiseta verde destoava do mar de ternos, vestidos discretos e cores pastéis que perambulavam no salão.

Falta de pilotos? Jan Balder, Ingo Hoffmann, Marinho... haveria de ser um grid fantástico não fosse uma vernissage. Até os mortos, de Moco a Bino, foram lembrados. Era quase uma corrida. Era Interlagos que estava lá.


A obra
Desnecessário dizer que a obra já nasce um clássico. Primeiro, porque Bird é um arquivo vivo – muito vivo, por sinal – das corridas. Também porque é uma louvável iniciativa de se colocar em papel a memória automobilística brasileira. Porque boa parte dos truques de se pilotar na antiga Interlagos estão lá, sistematizados, eternizados. Porque não é todo mundo que fazia o Sargento de lado.

Edição de luxo, capa dura, infelizmente: a visão estreita dos editores ainda vêem apenas mercado desta leitura em quem tem grana, em quem compra livros para enfeitar estantes. A garotada dos blogs, os estudantes, aqueles que ainda não sabem quem é Bird Clemente permanecerão no oceano de informações rarefeitas.

Resta-nos, ao menos, o prazer da leitura, na sempre bem-vinda companhia de ases e reis.

Friday, November 14, 2008

Instantâneos do GP Brasil - um ensaio e(m) imagens

Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difundido quanto o sexo e a dança – o que significa que, como toda forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como uma arte.

[...] Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginária de um passado irreal, também ajudam a tomar posse de um espaço em que se acham inseguras. Assim, a fotografia desenvolve-se na esteira de uma das atividades modernas mais típicas: o turismo. Pela primeira vez na história, pessoas viajam regularmente, em grande número, para fora de seu ambiente habitual, durante breves períodos. Parece decididamente anormal viajar por prazer sem levar uma câmera. As fotos oferecerão provas incontestáveis de que a viagem se realizou, de que a programação foi cumprida, de que houve diversão. As fotos documentam seqüências de consumo realizadas longe dos olhos da família, dos amigos, dos vizinhos.


[...] Um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la – ao limitar a experiência a uma busca do fotogênico, ao converter a experiência em uma imagem, um suvenir. Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranqüilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.

[...] A fotografia tornou-se um dos principais expedientes para experimentar alguma coisa, para dar uma aparência de participação [...] Tirar fotos estabeleceu uma relação voyeurística crônica com o mundo, que nivela o significado de todos os acontecimentos.


Uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um fotógrafo; tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais categóricos – interferir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver acontecendo. Nosso próprio senso de situação articula-se, agora, pelas intervenções da câmera. A onipresença de câmeras sugere, de forma persuasiva, que o tempo consiste em eventos interessantes, eventos dignos de ser fotografados. Isso, em troca, torna fácil sentir que qualquer evento, uma vez em curso, e qualquer que seja seu caráter moral, deve ter caminho livre para prosseguir até se completar – de modo que outra coisa possa vir ao mundo: a foto. Após o fim do evento, a foto ainda existe, conferindo ao evento uma espécie de imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria. Enquanto pessoas reais estão no mundo real matando a si mesmas ou matando outras pessoas reais, o fotógrafo se põe atrás de sua câmera, criando um pequeno elemento de outro mundo: o mundo-imagem, que promete sobreviver a todos nós.
Grifos meus.
SONTAG, Susan. Na caverna de Platão. In: Ensaios sobre a fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 18-23.

Wednesday, November 12, 2008

Instantâneos do GP Brasil

Heidfeld in the Sky with Diamonds



Landscape


Rubinho é metal



Instantâneos do GP Brasil

Arquibancadas ainda vazias na sexta, enquanto Timo Glock passa sem chamar muita atenção para si - ninguém poderia supor qual papel sobraria para ele na última curva da última volta...

Tuesday, November 11, 2008

Instantâneos do GP Brasil



A partir de hoje, publico o que de mais interessante consegui clicar (muito mal) durante os três dias de GP. A foto de cima foi tirada na sexta-feira. Com as arquibancadas vazias, os policiais não tiveram muito trabalho durante o dia.
Se fui muito infeliz em acertar o foco, ao menos não enquadrei o rosto do policial, que não estava fazendo nada demais. Aliás, estes, normalmente sisudos e indiferentes, este ano desenvolveram súbito interesse pela Fórmula 1...

Saturday, November 8, 2008

1981 – GP do Brasil


29/03, Jacarepaguá. Segunda etapa.

Do “L’Année Automobile 1981/1982”
Texto original: Eric Bhat

Disputado no autódromo de Jacarepaguá, no Rio, relegado ao ostracismo há três anos em favor de Interlagos, o GP do Brasil foi o palco de um novo triunfo da Williams, que assinalou sua quarta dobradinha consecutiva: uma série sem precedentes na história da Fórmula 1.

Carlos Reutemann completou a corrida na liderança, de ponta a ponta, em uma pista constantemente molhada. O argentino não cometeu o erro que lhe custara a vitória em Long Beach, duas semanas antes, jamais deixando Jones, que o seguia como sua sombra, partir para um ataque decisivo.

