Um deles já estava lá quando o outro chegou. Sabia-se que era rápido, muitas vezes se deixou levar pelo seu ímpeto, mas só não havia sido ainda campeão mundial porque lhe faltara sorte.
O outro já entrou na equipe com um currículo respeitável. Após correr por Renault e McLaren, chega prometendo o título. Saiu desta justamente por diferenças em relação ao tratamento de Ron Dennis e ao companheiro de equipe.
Felipe Massa e Fernando Alonso, vocês são redundantes! Será que duram mais de uma temporada?
Acima: Nigel Mansell e Alain Prost no pódio do GP de Portugal de 1990. Abaixo: Prost e Mansell no GP da Alemanha do mesmo ano.
Wednesday, September 30, 2009
A volta (sorrateira) do Race Control
A ultrapassagem mais fantástica vista durante o GP de Cingapura não valeu. Na primeira volta, Mark Webber se aproximou de Fernando Alonso, que deu a ele o lado de fora da curva. O espanhol chegou a iniciar o apex na frente, mas Webber jogou a traseira, quase bateu na proteção e saiu mais acelerado.
O movimento do volante do australiano mostra a precisão da manobra. O lance decisivo se dá logo a partir do ponto B da curva, quando o volante começa a voltar para a linha reta.
Mas não valeu. O piloto foi orientado a devolver a posição ao espanhol (e a Glock, que também passara a Renault), o que ele fez na quinta volta. Neste preciso momento, talvez tenha sido inventado o impedimento na Fórmula 1.
As disputas de dão hoje no cronômetro, não no embate direto. Como diria Adorno, as ultrapassagens se realizam negativamente, e as exceções só confirmam a regra. Webber é o mais recente exemplo.
Os legalistas contra-argumentam: a Red Bull estava fora do traçado delimitado ao realizar a manobra, ainda que do lado de fora, mas mesmo contrariando o regulamento. Há um problema, porém, já que o regulamento jamais se aplicou a manobras similares na La Source (Exemplo mais antigo aqui).
Infelizmente, a punição em Cingapura confirma a tendência de aumento de intervenções do Race Control na parte final da temporada – talvez, para que penas desproporcionais segurem o ímpeto dos disputantes. Punições questionáveis pontuaram as últimas provas de 2007 e 2008.
Triste contradição que a Fórmula 1 enfrenta. Por um lado, se esmera em estudar formas de reintroduzir a ultrapassagem no automobilismo. Por outro, não aceita manobras em pista.
Desde a devolução das posições de Webber talvez seja válido questionar as intenções dos dirigentes do esporte. Será que as ineficientes restrições aerodinâmicas não foram pensadas para ser ineficientes? Será que a proibição de reabastecimento para 2010 não passa de mais um matiz do esmalte de seriedade que a categoria introduz para encobrir o business que ainda teimamos em chamar de esporte?
***
Atualização: o trecho do texto que alegava não ter havido letreiro na transmissão alertando sobre a punição foi suprimido.
Labels:
GP de Cingapura,
Marina Bay,
Mark Webber,
Race Control,
Red Bull
Tuesday, September 29, 2009
Cartazes - GP do Japão 1994
Uma peça que só poderia ser concebida no Japão, com seu temor e reverência pelos ancestrais. Uma paleta de cores muito primária e vibrante (no mau sentido) talvez esconda um pouco da beleza deste cartaz de 15 anos atrás, no qual os promotores apostaram em algo um tanto incomum: olhar para trás.
Cada carro representa um vencedor em Suzuka, do mais recente para o mais antigo. Logo em primeiro plano está Ayrton Senna cuja morte ainda era recente e - quem sabe - não totalmente assimilada. Vê-lo assim, tão próximo, algum impacto deve ter causado. Atrás dele Patrese, seguido por Berger, por Piquet e por um escondido Naninni, talvez pela pela forma como conquistou seu triunfo, em 89.
Por capricho do ilustrador, Senna aparece como que à frente do italiano, desta vez pela vitória de 88, seguido de Berger.
Os carros desenhados deixaram sua marca no mesmo lugar, Suzuka, em anos distintos. Curiosa a representação deles percorrendo traçados paralelos, dando forma às inimitáveis palavras de Proust: "Os lugares que conhecemos não pertencem sequer ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não passam de uma delgada fatia em meio às impressões contíguas que formavam nossa vida de então" (No caminho de Swann, trad. Fernando Py).
Labels:
Cartazes,
GP do Japão,
Marcel Proust,
Suzuka
Monday, September 28, 2009
Mea culpa
As breves palavras que seguem serão o máximo que publicarei sobre o último GP de Cingapura. Uma série compromissos nos últimos dias me exigiram todas as energias de que dispunha, de forma que o blog não pôde ser atualizado. Assisti à corrida, mas ao tentar formular as ideias por escrito nada saiu que não o mero relatorial, opiniões rasas e óbvias que jamais serão dadas ao conhecimento público.
Passemos então para a frente. A verborragia tende a diminuir, mas o ritmo de postagens deve voltar ao normal já a partir de amanhã.
Passemos então para a frente. A verborragia tende a diminuir, mas o ritmo de postagens deve voltar ao normal já a partir de amanhã.
Saturday, September 26, 2009
Cartazes - GP do Canadá 1969 (e a única desclassificação da história por estar "lento demais")
Para o anúncio da volta do GP do Canadá no ano que vem não passar despercebido - embora ainda seja necessário uma confirmação oficial. Um cartaz e ma história.
O cartaz, acima, não é dos melhores. Três famílias tipográficas diferentes, uma profusão incômoda de cores vindas dos carros e das letras. E pelamor, o que aconteceu com a cabeça dos pilotos 12 e 2? Por que tão pequenas?
A história é do homem da foto, em sua segunda e última corrida de Fórmula 1. Al Pease, piloto local que correu os GPs do Canadá de 67 e 69. Note que seu Eagle-Climax (equipe particular) não dispõe de aerofólios - já bastante utilizados no fim de 1969.
Pease não se qualificou tão mal - 17o num grid de 19 carros. Na primeira volta, envolveu-se em um acidente com Silvio Moser, mas continuou na pista, mesmo com seu velho equipamento danificado. Não se monstrou cortês no papel de retardatário. Finalmente, uma representação de Ken Tyrrell à direção de prova provocou sua imediata desclassificação. Recebeu a bandeira preta após 22 voltas - naquela altura, todos os outros pilotos em pista já tinham completado muito mais que o dobro.
O cartaz, acima, não é dos melhores. Três famílias tipográficas diferentes, uma profusão incômoda de cores vindas dos carros e das letras. E pelamor, o que aconteceu com a cabeça dos pilotos 12 e 2? Por que tão pequenas?
A história é do homem da foto, em sua segunda e última corrida de Fórmula 1. Al Pease, piloto local que correu os GPs do Canadá de 67 e 69. Note que seu Eagle-Climax (equipe particular) não dispõe de aerofólios - já bastante utilizados no fim de 1969.
Pease não se qualificou tão mal - 17o num grid de 19 carros. Na primeira volta, envolveu-se em um acidente com Silvio Moser, mas continuou na pista, mesmo com seu velho equipamento danificado. Não se monstrou cortês no papel de retardatário. Finalmente, uma representação de Ken Tyrrell à direção de prova provocou sua imediata desclassificação. Recebeu a bandeira preta após 22 voltas - naquela altura, todos os outros pilotos em pista já tinham completado muito mais que o dobro.