Ocorre que o piloto australiano, que teoricamente possui por contrato o direito de receber a liderança de seu companheiro de equipe, aguardava pacientemente o momento da troca de posições, evitando assim um combate potencialmente fatal para ambos os carros. A poucas voltas do fim, Frank Williams, por meio de placas, envia a Reutemann a ordem de ceder passagem a Jones. Carlos ignora... Por este fato, o campeão mundial de 1980 adquiriu um certo rancor que fez questão de manifestar após a corrida.

A dobradinha das Williams provocou uma certa surpresa, já que a vitória parecia prometida à Brabham de Nelson Piquet. Equipada com um sistema de suspensão óleo-pneumática que possibilitava a exploração do efeito-solo, o monoposto inglês foi de longe o mais rápido nos treinos. Os caprichos dos céus trataram de contrariar a lógica dos acontecimentos: acreditando que o tempo abrira em breve, Piquet cometeu o erro de partir na largada com pneus slick. Infelizmente para ele, a pista não secou em momento algum, fazendo-o afundar na classificação.

A chuva foi, por outro lado, a aliada do suíço Marc Surer, alinhado na nona fila do grid, que levou sua modesta Ensign ao quarto lugar, logo atrás de Patrese, que confirmou o progresso da Arrows A3.

Vencedor: Reutemann, Williams. 62 voltas (de 5,031km, num total de 311,922km) em 2h00min23s66, com média de 155,450km/h.

Melhor volta: Surer, Ensign (1min54s30).

Pole: Piquet, Brabham (1min35s07).

Tempo: Chuva, pista molhada.

Público: 25 mil espectadores.

Thursday, November 6, 2008

Espera-se que Balestre morra em 2009


Num ano de tantas notícias, alguns podem ter esquecido que Jean-Marie Balestre já não habita o mundo dos vivos desde março. No entanto, jamais ele foi tão presente: basta ver o número de corridas em que o Race Control agiu, o número de vezes em que estas ações foram questionáveis e, dentre estas, quantas tiveram influência inegável no resultado final.

Aquilo que Balestre fez no GP do Japão de 1989, causando enorme polêmica no mundo da Fórmula 1, não foi nada menos que institucionalizado – e aceito – com o advento do Race Control em anos recentes.

Aceito? Ao que parece, a própria FIA parece ter notado que o Race Control passou dos limites este ano. A Folha de S. Paulo divulgou hoje que haverá mudança nos procedimento punitivos: quando estes ocorrerem, a partir do ano que vem, os vídeos analisados pelos comissários ficarão disponíveis no site oficial da categoria.

A entidade espera, com isso, ser mais transparente em suas decisões.

Ser um comissário também exigirá mais experiência, já que será requisito prévio este ter acompanhado outros cinco GPs como observador.

Não é o fim do Race Control. Não é nem ao menos um mecanismo que seguramente impedirá que ânimos particulares ou interesses privados determinem as ações da FIA durante uma corrida. Mas já é um avanço, a saber: os dirigentes da Fórmula 1 sabem que, se o público desconfiar da manutenção da justiça no esporte, a categoria vem abaixo como um castelo de cartas.

Ao menos o fantasma de Balestre deve deixar de ser uma figurinha tão presente no paddock. Não é uma morte definitiva – esta só virá com o fim do monopólio que a FIA exerce sobre as imagens das corridas -, mas pode ser considerada a primeira pá de terra sobre o corpo do velho Jean.

Monday, November 3, 2008

GP Brasil 2008 – Os 30 segundos que abalaram Interlagos


Meu domingo começou às 21h00 de sábado, quando acordei de um sono de duas horas. Por um momento, hesitei em acordar, já que esta seria minha terceira noite mal dormida consecutiva e o dia prometia ser mais infernal e mais estressante do que qualquer outro. Mas levantei.

Não recebi autorização dos meus amigos para divulgar os horários de chegada na fila que determinaram um lugar excepcional, visão privilegiada e sombra durante o dia. Posso relatar, entretanto, que foi uma das noites na fila mais agradáveis que já peguei: tempo ameno, bons companheiros para jogar conversa fora, relativo conforto. Muitos dormiram ou cochilaram, algo que o nervosismo me impediu de fazer exceto entre 4h40 e 5h10, hora em que as cadeiras foram recolhidas, todos levantaram acampamento, desmontaram churrasqueiras e aquilo virou uma fila de verdade.

Às 6h30, os portões foram abertos e lá estavam nossas cadeiras cativas. As oito horas seguintes foram de expectativa e espera. E, ao contrário do que imaginava, ir ao banheiro e comprar comida foram procedimentos muito menos estressantes do que no dia anterior. Sempre havia um odioso beirute, ainda que velho, me esperando numa barraquinha e um banheiro químico em condições quase humanas para utilizar quando necessário. Em compensação, não vi a bandeira quadriculada em nenhum dos eventos de apoio.