Labels:
Al Pease,
Cartazes,
Eagle,
GP do Canadá,
Mosport
Thursday, September 24, 2009
O pogrom e o jet lag
Título alternativo: Onde a Fórmula 1 não faz barulho
A feliz afirmação do blogueiro Luis Marcelo de que o GP de Cingapura é a melhor metáfora que a Fórmula 1 tem de si mesma não cessa de encontrar confirmações. Destas, talvez nenhuma se sobreponha escândalo da batida proposital de Nelsinho Piquet: uma categoria ávida por jogar luz sobre si mesma, mas rodeada pelas trevas – uma batida instrumental marca seu primeiro GP noturno.
A formatação da prova em Marina Bay exalta as contradições enfrentadas atualmente pelo campeonato mundial: desejoso do capital asiático, dependente do público europeu. Não haveria momento mais propício, portanto, para que fosse publicada a notícia de que uma das pistas mais tradicionais do automobilismo corre o risco de ter a licença de funcionamento cassada.
Vizinhos de Spa-Francorchamps entraram com uma ação contra o autódromo em 2007 alegando ruído excessivo causado pelas atividades de pista. O Conselho de Estado da Bélgica deu ganho de causa a eles, embora os administradores tenham entrado com recurso. O processo ainda está em andamento.
Não é algo inédito. Alguns europeus ocidentais orgulhosos dos pedaços de terra que sua família possui há uma ou duas dúzias de gerações não estão mais dispostos a escutar os ruídos de motor que não faz muito tempo tanto lhes aprazia. O caso de Spa é sintomático, já que há três décadas os carros passavam literalmente nas ruas das vilas (na foto, Jim Clark em sua Lotus, em 1965: alguém reclamou do barulho?).
Dizem alguns, foi naquela mesma região, em 1902, que europeus tentaram fazer aquilo que os norte-americanos tinham tentado em meados da década anterior: correr em círculos, não de cidade em cidade. Com o trágico Paris-Madri no ano seguinte, este modelo se provou mais sustentável, mas este primeiro circuito não foi mais utilizado.
Apenas nos anos 20 o jornalista Jules de Their e Henri Langlois Van Ophem idealizaram um triângulo de estradas de 15 km que permaneceu quase o mesmo palco para corridas no meio século seguinte. Em seu lugar surgiu o autódromo atual, que conserva parte do traçado aposentado.
A revolta da entourage de Spa traz à tona uma contradição amarga: se os europeus ainda são a locomotiva da audiência mundial da Fórmula 1, porque tantos se esforçam para esmagar as praças automotivas, tal qual um pogrom que força o automobilismo a procurar outras terras?
Já sabemos que a categoria tem se afastado da Europa também pelas extorsivas taxas praticadas pela FOM. Quando são repassadas ao público, os europeus, ao contrário dos brasileiros, preferem não pagar tão caro por um ingresso.
Mas há um fenômeno paralelo, menos alardeado. O fato é que a Europa Ocidental está destruindo o mobiliário automobilístico que uma vez lhe deu orgulho. Se ainda gostam de corridas, é para olhá-las pela televisão. Não os culpo.
A feliz afirmação do blogueiro Luis Marcelo de que o GP de Cingapura é a melhor metáfora que a Fórmula 1 tem de si mesma não cessa de encontrar confirmações. Destas, talvez nenhuma se sobreponha escândalo da batida proposital de Nelsinho Piquet: uma categoria ávida por jogar luz sobre si mesma, mas rodeada pelas trevas – uma batida instrumental marca seu primeiro GP noturno.
A formatação da prova em Marina Bay exalta as contradições enfrentadas atualmente pelo campeonato mundial: desejoso do capital asiático, dependente do público europeu. Não haveria momento mais propício, portanto, para que fosse publicada a notícia de que uma das pistas mais tradicionais do automobilismo corre o risco de ter a licença de funcionamento cassada.
Vizinhos de Spa-Francorchamps entraram com uma ação contra o autódromo em 2007 alegando ruído excessivo causado pelas atividades de pista. O Conselho de Estado da Bélgica deu ganho de causa a eles, embora os administradores tenham entrado com recurso. O processo ainda está em andamento.
Não é algo inédito. Alguns europeus ocidentais orgulhosos dos pedaços de terra que sua família possui há uma ou duas dúzias de gerações não estão mais dispostos a escutar os ruídos de motor que não faz muito tempo tanto lhes aprazia. O caso de Spa é sintomático, já que há três décadas os carros passavam literalmente nas ruas das vilas (na foto, Jim Clark em sua Lotus, em 1965: alguém reclamou do barulho?).
Dizem alguns, foi naquela mesma região, em 1902, que europeus tentaram fazer aquilo que os norte-americanos tinham tentado em meados da década anterior: correr em círculos, não de cidade em cidade. Com o trágico Paris-Madri no ano seguinte, este modelo se provou mais sustentável, mas este primeiro circuito não foi mais utilizado.
Apenas nos anos 20 o jornalista Jules de Their e Henri Langlois Van Ophem idealizaram um triângulo de estradas de 15 km que permaneceu quase o mesmo palco para corridas no meio século seguinte. Em seu lugar surgiu o autódromo atual, que conserva parte do traçado aposentado.
A revolta da entourage de Spa traz à tona uma contradição amarga: se os europeus ainda são a locomotiva da audiência mundial da Fórmula 1, porque tantos se esforçam para esmagar as praças automotivas, tal qual um pogrom que força o automobilismo a procurar outras terras?
Já sabemos que a categoria tem se afastado da Europa também pelas extorsivas taxas praticadas pela FOM. Quando são repassadas ao público, os europeus, ao contrário dos brasileiros, preferem não pagar tão caro por um ingresso.
Mas há um fenômeno paralelo, menos alardeado. O fato é que a Europa Ocidental está destruindo o mobiliário automobilístico que uma vez lhe deu orgulho. Se ainda gostam de corridas, é para olhá-las pela televisão. Não os culpo.
Apreensão indireta
As corridas de automóvel hoje em dia são midiáticas. Em nome da segurança (mas por interesses diversos), toda e qualquer experiência sensível do espectador foi subtraída. Imagine-se sentado num barranco à beira da Malmedy, esperando os carros passarem, nos anos 60. Alguns despontam na frente, outros disputam posições entre si. Você nota aqueles que freiam antes, os que freiam depois, mais agressivos, diferentes traçados, e estabelece suas próprias preferências com base naquilo. Há tempo de conversar, discutir com os espectadores a seu lado. Ouve-se ao longe o barulho dos motores que se aproximam e se afastam.
Hoje a formatação para a tv estandardizou o gosto. O melhor piloto é o que o cronômetro diz que é – e qual das curvas tilkeanas atuais vai dizer que não? O rápido corte das imagens na transmissão faz com que você não desgrude da tela – onde nada de relevante, contudo, parece acontecer. Estar à beira da pista é atordoante. Você não entende nada do que está acontecendo, a não ser que pregue os olhos no telão.
Se a organização suga quase toda vantagem econômica que o evento pode trazer à região, então por que promover um? Leve-se a Fórmula 1 para um lugar onde ela não faz barulho. Mas o ciclo tende a se perpetuar, e se a Fórmula 1 não se der conta disso rápido nem todos os ienes e iuans irão ressuscitar o interesse do resto do mundo na categoria.
Há poucas semanas saiu de cartaz em São Paulo o filme Horas de Verão (L’heure d’été), de Olivier Assayas. Talvez o diretor não goste de corridas, mas soube colocar em película muito do panorama do automobilismo presente. Uma família de três irmãos que tem de se manter (ou se desfazer de) o acervo de um antepassado artista. A irmã artista (Juliette Binoche) mora em Nova York, onde está seu público. O irmão yuppie está na Ásia, porque é lá que está o dinheiro. Gradualmente, a Europa se despoja de sua própria cultura, se aliena de si mesma, se esvazia. Com a Fórmula 1 não é diferente.