É claro que, durante uma espera tão longa num ambiente tão confortável quanto uma masmorra medieval, conversar é um modo de evitar a insanidade. Falou-se muito de Grandes Prêmios passados, mulheres, rufiões e rufianismo (previsto no Código Penal).

Mas a diversão foi garantida por um argentino que conhecemos sábado, e que acolhemos no domingo, cedendo a ele e a seu grupo uma parte de nosso pequeno camarote disputado a tapa.

Ignacio, portenho, nos falou sobre a máfia, o Boca Juniors, o Estudiantes de La Plata, além de nos brindar com uma inspirada performance etílica de ‘O Sole Mio’. Ah, sim: Ignacio, de longe, foi o maior torcedor do Felipe Massa do fim de semana, fazendo inveja ao mais fervoroso brasileiro.

Motores ligados
Claro, desnecessário descrever tudo aquilo que a tv mostrou e que o público em casa viu tão bem com seus respectivos traseiros tão bem instalados nas poltronas.

Na arquibancada, a enorme tempestade que se formava atrás da Curva do Sol e a nuvem negra sobre o setor A foram recebidas com euforia. Alguns poucos preferiam tempo seco, confiantes na mais que comprovada capacidade de Lewis Hamilton se ferrar por seus próprios meios.

Foi uma largada emocionante, as primeiras voltas após o Safety Car reverberavam nas retinas dos setenta mil espectadores enquanto estas percorriam aqueles quatro mil metros de pista. Ao longo da prova, as emoções se dissipavam e alguém teve a brilhante idéia de sentar.

Desde sexta-feira até aquele momento, passando pelos eventos de apoio, não assisti a um treino sequer sentado. Nos três dias anteriores somados, pode-se dizer que acumulei seis horas de sono. A muito contragosto, por respeito aos meus colegas, sentei. Até agora não sei como resisti à tentação de dormir.

Eventualmente, levantava, me alongava para aumentar o ritmo cardíaco, e voltava a sentar. Em resumo, uma corrida chata, apesar das belas atuações de Massa, Vettel e Alonso.

Foi então que outras nuvens chegaram ao autódromo e a arquibancada levantou novamente, sacudindo as capas de chuva como se isso ajudasse a água a cair mais rápido. Quando enfim ela caiu, o nervosismo venceu. Ninguém soltou uma palavra. Cheguei a pensar que Hamilton havia colocado pneus para tempo seco em seu carro, tamanha a queda de rendimento.

Na ultrapassagem de Vettel, comemoramos como nunca antes havia feito, mas alguma voz mais sensata enunciou: “espera”. A chuva aumentava e ninguém conseguia acreditar que estava vendo um campeão mundial brasileiro surgir no Brasil. Quando Massa passou na linha de chegada, explodimos: gritando, vibrando, atiramos nossas capas de chuva ao alto, nos abraçamos, não sabíamos o que fazer. Foram os trinta segundos em que nos sagramos campeões.

De volta ao mundo real
Até que alguém falou que não. E o silêncio cobriu a arquibancada. Ninguém entendeu nada, e, quando entendeu, havia a certeza de que Glock deixara Hamilton passar de propósito.

Não houve pódio, houve velório. Não fossem os pneus de Glock (já inocentado), lá estariam os três últimos campeões mundiais. A chuva virou uma tempestade e lá sobrávamos, poucos, que relutavam em assistir à coletiva de imprensa, pelo telão, como se isso fosse mudar alguma coisa, talvez.

Se Hamilton mereceu o título, não o fez em Interlagos. Nervoso, apavorado, inconsistente, foi certamente a pior corrida do inglês na Fórmula 1 até o momento. Mas ele estava coroado e não tínhamos outra escolha que não aceitar.

O banho de realidade e de chuva lavou nosso espírito. Nem um pouco conformados, restou a certeza de que foi um fim de semana histórico, inesquecível, e de que estaremos lá de novo no ano que vem. E, se loucura a dois não é loucura, a cinqüenta mil também não há de ser: fomos os únicos a ver um brasileiro ser campeão no Brasil. Ainda que por trinta segundos, mas como diz Machado, “só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve”.

Saturday, November 1, 2008

GP Brasil 2008 – Sábado - Cultura de Massa

Dia estressante hoje, na parte da manhã. A Confusa Engenharia de Tráfego (CET) tratou de complicar a circulação, o que me rendeu um agradável passeio pelo bairro de Interlagos antes do sol nascer. Os lugares para o público se estreitaram com a quantidade absurda de torcedores que compareceu, relativa a outros sábados.

Almoçar foi um inferno, há penitenciárias com refeições mais saudáveis e bem servidas do que nas lanchonetes onipresentes e ineficientes do setor A. Por fim, a preocupação em garantir um bom lugar amanhã. Estamos prevendo que a fila de entrada será apenas comparável com aquela do ano 2000, quando Barrichello estreou na Ferrari.