As corridas de automóvel hoje em dia são midiáticas. Em nome da segurança (mas por interesses diversos), toda e qualquer experiência sensível do espectador foi subtraída. Imagine-se sentado num barranco à beira da Malmedy, esperando os carros passarem, nos anos 60. Alguns despontam na frente, outros disputam posições entre si. Você nota aqueles que freiam antes, os que freiam depois, mais agressivos, diferentes traçados, e estabelece suas próprias preferências com base naquilo. Há tempo de conversar, discutir com os espectadores a seu lado. Ouve-se ao longe o barulho dos motores que se aproximam e se afastam.
Hoje a formatação para a tv estandardizou o gosto. O melhor piloto é o que o cronômetro diz que é – e qual das curvas tilkeanas atuais vai dizer que não? O rápido corte das imagens na transmissão faz com que você não desgrude da tela – onde nada de relevante, contudo, parece acontecer. Estar à beira da pista é atordoante. Você não entende nada do que está acontecendo, a não ser que pregue os olhos no telão.
Se a organização suga quase toda vantagem econômica que o evento pode trazer à região, então por que promover um? Leve-se a Fórmula 1 para um lugar onde ela não faz barulho. Mas o ciclo tende a se perpetuar, e se a Fórmula 1 não se der conta disso rápido nem todos os ienes e iuans irão ressuscitar o interesse do resto do mundo na categoria.
Há poucas semanas saiu de cartaz em São Paulo o filme Horas de Verão (L’heure d’été), de Olivier Assayas. Talvez o diretor não goste de corridas, mas soube colocar em película muito do panorama do automobilismo presente. Uma família de três irmãos que tem de se manter (ou se desfazer de) o acervo de um antepassado artista. A irmã artista (Juliette Binoche) mora em Nova York, onde está seu público. O irmão yuppie está na Ásia, porque é lá que está o dinheiro. Gradualmente, a Europa se despoja de sua própria cultura, se aliena de si mesma, se esvazia. Com a Fórmula 1 não é diferente.
Wednesday, September 23, 2009
Graham Hill, GP da Grã-Bretanha 1966
Quem segue o Cadernos no Twitter talvez tenha sacado o que esta foto está fazendo aí. Ela é parte da matéria que a Autosport fez sobre o GP da Grã-Bretanha de 1966. Um grupo de ingleses, entusiastas de corridas de turismo naquele país (mais especificamente, de uma equipe chamada Vita Racing, que corria de Mini Cooper) escaneou diversas matérias da Autosport e as deixou neste site aqui (em inglês).
O intuito é preservar a memória da Vita Racing, claro. Mas, garimpando, podemos ler coberturas históricas de GPs britânicos de Formula 1, GPs não-válidos pelo campeonato, corridas de Fórmula 2 com a participação e Clark, Brabham e amigos etc. Um arquivo histórico sem paralelos. Se os textos da revista inglesa não eram assim tão literários (não tanto quanto eu gostaria, pra falar a verdade), em não poucos momentos eles nos deixam transparecer o clima do automobilismo da ilha (e não só) nos anos 60.
E, como brinde, algumas fotos fantásticas, como essa aí em cima de Graham Hill se aproximando da curva Dingle Dell, em Brands Hatch. Uma pequena amostra de um dos circuitos mais fantásticos da história da Fórmula 1.
O intuito é preservar a memória da Vita Racing, claro. Mas, garimpando, podemos ler coberturas históricas de GPs britânicos de Formula 1, GPs não-válidos pelo campeonato, corridas de Fórmula 2 com a participação e Clark, Brabham e amigos etc. Um arquivo histórico sem paralelos. Se os textos da revista inglesa não eram assim tão literários (não tanto quanto eu gostaria, pra falar a verdade), em não poucos momentos eles nos deixam transparecer o clima do automobilismo da ilha (e não só) nos anos 60.
E, como brinde, algumas fotos fantásticas, como essa aí em cima de Graham Hill se aproximando da curva Dingle Dell, em Brands Hatch. Uma pequena amostra de um dos circuitos mais fantásticos da história da Fórmula 1.
Labels:
Brands Hatch,
BRM,
GP da Grã-Bretanha,
Graham Hill
Tuesday, September 22, 2009
Follow the money
Enquanto esteve no paddock, Flavio Briatore nos era um lembrete de que a Fórmula 1 é um negócio acima de tudo
Pouco após o desfecho de um julgamento orquestrado exclusivamente para banir Flavio Briatore da Fórmula 1 e das corridas em geral, Alessandra Alves postou em seu blog um comentário sobre a punição ao italiano, intitulada "We got him". Ela se refere à frase de um funcionário do governo americano ao prender Saddam Hussein. Achei interessante, porque quando tive conhecimento da punição uma outra frase de um outro funcionário do governo americano também me veio à cabeça: "Follow the money".
O contexto onde a frase foi proferida não é lá muito pomposo (uma garagem vazia no meio da madrugada), e seu autor tinha nome de filme pornô. Deep Throat, ou Garganta Profunda, o informante anônimo de dois jornalistas do Washington Post no caso Watergate, no qual uma misteriosa invasão da sede do partido democrata forçou a renúncia do presidente republicano Richard Nixon. A frase "Follow the money" ("Siga o dinheiro") revelou aos jornalistas uma das provas cabais da investigação: os milhares de dólares que os invasores portavam eram constituídos de notas sequenciais - que só podem ser obtidas em um lugar, a casa da moeda.
Briatore não teve tempo ou decência para renunciar a seu posto na Renault, quando o escândalo da batida de Nelsinho veio à tona. Mas nenhuma outra frase define melhor o percurso de sua bem-sucedida (até ontem) carreira. A sua vida foi (e é) seguir o dinheiro. Ao menos é a impressão que o italiano deixou em Ico numa entrevista recente, relatada neste post.
Coloque alguém que entende de negócios, apenas negócios, na Fórmula 1 dos anos 60 e você poderá contar em dias o tempo de permanência dele no meio. Coloque este mesmo alguém na Fórmula 1 dos anos 80 e ele se transformará numa das figuras mais poderosas do paddock. Triste reconhecer, mas a presença de Flavio Briatore na Fórmula 1 era uma forma de lembrar que a categoria é um negócio antes e acima de tudo. Como isso foi acontecer?
Numa publicação britânica de 2000 que no Brasil foi chamada de “Fórmula 1 – 50 Anos Dourados” (nunca vi ninguém que tivesse um outro exemplar, além de mim), Joe Saward parece tentar responder a esta questão. Em seu texto sobre os anos 80, ele contextualiza o período e nos dá algumas direções de interpretação a respeito do fenômeno do qual Briatore é um dos mais pujantes sintomas. Reproduzo a seguir alguns trechos:
“Margaret Tatcher estava no poder, lutando contra os sindicatos visando abrir caminho para a livre iniciativa e a privatização. O capitalismo era o credo e foi adotado entusiasticamente pelos proprietários de equipes de Fórmula 1 – constituídos principalmente de britânicos”.
O único grande time que emergiu nos anos oitenta foi a Benetton – Joe Saward
“Enquanto tudo isso estava acontecendo, o poder da televisão se tornava cada vez mais penetrante em todo o mundo. O total alcançado com a venda dos direitos de tv para os Jogos Olímpicos saltou de US$ 139 milhões em 1980 para US$ 899 milhões em 1992. (...) Com o dinheiro vieram os problemas”.
“Porém, com todas as mudanças e todo o dinheiro, se observarmos o grid da primeira corrida da década, em janeiro de 1980, e o compararmos com a última prova dos anos oitenta na Austrália, em 1989, eles eram muito semelhantes. Oito equipes eram as mesmas – ao menos no nome. (...)