Agora, ao fim do dia, a maioria das preocupações se dissipou. O que resta são as memórias daquilo que aconteceu em pista. E este que vos escreve, tão ferrenho defensor de Lewis Hamilton, se viu de repente torcendo fervorosamente para Felipe Massa. Não há outra opção, a arquibancada é um organismo dotado de vontade própria e os indivíduos nela são apenas uma fração irracional.

O desempenho dos pilotos, o grid de largada completo, quem assiste pela tv tem muito mais informações do que quem estava rachando no sol de Interlagos. Em compensação, televisão não transmite cheiro (a Fórmula 1 tem aroma, acreditem ou não), tem o som limitado, uma latitude de cores menor... Toma cerveja gelada, mas não se diverte tanto.

Estar ao vivo numa corrida é entrar em contato com parte do automobilismo clássico, quando uma corrida não servia para vender cigarros, mas sim para o homem explorar os limites da técnica; e sentar à beira da estrada para ver carros passarem era desenvolver uma relação de risco com o piloto e com a tecnologia.

Essa relação ainda existe hoje, embora lavada pela esterilização e comodidade oferecidas pela cultura de massa. Cultura de Massa?

Friday, October 31, 2008

GP do Brasil 2008 – Sexta-feira, cemitérios indígenas e outras teorias


Certamente já assisti a mais de dez treinos da Fórmula 1 em Interlagos, estes de hoje foram até que triviais demais. Mas cada vez que volto de lá reforço a convicção de que, muito antes de ser um autódromo, Interlagos foi um cemitério indígena. Ou um campo de pouso para naves extraterrestres.

Alguns indícios levam a crer que Interlagos possui uma lógica própria. Exemplo: choveu o dia inteiro. Repito, choveu o dia inteiro, desde as seis da manhã até as quatro da tarde, não havendo mais de meia hora sem finíssimos pingos caindo sobre o circuito. Isso sem falar no frio e no vento que fariam inveja a qualquer aeroporto militar de Northamptonshire (Silverstone inclusive). Por isso mesmo, não passei filtro solar. Estou ligeiramente rosa.

Os testemunhas de Jeová atacaram novamente. Desta vez, estão vendendo iogurte. Conheço muita gente que vai ao autódromo, mas ninguém que vai para beber iogurte... A marca do produto suscitou boas cantadas para as vendedoras: “Nossa, que vigor!”

De qualquer forma, toda iniciativa em prol das vísceras da torcida é bem-vinda, já que mesmo na sexta-feira de manhã os banheiros químicos já estavam fedorentos (há um banheiro de verdade na arquibancada A, vale dizer, mas que ‘serve’ apenas para o número um).

Parênteses: pelas palavras de um amigo meu, “quando a Fórmula 1 voltou para Interlagos, ficamos espantados porque havia banheiros. No Rio de Janeiro, tínhamos de urinar (óbvio que ninguém fala ‘urinar’, mas tive que substituir alguns termos por outros mais vitorianos) em sacos de lixo ou de pão de forma, já que era impossível descer das arquibancadas e voltar para o mesmo lugar”. Onde estes sacos iam parar depois de cheios? Via de regra, na cabeça de algum(a) sujeito(a) sentado nos lugares mais baixos.

Por falar em arquibancada A (e para ser um pouco bairrista), era a única do circuito que estava mais ou menos cheia. Até mesmo o setor G estava vazio. Desnecessário dizer que as tribunas corporativas estavam às moscas.

Entre os torcedores, o assunto do momento foi a pintura do carro de Coulthard – que, ao vivo, é mais acinzentada. No primeiro treino, alguns amigos comentaram: “Muito interessante”.

No segundo treino, um deles se corrigiu: “É feia pra caramba (ninguém fala ‘caramba’, mas tive que substituir alguns termos por outros mais vitorianos) essa pintura do Coulthard!” E arrematou: “Parece um ônibus clandestino...”

E não é que parece mesmo?

Thursday, October 30, 2008

Uma cobertura Gonzo


As mentes mais ociosas talvez tenham notado uma tag freqüente neste blog, Jornalismo Gonzo. Utilizo-a quase toda vez que escrevo em primeira pessoa ou trago um enfoque muito particular.

Muito bem, o sujeito acima é o inventor do Gonzo. Seu nome é Hunter Thompson e, ao contrário do que diz a CNN, morreu dando-se um tiro na própria cabeça, e não atacado por morcegos selvagens.

Sua idéia foi a seguinte: o jornalista é o personagem principal da notícia. A percepção do mundo é limitada pela sobriedade, pelo equilíbrio e pela suposta imparcialidade que o jornalismo convencional prega. Para corrigir isso, ele escrevia em primeira pessoa. E nunca estava sóbrio.

Neste fim de semana, estarei em Interlagos, faça chuva ou sol, neve ou quebre a bolsa de NY. Este espaço trará relatos de tudo o que se passou na arquibancada. Mas não esperem uma cobertura sóbria...

(A quem interessar possa: alguns relatos de outros GPs Brasil já publicados, aqui)

Nota: A série ‘1981’, excepcionalmente, será publicada após o GP do Brasil.

Tuesday, October 28, 2008

Dicas para quem vai a Interlagos


Pode ser pretensão alguém que se prepara para ir para seu quinto GP do Brasil (o quarto, se a contagem for do fim de semana completo) alardear conselhos por aí para quem vai ao autódromo. Concordo. Por isso, sistematizei algumas dicas com base também em especiais que vez por outra saem nos jornais, além de observar amigos e as minhas próprias reações fisiológicas, por vezes desagradáveis.

A lista a seguir pode parecer um exagero para quem tem assento reservado em uma arquibancada corporativa ou até mesmo em setores menores, cobertos e caros, como o D e o M, ou para quem vai apenas no domingo. Aí vão as dicas:

- Use filtro Solar. Não, não é por causa do Pedro Bial. Que chova em Interlagos, que você fique na sombra o dia inteiro. O mínimo raio de sol vai lhe fazer um estrago enorme. Por causa de uma sexta-feira cinzenta sem filtro solar, muitos torcedores de longa data já ganharam o apelido de ‘Ferrari’ pelo resto do fim de semana.

- Leve uma capa de chuva. Nunca, jamais confie em previsões metereológicas. E esteja sempre preparado para um dilúvio. Boné e óculos escuros, óbvio, também são obrigatórios.

- Apesar de tudo, não leve muita bagagem para o autódromo. Muitos acessórios, como binóculos, por exemplo, são absolutamente dispensáveis, e uma mochila pesada cheia de quinquilharias sendo carregada por três dias a fio é pedir para sua coluna travar cinco minutos antes da largada.


- Alimente-se bem durante a semana. O torcedor médio se alimenta mais ou menos como um mendigo durante o fim de semana. Suas opções de almoço serão, basicamente, cachorro quente e mini pizza. Prefira alimentos leves e ricos em fibras ao longo da semana. É melhor do que precisar de um banheiro químico no domingo, no meio da volta de apresentação.

- Faça exercícios leves alguns dias antes. Alongamentos simples podem amenizar as dores que seu pescoço, coluna e, principalmente, seu traseiro vão sofrer devido à prancha de madeira ou a faixa de concreto onde você vai ficar sentado horas a fio durante três dias. Caso não se importe com piadas sobre hemorróidas, vale trazer ou comprar uma almofada.

- Leve na esportiva as cantadas que sua mulher/namorada vai levar, se ela comparecer ao autódromo. Mas dessa você já sabia, né sócio...?

- Os xiitas ficam do lado de fora. Os mais fervorosos piquetistas, sennistas, ferraristas podem ficar espantados, mas nunca há brigas ou discussões sobre tais preferências nas arquibancadas. Não perca seu tempo fazendo inimizades. Você irá conversar horas e horas sobre automobilismo, e talvez aprenda bastante. Desconfie de datas, principalmente se seu interlocutor já tomou algumas.

- É uma extrema falta de educação dar em cima de modelos ou vendedoras dos stands sem estar completamente alcoolizado. Alcoolize-se. E tome cuidado com a Lei Seca.

Saturday, October 25, 2008

Os três de Surfers (parte 2)



Até que...

Mansell, já 4 segundos à frente de Fittipaldi, entra nos boxes na volta 30, totalmente fora do planejado. A equipe troca pneus, reabastece e ele volta à prova em quinto, negociando a curva com Scott Goodyear.

Um grande ponto de interrogação paira sobre o paddock, e a perplexidade não é menor nos boxes da Newman Haas: “Mansell achou que estava com um pneu furado”, é a explicação oficial. Desnecessário dizer que a equipe achava que não!

O receio de Mansell não é infundado. Na época, as fortes retomadas a que os carros eram submetidos nessa pista em saídas de curva faziam a pressão dos pneus traseiros saltar das 22 libras normais para até 27 libras.

Após a metade da corrida, o Leão se aloca em quarto lugar, atrás de seu companheiro de equipe (um certo senhor Mario Andretti). Andretti já perdera pelo caminho metade da asa dianteira, mas isso não parece influir em seu desempenho. Mansell o ultrapassa, mas não sem dificuldade.

Enquanto isso, na liderança, Fittipaldi já colocara 2s75 de diferença sobre Gordon. Ambos entram no box na mesma volta, a 44, outra vez, mas o motor de Bobby morre. Ambos perdem a posição para Mansell, mas o brasileiro já ganha um ponto pelo maior número de voltas na liderança. Ao que tudo indica, para Fittipaldi, tudo é uma questão de esperar o inglês entrar nos boxes para seu inevitável pit stop.

(Dez voltas depois)

Mansell pára, não troca pneus e volta 10s à frente de Fittipaldi. Pouco mais tarde, a diferença já se encontra em 19s25 e começa-se a especular sobre sua vitória. Afinal de contas, é um resultado incomum para um estreante. Além disso, nas 60 corridas anteriores, o pole position vencera em 15. Deveras incomum o êxito no grid se confirmar na corrida, mas se confirma, e o inglês é o vencedor. Dizia-se “sabemos que ele é bom em mistos, vamos ver como se sai em ovais”.