Entre as grandes equipes de 1980 que não sobreviveram até 1990, a Renault desistiu de manter uma equipe, mas ainda continuava como fornecedora de motores; a Alfa Romeo foi comprada pela Fiat que, acertadamente, concluiu que era mais sábio utilizar o nome da Ferrari na F1. A Ensign e a ATS faliram. O único grande competidor que emergiu nos anos oitenta foi a Benetton”.
Não constituiu nenhuma surpresa quando os pilotos começaram a perder o senso da realidade - idem
“Em um esforço para atrair patrocinadores empresariais – e talvez justificar seus enormes gastos – as equipes tornaram-se mais ‘profissionais’. Começaram a se vestir elegantemente em uniformes. Adquiriram caminhões articulados reluzentes que eram usados como painéis de propaganda dos patrocinadores pelas estradas da Europa. Investiram em caros motorhomes e o aceso ao paddock – e às personalidades – tornou-se cada vez mais restrito.
Isso significava que os espectadores raramente viam os pilotos, se é que viam alguma vez e, no final da década, estava se tornando mais difícil para a mídia se aproximar das estrelas. Paparicados e distantes do mundo real, em motorhomes e jatinhos particulares, cercados por conselheiros e advogados, não constituiu nenhuma surpresa quando os pilotos começaram a perder o senso da realidade”.
“Do ponto de vista técnico, os regulamentos foram transgredidos quando as equipes tentaram encontrar uma margem competitiva. Deixou de existir qualquer ‘espírito’ nos regulamentos”.
Os paralelos com a vida de Briatore gritam, apesar de Saward não ter citado seu nome em qualquer momento. A Benetton é uma das equipes que mais investiu nos “uniformes”, e foi por ela que Flavio entrou no paddock, no GP da Austrália de 1988, para no ano seguinte assumir o time – depois de Luciano Benetton ter demitido boa parte do staff.
Briatore, Benetton, comercialização do esporte. Ainda não pretendo juntar estas pontas. Farei isso em um próximo post, ainda nesta semana. Enquanto isso, gostaria de saber do leitor: se Flavio Briatore é um sintoma da transformação da Fórmula 1 em business, você acha que a saída dele representa, de alguma forma, o retorno parcial de um automobilismo de outros tempos?
Pouco após o desfecho de um julgamento orquestrado exclusivamente para banir Flavio Briatore da Fórmula 1 e das corridas em geral, Alessandra Alves postou em seu blog um comentário sobre a punição ao italiano, intitulada "We got him". Ela se refere à frase de um funcionário do governo americano ao prender Saddam Hussein. Achei interessante, porque quando tive conhecimento da punição uma outra frase de um outro funcionário do governo americano também me veio à cabeça: "Follow the money".
O contexto onde a frase foi proferida não é lá muito pomposo (uma garagem vazia no meio da madrugada), e seu autor tinha nome de filme pornô. Deep Throat, ou Garganta Profunda, o informante anônimo de dois jornalistas do Washington Post no caso Watergate, no qual uma misteriosa invasão da sede do partido democrata forçou a renúncia do presidente republicano Richard Nixon. A frase "Follow the money" ("Siga o dinheiro") revelou aos jornalistas uma das provas cabais da investigação: os milhares de dólares que os invasores portavam eram constituídos de notas sequenciais - que só podem ser obtidas em um lugar, a casa da moeda.
Briatore não teve tempo ou decência para renunciar a seu posto na Renault, quando o escândalo da batida de Nelsinho veio à tona. Mas nenhuma outra frase define melhor o percurso de sua bem-sucedida (até ontem) carreira. A sua vida foi (e é) seguir o dinheiro. Ao menos é a impressão que o italiano deixou em Ico numa entrevista recente, relatada neste post.
Coloque alguém que entende de negócios, apenas negócios, na Fórmula 1 dos anos 60 e você poderá contar em dias o tempo de permanência dele no meio. Coloque este mesmo alguém na Fórmula 1 dos anos 80 e ele se transformará numa das figuras mais poderosas do paddock. Triste reconhecer, mas a presença de Flavio Briatore na Fórmula 1 era uma forma de lembrar que a categoria é um negócio antes e acima de tudo. Como isso foi acontecer?
Numa publicação britânica de 2000 que no Brasil foi chamada de “Fórmula 1 – 50 Anos Dourados” (nunca vi ninguém que tivesse um outro exemplar, além de mim), Joe Saward parece tentar responder a esta questão. Em seu texto sobre os anos 80, ele contextualiza o período e nos dá algumas direções de interpretação a respeito do fenômeno do qual Briatore é um dos mais pujantes sintomas. Reproduzo a seguir alguns trechos:
“Margaret Tatcher estava no poder, lutando contra os sindicatos visando abrir caminho para a livre iniciativa e a privatização. O capitalismo era o credo e foi adotado entusiasticamente pelos proprietários de equipes de Fórmula 1 – constituídos principalmente de britânicos”.
O único grande time que emergiu nos anos oitenta foi a Benetton – Joe Saward
“Enquanto tudo isso estava acontecendo, o poder da televisão se tornava cada vez mais penetrante em todo o mundo. O total alcançado com a venda dos direitos de tv para os Jogos Olímpicos saltou de US$ 139 milhões em 1980 para US$ 899 milhões em 1992. (...) Com o dinheiro vieram os problemas”.
“Porém, com todas as mudanças e todo o dinheiro, se observarmos o grid da primeira corrida da década, em janeiro de 1980, e o compararmos com a última prova dos anos oitenta na Austrália, em 1989, eles eram muito semelhantes. Oito equipes eram as mesmas – ao menos no nome. (...)
Entre as grandes equipes de 1980 que não sobreviveram até 1990, a Renault desistiu de manter uma equipe, mas ainda continuava como fornecedora de motores; a Alfa Romeo foi comprada pela Fiat que, acertadamente, concluiu que era mais sábio utilizar o nome da Ferrari na F1. A Ensign e a ATS faliram. O único grande competidor que emergiu nos anos oitenta foi a Benetton”.
Não constituiu nenhuma surpresa quando os pilotos começaram a perder o senso da realidade - idem
“Em um esforço para atrair patrocinadores empresariais – e talvez justificar seus enormes gastos – as equipes tornaram-se mais ‘profissionais’. Começaram a se vestir elegantemente em uniformes. Adquiriram caminhões articulados reluzentes que eram usados como painéis de propaganda dos patrocinadores pelas estradas da Europa. Investiram em caros motorhomes e o aceso ao paddock – e às personalidades – tornou-se cada vez mais restrito.
Isso significava que os espectadores raramente viam os pilotos, se é que viam alguma vez e, no final da década, estava se tornando mais difícil para a mídia se aproximar das estrelas. Paparicados e distantes do mundo real, em motorhomes e jatinhos particulares, cercados por conselheiros e advogados, não constituiu nenhuma surpresa quando os pilotos começaram a perder o senso da realidade”.
“Do ponto de vista técnico, os regulamentos foram transgredidos quando as equipes tentaram encontrar uma margem competitiva. Deixou de existir qualquer ‘espírito’ nos regulamentos”.
Os paralelos com a vida de Briatore gritam, apesar de Saward não ter citado seu nome em qualquer momento. A Benetton é uma das equipes que mais investiu nos “uniformes”, e foi por ela que Flavio entrou no paddock, no GP da Austrália de 1988, para no ano seguinte assumir o time – depois de Luciano Benetton ter demitido boa parte do staff.
Briatore, Benetton, comercialização do esporte. Ainda não pretendo juntar estas pontas. Farei isso em um próximo post, ainda nesta semana. Enquanto isso, gostaria de saber do leitor: se Flavio Briatore é um sintoma da transformação da Fórmula 1 em business, você acha que a saída dele representa, de alguma forma, o retorno parcial de um automobilismo de outros tempos?