Mansell subiu ao alto do pódio mais três vezes em 1993. Todas elas em ovais.

Fittipaldi, faltando duas voltas para o final, começa a ficar sem gasolina. Robby Gordon se aproxima definitivamente, e não só ele. Mas o bicampeão chega em segundo.

Surpresa
Gordon sagra-se terceiro. Jovem (um dia mais velho que Michael Schumacher), o californiano foi rápido o fim de semana inteiro, não bateu, brigou com carros muito mais bem preparados e pôde se considerar um dos nomes da prova. AJ Foyt, dono de sua equipe, não foi à Austrália para a corrida, e brincava-se no paddock que sua ausência foi o motivo da equipe ter trabalhado tão bem no fim de semana.

Outro fato depõe a favor de Gordon: ele corria com um chassi Lola do ano anterior.Nas corridas seguintes, confirmou sua fama de agressivo e combativo, sendo inclusive suspenso em Long Beach por direção perigosa. Gordon finalmente venceu em 1995, duas vezes. Suas conquistas terminam aí. Já competiu em provas de turismo, CART, IRL, entrou inclusive no Dakar e, atualmente, é uma das figurinhas que engrossam o caldo da Nascar.

Em março de 1993, porém, naquele ensolarado domingo australiano, Gordon era uma jovem estrela ascendente do alegre circo da Indy. Não tão alegre, não tão esperançosa, esta é a categoria que volta a Surfers Paradise nesta madrugada.

PS – O vídeo, apoiado em conversas de box (e quem sou eu pra discordar) diz que Mansell sofre um Stop & Go pela ultrapassagem em Fittipaldi, por estar em bandeira amarela. Durante o cumprimento da penalidade, a equipe opta por abastecer e trocar os pneus, explicando a demora deste.

PPS – Há um outro vídeo aqui, um resumo da transmissão da Rede Manchete. A edição é péssima, mostra apenas a primeira rodada dos pit stops (note como narrador e comentarista não percebem que a parada de Mansell é fruto de uma penalização), mas tem a última volta completa. Um comentário me trouxe a confirmação necessária para o nome do comentarista: Edgard Mello Filho, fantástico. A narração é de Téo José.

Thursday, October 23, 2008

Os três de Surfers (parte 1)


Neste fim de semana a única categoria de monopostos dos Estados Unidos encerra sua temporada num evento que não conta pontos em Surfers Paradise. Achei apropriado lembrar a mesma corrida de quinze anos atrás, que na época abria a temporada da Indy.

Se hoje a Indy parece um pouco decadente, ela é a antítese daquele março de 1993, impressão reforçada pelos ianques terem feito alinhar em suas fileiras (por alguns milhões de dólares) ninguém menos que o campeão de Fórmula 1 do ano anterior, Nigel Mansell.

O Leão estampava o ‘red five’ em uma Newman-Haas favoritíssima quando marcou a pole para o GP de estréia. A seu lado na primeira fila, ninguém menos que Emerson Fittipaldi.

Necessário descrever a expectativa na largada? Agitada a bandeira verde, Fittipaldi pula à frente do inglês e traz consigo o terceiro do grid e companheiro de Penske, Paul Tracy.

Fittipaldi, Tracy, Mansell. Não, estes não são ‘os três de Surfers’ do título. Tracy logo pára nos boxes com problemas de suspensão, não sem antes ser ultrapassado por um jovem piloto ainda mais agressivo do que ele: Robby Gordon.

Gordon, da equipe Copenhagen, quarto no grid, ultrapassara Mansell em uma manobra linda, ignora o canadense e ganha seu lugar, merecido, entre ‘os três’. O comentarista da Manchete – um caso à parte, um dos melhores comentaristas de todos os tempos – define muito bem Gordon, este desconhecido: “a mãe dele coloca toda noite um lenço na boca do Robby, porque esse moleque baba”.

O comentarista (ignoro seu nome, tenho hipóteses sobre quem seja, mas não publico até ter certeza) se referia a sua volta no warm up, estabanada, inconseqüente, rápida, digna de fazer silenciar o circuito. A mesma agressividade ele usa para atacar o líder Fittipaldi nas primeiras voltas.

Só um piloto nos treinos fez sombra a Robby Gordon e seu nome é Nigel Mansell. A onipresença do muro não foi suficiente para que o inglês deixasse de ignorar zebras, travar pneus e sair de traseira. Antes da oitava volta, ele ultrapassa Robby Gordon. Pouco depois, encosta em Fittipaldi, bloqueia as duas rodas da frente, encontra uma brecha de centímetros entre a Penske e o concreto, e voilà, a corrida tem um novo líder.

Esqueça o Fittipaldi autocentrado, frio e calculista. Os três pilotos andam desde as primeiras das 65 voltas duelando como se não houvesse amanhã, e Emerson só não estampa os muros australianos por milagre, mais de uma vez.