Labels:
Benetton,
Flavio Briatore,
Mídia,
Renault
Friday, September 18, 2009
Fiat iustitia et pereat mundus – parte 4/4
Mas se o piloto é cúmplice por um lado, por outro é também vítima. Há um lado cruel em seu afastamento.
Outra vez relembrando: Prost, Senna e Schumacher não foram afastados do esporte por atos muito mais graves. Nelsinho não será mais contratado por equipe alguma porque nenhuma delas vai querer associá-lo à sua imagem de esportividade e fair play. Em suma, por uma imposição de mercado.
Nelsinho errou ao agir em função de uma necessidade corporativa. Agora, a mesma necessidade corporativa o repele. A economia de mercado fez Piquet rodar de propósito. A economia de mercado puniu Piquet. Orwell não faria melhor.
“(...) Em troca da parcela de vida humana entregue à mercadoria, apropriamo-nos do simulacro da subjetividade de alguns sujeitos investidos do máximo valor narcisista, da máxima autonomia, da máxima capacidade de desfrute de todas as possibilidades contidas em uma vida. Como se estes sujeitos ditos privilegiados não fossem pobres diabos, vendedores de força de trabalho, assim como a maioria de seus fãs”. Maria Rita Kehl (2004; 65).
Se há um ponto positivo em todo este escândalo da Renault, foi aflorar a lógica perversa que se esconde por trás das nossas telas planas nos domingos de manhã.
Outra vez relembrando: Prost, Senna e Schumacher não foram afastados do esporte por atos muito mais graves. Nelsinho não será mais contratado por equipe alguma porque nenhuma delas vai querer associá-lo à sua imagem de esportividade e fair play. Em suma, por uma imposição de mercado.
Nelsinho errou ao agir em função de uma necessidade corporativa. Agora, a mesma necessidade corporativa o repele. A economia de mercado fez Piquet rodar de propósito. A economia de mercado puniu Piquet. Orwell não faria melhor.
“(...) Em troca da parcela de vida humana entregue à mercadoria, apropriamo-nos do simulacro da subjetividade de alguns sujeitos investidos do máximo valor narcisista, da máxima autonomia, da máxima capacidade de desfrute de todas as possibilidades contidas em uma vida. Como se estes sujeitos ditos privilegiados não fossem pobres diabos, vendedores de força de trabalho, assim como a maioria de seus fãs”. Maria Rita Kehl (2004; 65).
Se há um ponto positivo em todo este escândalo da Renault, foi aflorar a lógica perversa que se esconde por trás das nossas telas planas nos domingos de manhã.
Thursday, September 17, 2009
Fiat iustitia et pereat mundus – parte 3/4
Continuação
Com Piquet, as coisas funcionam um pouco diferente. A batida em Cingapura não foi uma manobra desesperada, quanto menos irracional. Foi um movimento planejado, calculado, executado. Houve um ou dois mentores, houve uma reunião a portas fechadas, um dedo apontado no mapa.
Foi um jogo de equipe, para que seu companheiro ganhasse a prova. Para que a Renault ganhasse a prova, em última análise. Foi um movimento corporativo.
Piquet foi cúmplice da instrumentalização extrema do automobilismo. É claro que tal instrumentalização existe o tempo todo (nos patrocínios, no marketing das fábricas envolvidas), mas de forma velada: se ela vem à tona, o pacto com o espectador é quebrado.
Por isso mesmo é bem capaz que a Fórmula 1 não aceite mais Piquet. E nós também não aceitamos: mais uma vez, também passamos todo dia pela mesma situação - ser coagido a agir em benefício da empresa à qual vendemos nossa força de trabalho. Quando sentamos em nosso sofá, porém, queremos ver alguém que nos liberte (essencialmente na aparência), que não nos reproduza. Jamais perdoaremos Nelsinho por aceitar fazer o que somos obrigados a fazer para viver.
“A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio”, diz Adorno. Quando alguém nos joga isso na cara, nos enfurecemos.
Com Piquet, as coisas funcionam um pouco diferente. A batida em Cingapura não foi uma manobra desesperada, quanto menos irracional. Foi um movimento planejado, calculado, executado. Houve um ou dois mentores, houve uma reunião a portas fechadas, um dedo apontado no mapa.
Foi um jogo de equipe, para que seu companheiro ganhasse a prova. Para que a Renault ganhasse a prova, em última análise. Foi um movimento corporativo.
Piquet foi cúmplice da instrumentalização extrema do automobilismo. É claro que tal instrumentalização existe o tempo todo (nos patrocínios, no marketing das fábricas envolvidas), mas de forma velada: se ela vem à tona, o pacto com o espectador é quebrado.
Por isso mesmo é bem capaz que a Fórmula 1 não aceite mais Piquet. E nós também não aceitamos: mais uma vez, também passamos todo dia pela mesma situação - ser coagido a agir em benefício da empresa à qual vendemos nossa força de trabalho. Quando sentamos em nosso sofá, porém, queremos ver alguém que nos liberte (essencialmente na aparência), que não nos reproduza. Jamais perdoaremos Nelsinho por aceitar fazer o que somos obrigados a fazer para viver.
“A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio”, diz Adorno. Quando alguém nos joga isso na cara, nos enfurecemos.
(Continua)
Leia também, sobre o mesmo tema: os comentários de Keith Collantine, do F1 Fanatic e Simon Barnes, do The Times (ambos em inglês).
Wednesday, September 16, 2009
Fiat iustitia et pereat mundus – parte 2/4
Continuação
Talvez os campeões mundiais nos causem mais empatia. Talvez nos sintamos mais dispostos a nos projetar em alguém que chegou ao topo do que em um jovem segundo piloto. Mas isso ainda me soa algo superficial. Aprofundemos.
1989: Senna crescia rapidamente no retrovisor de Prost já há algumas voltas. O francês havia pilotado como raramente se viu ele fazer, e mesmo assim uma ultrapassagem parecia iminente, o que levaria ao adiamento e possível derrota no campeonato. Ver Senna colocando seu carro por dentro talvez tenha sido demais até para o frio professor.
1990: No ano seguinte, a situação se inverteu. Era Prost quem precisava da vitória. Senna havia pedido a troca das posições de largada, antes dos treinos, para que o pole saísse do lado mais emborrachado. No domingo soube que Balestre vetara sua proposta. No briefing, uma piadinha entre os pilotos: alguém fingiu perguntar se a pista de serviço da chicane valeria como traçado. Prost largou do lado mais emborrachado da pista, em segundo, e chegou na curva 1 à frente de Senna. Todo o necessário era apenas continuar acelerando.
1994: Schumacher liderou até a volta 35, quando saiu da pista, e o título parecia escorrer entre seus dedos, após uma série de punições e desclassificações durante a temporada. Foi quando Damon Hill terminou surgiu atrás da curva.
Impulso x Premeditação
Acredito que a descrição de 1997 se faça desnecessária. Em todos os casos havia uma situação colocada de pressão extrema, de derrota iminente. Todos os quatro movimentos foram a última tentativa, desesperada, irracional, de preservar uma conquista – ou ao menos podem ser tomadas como tal. Em muitos outros esportes, esta tentativa é até institucionalizada: no futebol, por exemplo, o zagueiro pode tentar rasgar o joelho do atacante adversário antes que ele chute a gol. Se fizer bem feito, o árbitro sequer notará o pênalti, e tudo acabará por isso mesmo.
No futebol como no nazismo, a violência sistemática se justifica em nome da coletividade, do interesse do time.
Sabemos racionalmente que quando a situação é transposta para uma tonelada de metal com gasolina dentro em alta velocidade, a questão se torna mais séria. Mas nosso inconsciente (talvez pelo fato de vermos jogos e corridas sentados em um sofá confortável, pela tv) não se dá muita conta da diferença. Um acidente proposital e um pênalti são condenáveis, mas não imperdoáveis.