O líder Mansell é o primeiro a entrar para a troca de pneus e reabastecimento, com um terço de prova, e a Newman-Haas faz um trabalho pífio. Quando Fittipaldi e Gordon saem dos boxes, juntos, estão à frente do inglês... este, com os pneus mais quentes, não demora muito para voltar à liderança.

A princípio muito colados, agora Mansell se desgruda à frente dos outros dois. O brasileiro e Gordon continuam muito próximos, igualmente andando de lado. A mesma sorte de não tocar nos muros, porém, não acompanha todos os pilotos. Buhl, Chiesa, Montermini, Jimmy Vasser, o brasileiro Marco Greco, todos estes já estão fora da prova, a maioria por saída de pista.

Surpresa! Sem bandeira amarela! Sabiamente, os diretores de prova não interromperam nenhuma vez sequer a prova.

Entre os líderes, tudo indica uma corrida sem tanta emoção em direção à bandeira quadriculada, até que... (continua)

Tuesday, October 21, 2008

O fracasso de três pontas


Em pouco menos de duas semanas, Lewis Hamilton virá ao Brasil para disputar a última corrida do ano e tentar ganhar o campeonato mundial de pilotos. Todas as chances a seu favor. Sem disputa com seu companheiro de equipe, larga vantagem de pontos de seu concorrente mais próximo, um carro bom e confiável. Contra ele, apenas o fantasma do ano passado.

Hamilton, entretanto, não é o único a ter um fantasma à sua volta. A eventual derrota do inglês no campeonato jogará luz no retumbante fracasso da parceria McLaren-Mercedes.

Juntas desde 1995, disputaram 13 temporadas completas até o fim do ano passado e venceram 52 corridas (58, contando as seis deste ano). Mas, em termos de campeonato, os resultados são risíveis: dois de pilotos e um de construtores.

Não é uma equipe qualquer. A McLaren foi a única a ultrapassar, em tempos recentes, a marca absoluta de vitórias da Ferrari – do GP da Austrália de 1993 ao da Alemanha de 1994, totalizou 104 primeiros lugares contra 103 da equipe de Maranello.

Além disso, é um time de ponta desde os anos 70. Na década seguinte, deixou de ser neozelandesa para se tornar britânica, sob o comando de Ron Dennis. Antes de se tornar parceira da Mercedes, se juntou a outras duas grandes fábricas: Porsche e Honda. Com ambas, conquistou o campeonato mundial logo no primeiro ano de parceria.

Corrijo-me: em 1994, firmou-se um contrato natimorto com a Peugeot. E foi em frangalhos que a Mercedes, após igualmente fracassada tentativa com a Sauber, se juntou à outrora campeã para formar um ‘dream team’.

Após três anos de recuperação, encontram os bons resultados. Conquistam o campeonato de pilotos e construtores de 1998. No ano seguinte, repetem o título de pilotos, ambos com Mika Hakkinen.

A partir de 2001, porém, a equipe entra em turbulência, alternando algumas temporadas fantásticas com outras tantas vergonhosas. Em 2004, o MP4/16 torna-se a piada do grid de tanto quebrar. Em 2005, Kimi Raikkonen e Juan Pablo Montoya vencem 10 das 19 provas, mas não levam a taça nem de pilotos, nem de construtores.

Desorganização e denúncias de espionagem explodem em 2007, e o título de pilotos escorre entre os dedos.

Nem mesmo em seus piores dias a McLaren sofreu com um jejum tão prolongado de títulos. Desde o último triunfo da Hakkinen, lá se vão nove anos. Da conquista de Hunt à de Lauda, entre 1976 e 84, foram oito anos de espera. Da última de Senna em 1991 à da Hakkinen em 1998, sete anos.

Caso vença a disputa entre os construtores em 2008, a McLaren-Mercedes igualará os dez anos de espera pelo título entre 1974 (quando Fittipaldi foi o primeiro campeão com a equipe) e 1984.

Não é provável, porém, que a equipe conquiste outro campeonato que não o de pilotos, já que está onze pontos atrás da Ferrari. Mais uma prova de que uma equipe que vence não é, necessariamente, uma equipe vencedora.

Sunday, October 19, 2008

GP da China 2008 – Expo 2010


Eram onze as arquibancadas do início da grande reta, imensas, completamente vazias. No lugar de pessoas, grandes outdoors que se prestam à divulgação da feira mundial do próximo biênio, a ocorrer na metrópole que abriga o circuito.

É fato que os chineses não ligam muito para esse ocidentalismo chamado ‘corrida de automóvel’, de modo que o governo de Xangai, que mandou construir um autódromo moderníssimo e megalômano em troca de quase meio bilhão de euros (depositada na conta de Herr Tilke), aparentemente desistiu de bancar essa caríssima brincadeira após o término do contrato. A própria transmissão registrou que o restante das arquibancadas só foi preenchido pela paquidérmica delicadeza estatal, exatamente como nas Olimpíadas deste ano.