Além do mais, quem jamais se colocou numa situação de tudo-ou-nada? Empiricamente ou instintivamente, todos sabemos o que é isso. E todos sabemos que somos propensos a agir da mesma forma, ainda que condenável. E qual motorista brasileiro nunca passou no sinal vermelho, mas que tinha ‘acabado de fechar’?
(Continua)
Talvez os campeões mundiais nos causem mais empatia. Talvez nos sintamos mais dispostos a nos projetar em alguém que chegou ao topo do que em um jovem segundo piloto. Mas isso ainda me soa algo superficial. Aprofundemos.
1989: Senna crescia rapidamente no retrovisor de Prost já há algumas voltas. O francês havia pilotado como raramente se viu ele fazer, e mesmo assim uma ultrapassagem parecia iminente, o que levaria ao adiamento e possível derrota no campeonato. Ver Senna colocando seu carro por dentro talvez tenha sido demais até para o frio professor.
1990: No ano seguinte, a situação se inverteu. Era Prost quem precisava da vitória. Senna havia pedido a troca das posições de largada, antes dos treinos, para que o pole saísse do lado mais emborrachado. No domingo soube que Balestre vetara sua proposta. No briefing, uma piadinha entre os pilotos: alguém fingiu perguntar se a pista de serviço da chicane valeria como traçado. Prost largou do lado mais emborrachado da pista, em segundo, e chegou na curva 1 à frente de Senna. Todo o necessário era apenas continuar acelerando.
1994: Schumacher liderou até a volta 35, quando saiu da pista, e o título parecia escorrer entre seus dedos, após uma série de punições e desclassificações durante a temporada. Foi quando Damon Hill terminou surgiu atrás da curva.
Impulso x Premeditação
Acredito que a descrição de 1997 se faça desnecessária. Em todos os casos havia uma situação colocada de pressão extrema, de derrota iminente. Todos os quatro movimentos foram a última tentativa, desesperada, irracional, de preservar uma conquista – ou ao menos podem ser tomadas como tal. Em muitos outros esportes, esta tentativa é até institucionalizada: no futebol, por exemplo, o zagueiro pode tentar rasgar o joelho do atacante adversário antes que ele chute a gol. Se fizer bem feito, o árbitro sequer notará o pênalti, e tudo acabará por isso mesmo.
No futebol como no nazismo, a violência sistemática se justifica em nome da coletividade, do interesse do time.
Sabemos racionalmente que quando a situação é transposta para uma tonelada de metal com gasolina dentro em alta velocidade, a questão se torna mais séria. Mas nosso inconsciente (talvez pelo fato de vermos jogos e corridas sentados em um sofá confortável, pela tv) não se dá muita conta da diferença. Um acidente proposital e um pênalti são condenáveis, mas não imperdoáveis.
Além do mais, quem jamais se colocou numa situação de tudo-ou-nada? Empiricamente ou instintivamente, todos sabemos o que é isso. E todos sabemos que somos propensos a agir da mesma forma, ainda que condenável. E qual motorista brasileiro nunca passou no sinal vermelho, mas que tinha ‘acabado de fechar’?
(Continua)
Labels:
Alain Prost,
Ayrton Senna,
Futebol,
Michael Schumacher
Monday, September 14, 2009
Fiat iustitia et pereat mundus – parte 1/4
Prost, Senna, Schumacher
O que há de tão ultrajante na batida de Piquet em Cingapura que faz alguns nomes do jornalismo especializado pregarem seu afastamento do esporte? A questão parece simples, e não é? Claro que não. Vamos à jurisprudência:
GP do Japão de 1989: Prost joga seu carro em cima do de Ayrton Senna, na volta 44.
GP do Japão de 1990: Senna força uma batida com Alain Prost na primeira curva após a largada.
GP da Austrália de 1994: Michael Schumacher bloqueia Damon Hill após uma saída de pista.
GP da Europa de 1997: Michael Schumacher força uma colisão com Jacques Villeneuve – sem sucesso, porém.
Se tais casos fossem punidos com a mesma severidade que Nelsinho Piquet “merece” (sua exclusão do esporte a motor), a história da categoria que amamos nos seria irreconhecível. Atenhamo-nos aos fatos. O que estes casos têm em comum? Eles envolvem disputas diretas pelo título. Todos menos um foram bem sucedidos – em nenhum houve interferência judicial (no qual o réu foi quem bateu). Todos envolvem campeões mundiais. Todos envolvem pelo menos um piloto considerado muito acima da média.
Não há nenhum dado objetivo que torne mais justificável uma batida proposital para vencer um campeonato do que uma batida proposital instruída por superiores. Pelo contrário, a colisão de Nelsinho foi potencialmente muito menos letal. Mais: pode-se alegar assédio moral, enquanto os quinze títulos listados acima agiram por vontade própria.
Por que perdoamos Prost, Senna e Schumacher com mais facilidade que Nelsinho?
A resposta para tal paradoxo só pode estar em nós mesmos. E, com sorte, nos próximos posts.
O título significa, em tradução livre: “Faça-se a justiça e o mundo perecerá”. Saiba mais sobre ela clicando aqui (em inglês).
Sunday, September 13, 2009
GP da Itália 2009 – Na sala com Rubinho
Após os treinos classificatórios de sábado, a Brawn informou a Barrichello que sua caixa de câmbio, devido ao princípio de incêndio sofrido durante o GP da Bélgica, seria trocada para a corrida, o que o faria perder cinco posições no grid – pesou na decisão da equipe o fato de Monza proporcionar chances de ultrapassagens (segundo a própria),minimizando a punição.
Barrichello não se deixou convencer, assumiu os riscos e a decisão de correr com o mesmo equipamento. Cinquenta e três voltas depois, provou que tinha razão. Por mais que a estratégia da Brawn tenha sido muito bem sucedida, a jogada determinante para a vitória de Rubinho foi erguer o tom de sua voz e fazer sua vontade prevalecer.
Foi muito mais que uma vitória, portanto, foi ter agido como um vencedor: eis o grande feito de Rubinho em Monza.
No início de junho, Capelli colocou uma interessante hipótese sobre o desempenho do piloto ao longo de sua carreira, ao mostrar que sua superioridade em relação aos companheiros se dava em larga medida quando a equipe não possuía um bom carro. Este foi o ponto de partida para uma outra hipótese, de minha autoria. Todo piloto que está na Fórmula 1 tem uma grande paixão pela vitória, mas com esta convivem outras grandes paixões que variam de indivíduo para indivíduo. A paixão específica de Barrichello é a sua relação com o carro.
Rubinho parece desenvolver uma espécie de simbiose com o bólido que pilota. Não à toa é um reconhecido bom desenvolvedor e acertador, já que possui um gosto muito particular em interpretar os sinais que chegam até ele no cockpit – e que outros pilotos talvez mal se deem conta.
Isso pode ser muito bem notado nas entrevistas que dá ao final da corrida, pelas quais, aliás, costuma ser criticado e/ou crucificado. O que jornalistas e espectadores interpretam como arrogância e prepotência, talvez seja... bem, arrogância e prepotência também, mas um pouco mais do que isso. Note nas entrevistas e coletivas de imprensa como ele relata as reações do carro, um consumo atípico de pneus, um eventual problema na troca de marchas, uma resposta problemática do motor na saída de uma curva. Ao grande público tudo isso soa como uma forma de externalizar os problemas, não aceitar a própria responsabilidade pelo resultado obtido, se eximir da responsabilidade. A um engenheiro, isso soa como um ótmo gráfico de telemetria.
Soma-se a isso as más fases, os longos períodos em que a vitória não vem, e que marcaram profundamente a carreira do piloto. Hoje, porém, ele não pode ser criticado, porque venceu. Mais do que vencer, não se eximiu das responsabilidades pelo resultado. Mais do que isso: o carro foi perfeito.
Se Barrichello incorre na verborragia quando abandona ou tem um resultado decepcionante, hoje seu silêncio durante a volta de desaceleração foi mais do que eloquente. “Quando cruzei a linha de chegada, fiquei sem palavras”, declarou. Não havia mais nada a dizer.
Barrichello não se deixou convencer, assumiu os riscos e a decisão de correr com o mesmo equipamento. Cinquenta e três voltas depois, provou que tinha razão. Por mais que a estratégia da Brawn tenha sido muito bem sucedida, a jogada determinante para a vitória de Rubinho foi erguer o tom de sua voz e fazer sua vontade prevalecer.
Foi muito mais que uma vitória, portanto, foi ter agido como um vencedor: eis o grande feito de Rubinho em Monza.
No início de junho, Capelli colocou uma interessante hipótese sobre o desempenho do piloto ao longo de sua carreira, ao mostrar que sua superioridade em relação aos companheiros se dava em larga medida quando a equipe não possuía um bom carro. Este foi o ponto de partida para uma outra hipótese, de minha autoria. Todo piloto que está na Fórmula 1 tem uma grande paixão pela vitória, mas com esta convivem outras grandes paixões que variam de indivíduo para indivíduo. A paixão específica de Barrichello é a sua relação com o carro.
Rubinho parece desenvolver uma espécie de simbiose com o bólido que pilota. Não à toa é um reconhecido bom desenvolvedor e acertador, já que possui um gosto muito particular em interpretar os sinais que chegam até ele no cockpit – e que outros pilotos talvez mal se deem conta.
Isso pode ser muito bem notado nas entrevistas que dá ao final da corrida, pelas quais, aliás, costuma ser criticado e/ou crucificado. O que jornalistas e espectadores interpretam como arrogância e prepotência, talvez seja... bem, arrogância e prepotência também, mas um pouco mais do que isso. Note nas entrevistas e coletivas de imprensa como ele relata as reações do carro, um consumo atípico de pneus, um eventual problema na troca de marchas, uma resposta problemática do motor na saída de uma curva. Ao grande público tudo isso soa como uma forma de externalizar os problemas, não aceitar a própria responsabilidade pelo resultado obtido, se eximir da responsabilidade. A um engenheiro, isso soa como um ótmo gráfico de telemetria.
Soma-se a isso as más fases, os longos períodos em que a vitória não vem, e que marcaram profundamente a carreira do piloto. Hoje, porém, ele não pode ser criticado, porque venceu. Mais do que vencer, não se eximiu das responsabilidades pelo resultado. Mais do que isso: o carro foi perfeito.
Se Barrichello incorre na verborragia quando abandona ou tem um resultado decepcionante, hoje seu silêncio durante a volta de desaceleração foi mais do que eloquente. “Quando cruzei a linha de chegada, fiquei sem palavras”, declarou. Não havia mais nada a dizer.
Labels:
Brawn GP,
GP da Itália,
Monza,
Rubens Barrichello
Saturday, September 12, 2009
Cingapura revisitada - A entrevista de Piquet e conversas de rádio da Renault
Poucas coisas na Fórmula 1 atual são mais divertidas do que rever o GP de Cingapura de 2008, das voltas 12 à 36.
Começando com o pit stop de Fernando Alonso. Nada incomum até então, apenas um lance normal de corrida. Em seguida, o acidente de Piquet. Pareceu mais forte do que realmente foi: apenas quando o rádio do Piquet foi colocado na transmissão, com o piloto falando “Sorry, guys”, algo resignado, houve a certeza de que ele estava ok.
O Safety Car entrou na frente do carro de Alonso. Enquanto isso, Nico Rosberg e Robert Kubica faziam suas paradas. Mais tarde, o rádio de Alonso é colocado na transmissão. O engenheiro do piloto fala algo confuso sobre drive through, sem dar a entender se a punição se dirigia a ele ou a quem estava à sua frente.
O pit stop de Felipe Massa tirou a atenção de todos quanto à batida de Nelsinho.
Sem ninguém prestar muita atenção, o repórter de pista da Globo, Carlos Gil, entrevista o brasileiro da Renault. Nelsnho se revela muito hesitante (isso é fácil de dizer hoje, mas ele sempre foi ‘algo hesitante’ nas entrevistas). Discorre de forma desconexa sobre o excesso de ondulações na pista, sobre a estratégia de fazer um primeiro stint curto, sobre estar perseguindo o Rubinho. Nada de errado, portanto.
Mais tarde, quando os drive throughs foram confirmados para Rosberg e Kubica, respectivamente, Galvão Bueno logo revelou a expectativa para o anúncio da punição de Alonso – que não veio. Um certo tempo se passou até que Reginaldo Leme corrigisse: “O Alonso parou na volta 12, antes do acidente do Nelsinho”.
E emendou uma frase que hoje faz cócegas nos ouvidos: “O Alonso não tem nada a ver com isso”.
A essa altura, Trulli era o primeiro colocado. O engenheiro do espanhol parecia desinformado quando fez contato com o piloto pelo rádio: “A gente não tem certeza do que está acontecendo. Just push like hell during the race, mate”. Isto foi na volta 36.
O resto da história a gente já sabe. Ou sabia... Amanhã, este blog volta a falar de esporte.
Thursday, September 10, 2009
Uma Renault para se orgulhar
Tambay saiu do cockpit sob uma salva de palmas da torcida italiana em Monza, no GP de 1984. Parou sua Renault na reta dos boxes a sete voltas do fim, e se dirigia a pé ao pit lane. Os aplausos eram mais do que merecidos, mas não eram dirigidos a ele: os tifosi, na verdade, estavam comemorando seu abandono, que acabava de colocar Alboreto em segundo lugar.
O francês havia liderado exatamente metade da corrida, tendo herdado a ponta de Nelson Piquet e segurado a partir de então o ímpeto de Teo Fabi e a experiência de Niki Lauda. O primeiro abandonou antes. Restavam Lauda e Tambay, o austríaco sabendo que a vitória era um importante passo para o título (tavez nem ele imaginasse o quanto...), o líder precisando desesperadamente de um bom resultado. Esperava-se uma batalha feroz entre os dois nas voltas finais.
Não foi o que aconteceu. Lauda estava distante ao entrar na chicane Della Roggia. Na saída era o primeiro colocado. Passou por Tambay sem encontrar resistência alguma.
Isso porque a Renault já estava com problemas - naqueles tempos, um GP da Itália levava os carros ao limite -, o que se comprovou uma volta e meia mais tarde, quando o carro amarelo finalmente parou.
Naquele dia, a Renault não venceu, mas encantou. Hoje, só se fala da Renault no paddock de Monza, por um motivo oposto: por uma corrida cuja vitória dela não teve um décimo do mérito alcançado por Tambay há 25 anos, que não lhe rendeu sequer um mísero ponto no campeonato.
Moral da história: não acredite demais nos números em uma corrida de Fórmula 1.
(A foto que ilustra o post foi feita no GP da Holanda, por isso esta corrida e a pista de Zandvoort estão creditadas nas tags).
Labels:
GP da Holanda,
GP da Itália,
Monza,
Niki Lauda,
Patrick Tambay,
Renault,
Zandvoort
Tuesday, September 8, 2009
Dois anos!!
E assim se passaram dois anos desde que publiquei o primeiro post no Cadernos do Automobilismo. Com este aqui, eles totalizam 360. Em cada um deles, tentei contribuir um pouco com a discussão sobre esporte a motor, ou através de alguma informação, ou de uma análise, ou de um ponto de vista pouco explorado. Talvez não tenha obtido sucesso todas as vezes, mas não foi por falta de esforço.