Não culpemos Xangai, nem, sequer, os chineses. O GP da China da noite passada foi – que me perdoem os maoístas – de uma burocracia soviética. O mais próximo que a Fórmula 1 já chegou de “um conto, declamado por um idiota, cheio de som, sem sentido algum” em tempos recentes. E sem fúria também.

Isso é o que dá quando se coloca os carros para correr não em uma pista de verdade, mas em um imenso outdoor.

Saturday night fever
Aqueles que assistiram o GP de Cingapura, noturno, pela Rede Globo, tiveram o prazer de ouvir o ridículo trocadilho do ‘embalos de sábado à noite’. Repito por apenas um motivo: assisti ao GP ardendo em febre. Pena não ter sido muito forte, talvez os calafrios e as alucinações trouxessem mais cores à vitória de Hamilton, o segundo lugar de Massa, ao monótono vaivém.

Simbolismo
Enquanto os carros cruzavam a linha de chegada na China, os primeiros raios de sol, ainda que entre nuvens, empalideciam São Paulo, sede da próxima corrida, o palco certo da decisão do campeonato. Considerei tal fato um simbolismo oportuno, me senti feliz com isso e fui curtir meus graus de febre.

PS

Alguém notou algo estranho no pódio? A execução do hino e a distribuição dos troféus, geralmente filmadas em plano de conjunto, foram filmadas em plano médio. E a abertura da Carmen de Bizet não tocou na hora do champagne. Como no Brasil a ópera foi trocada por uma cafona chuva de papel picado eu uma bateria de escola de samba (justamente em São Paulo, túmulo do samba), não haverá mais Carmen este ano.

Friday, October 17, 2008

Massa não supera Senna nos televisores


Já é uma notícia antiga, mas passou batida na blogosfera (talvez preocupada demais com as páginas esportivas, se esquece de outras mais interessantes). A coluna de Daniel Castro na Folha de S. Paulo, saiu, no dia 22 de setembro, com a manchete “Audiência ignora ascensão de Felipe Massa”.

Resumindo, a medição do Ibope na Grande São Paulo mostrou que a média deste ano nas primeiras 14 corridas da Fórmula 1 foi de 16,5 pontos, ante 16 nas primeiras 14 corridas do ano passado. Cada ponto equivale a 56 mil domicílios, ou 1% das residências da região.

Não é um crescimento expressivo, mesmo comparando-se com anos em que os brasileiros eram figurantes no grid. Em 1998, por exemplo, a média da Globo com corridas foi de 15 pontos.

Até o GP da Itália, Mônaco registrou a maior audiência, com 20,2 pontos. A corrida de Monza foi a segunda mais assistida pelos paulistanos, com 20,1 pontos. Nada comparável à era Senna: em 1993, o GP da Itália marcou 29 pontos. Note-se que o final da temporada daquele ano Senna enfrentava uma fase difícil, sem vencer há meses.

Os números vêm a comprovar a tese de que um piloto brasileiro precisa de muito mais do que uma série de vitórias para fazer sombra, como fenômeno midiático, a Ayrton. Em seu mestrado, o jornalista Rodrigo França ressalta que Senna não foi somente um bom piloto para o Brasil, mas um ídolo que surgiu no exato momento em que o país precisava de um herói.

Em meados dos anos 80, a seleção brasileira de futebol estava em frangalhos. Piquet brigara com a grande mídia. Ayrton surge com sucesso precoce em 1984, quando o país se une para exigir o fim da ditadura militar. No mesmo dia em que é anunciada a morte do presidente não-empossado Tancredo Neves, Senna vence sua primeira corrida.

Quando o Brasil de Zico fracassa definitivamente na Copa do Mundo de 86 no México, contra a França, Ayrton ergue a bandeira nacional ao vencer em Detroit. A seu lado no pódio, dois franceses...

Diretas Já, inflação, Plano Collor. Em meio às turbulências políticas e econômicas do país, o inconsciente coletivo brasileiro se apegou na figura do piloto como imagem de um vencedor, de um campeão, uma certeza de sucesso. Boa parte da auto-estima de um povo estava devotada em uma única figura.

Costuma-se dizer que o ídolo Senna começou a ser construído após sua morte. Está errado. Ele era um herói antes mesmo de ganhar seu primeiro título. A Rede Globo de Televisão não participou diretamente da construção desse ídolo, mas o fomentou. Tampouco está correto dizer que Ayrton Senna piloto é uma persona independente do Ayrton Senna herói.

Como piloto e como ídolo, Ayrton Senna é um fenômeno singular e complexo, que rejeita simplificações e estereótipos. E é ele, e não Hamilton, Raikkonen ou Alonso aquele com quem Felipe Massa deve brigar. Ao menos nos índices de audiência.

Obs: Tive o prazer de escrever uma matéria sobre a tese de Rodrigo França, em 2006. Quem quiser ler, pode clicar aqui.