É interessante ler hoje o post inaugural desta página. É um texto um pouco amargo, que tenta estabelecer uma ruptura, uma diferença, uma afirmação. Como a maioria, acredito, dos que começam a blogar, estava bastante inseguro sobre qual direção seguir. Quando se começa a ser lido, tais caminhos começam a ser melhor delineados, mas o processo de aprendizagem se dá sempre por tentativa e erro. Encontrar um público, encontrar um tom, agendar assuntos, criar expectativa, criar parceiros de verdade, encontrar as fontes, nada disso acontece de uma hora para a outra.
Com o tempo, porém, creio ter aprendido bastante. Uma certa dose de autocrítica me impede de dizer que estou completamente satisfeito com o Cadernos, mas sinto ter superado algumas etapas e encontrado ao menos um ritmo adequado, um encadeamento.
Nada disso teria sido possível se não houvesse leitores atentos e críticos. Portanto, é como uma forma de agradecimento a estes que apresento algumas novidades (por enquanto, duas) do blog a partir de então. A primeira delas você já deve ter notado: um novo Header. Já há algum tempo estava insatisfeito com o anterior, pretendia repaginá-lo, dispor os elementos de uma outra forma... Só para descobrir que daria muito mais trabalho do que imaginei a princípio.
Descartada a ideia original, a solução foi partir para uma ideia mais simples e eficiente. Eis o resultado final. O texto foi inserido em Paint (Photoshop é grego para mim), daí alguns pixels pornográficos aparecerem assim, tão descaradamente. Permaneço fiel à fonte Garamond, embora, talvez, não por muito tempo (aceito sugestões, urgente!). Mas minha preocupação principal ao mudar o Header foi deixá-lo mais funcional. Agora ele está menor, tanto na largura quanto na altura, o que torna mais visível, de imediato, o post mais recente. A opção pelo preto e branco faz com que ele grite menos, o que é importante numa página que publica textos longos. Deixar o conteúdo sobressair, e mesmo assim conceber uma identidade visual... Mais uma vez, não sei se posso dizer que fui bem sucedido.
A propósito dele, ainda: não, não digo a partir de qual fotografia ele foi criado. Ela possui copyright e adivinha, não é meu... Dessa forma, pretendo mudar as imagens do cabeçalho periodicamente.
Mas se você acha que vai sentir falta dos carrinhos que apareciam no canto superior direito da tela, não se preocupe: eles poderão ser vistos aqui, no twitter do blog. E esta é a segunda surpresa. Pretendo com ele agregar muito mais conteúdo do que seria possível apenas com o blog, fazer o Cadernos respirar melhor.
E finalmente, olhando para a frente, dependendo das respostas recebidas, quem sabe não dá pra pensar mais alto? Enquetes, promoções, mais conteúdo... Por enquanto isso é só sonho. Apenas me dou ao direito de ficar contente em ser lido, por quem entende tudo de corridas, por quem quer entender mais, por quem não liga pra isso, mas está atrás de boas histórias. Pensando bem, o que mudou é perfumaria. Continuamos do mesmo jeito, no esforço de pensar (como disse no primeiro post) o automobilismo, de tratar as corridas como um fenômeno cultural, como um fato político e social, como algo que revele um pouco de nós para nós mesmos. Muito obrigado a você que chegou até aqui, e seja mais uma vez bem-vindo!
É interessante ler hoje o post inaugural desta página. É um texto um pouco amargo, que tenta estabelecer uma ruptura, uma diferença, uma afirmação. Como a maioria, acredito, dos que começam a blogar, estava bastante inseguro sobre qual direção seguir. Quando se começa a ser lido, tais caminhos começam a ser melhor delineados, mas o processo de aprendizagem se dá sempre por tentativa e erro. Encontrar um público, encontrar um tom, agendar assuntos, criar expectativa, criar parceiros de verdade, encontrar as fontes, nada disso acontece de uma hora para a outra.
Com o tempo, porém, creio ter aprendido bastante. Uma certa dose de autocrítica me impede de dizer que estou completamente satisfeito com o Cadernos, mas sinto ter superado algumas etapas e encontrado ao menos um ritmo adequado, um encadeamento.
Nada disso teria sido possível se não houvesse leitores atentos e críticos. Portanto, é como uma forma de agradecimento a estes que apresento algumas novidades (por enquanto, duas) do blog a partir de então. A primeira delas você já deve ter notado: um novo Header. Já há algum tempo estava insatisfeito com o anterior, pretendia repaginá-lo, dispor os elementos de uma outra forma... Só para descobrir que daria muito mais trabalho do que imaginei a princípio.
Descartada a ideia original, a solução foi partir para uma ideia mais simples e eficiente. Eis o resultado final. O texto foi inserido em Paint (Photoshop é grego para mim), daí alguns pixels pornográficos aparecerem assim, tão descaradamente. Permaneço fiel à fonte Garamond, embora, talvez, não por muito tempo (aceito sugestões, urgente!). Mas minha preocupação principal ao mudar o Header foi deixá-lo mais funcional. Agora ele está menor, tanto na largura quanto na altura, o que torna mais visível, de imediato, o post mais recente. A opção pelo preto e branco faz com que ele grite menos, o que é importante numa página que publica textos longos. Deixar o conteúdo sobressair, e mesmo assim conceber uma identidade visual... Mais uma vez, não sei se posso dizer que fui bem sucedido.
A propósito dele, ainda: não, não digo a partir de qual fotografia ele foi criado. Ela possui copyright e adivinha, não é meu... Dessa forma, pretendo mudar as imagens do cabeçalho periodicamente.
Mas se você acha que vai sentir falta dos carrinhos que apareciam no canto superior direito da tela, não se preocupe: eles poderão ser vistos aqui, no twitter do blog. E esta é a segunda surpresa. Pretendo com ele agregar muito mais conteúdo do que seria possível apenas com o blog, fazer o Cadernos respirar melhor.
E finalmente, olhando para a frente, dependendo das respostas recebidas, quem sabe não dá pra pensar mais alto? Enquetes, promoções, mais conteúdo... Por enquanto isso é só sonho. Apenas me dou ao direito de ficar contente em ser lido, por quem entende tudo de corridas, por quem quer entender mais, por quem não liga pra isso, mas está atrás de boas histórias. Pensando bem, o que mudou é perfumaria. Continuamos do mesmo jeito, no esforço de pensar (como disse no primeiro post) o automobilismo, de tratar as corridas como um fenômeno cultural, como um fato político e social, como algo que revele um pouco de nós para nós mesmos. Muito obrigado a você que chegou até aqui, e seja mais uma vez bem-vindo!
Mauro Forghieri, sobre a Ferrari no GP da Itália de 1979
“Estávamos nervosos quando chegamos em Monza. Dois meses antes tudo tinha dado errado no GP da Grã-Bretanha e ainda não tínhamos descoberto a causa dos nossos problemas de aerodinâmica, que já nos pareciam insolúveis. Aliviamos o peso da carroceria e melhoramos o sistema de fixação das minissaias só para descobrir, no primeiro treino, que tínhamos errado outra vez. A origem do problema estava no funcionamento das minissaias em pisos ondulados, como Silverstone e Monza. Para garantir o título, o Jody tinha que ganhar e pedi ao Gilles que ajudasse nisso. Sua resposta foi incrível: ‘Não tem problema, nós temos muito tempo e eu sei que terei a minha chance’”.
Mauro Forghieri era, na época, diretor-técnico da Ferrari.
Declaração feita à revista L’Automobile, em 1999. Publicado aqui tal como consta no guia da Fórmula 1 da revista Carro de 1999.
A vitória, e o conseqüente título de Scheckter, completam 30 anos amanhã. Amanhã, porém, este blog trará algumas surpresas a seus leitores... Quem viver verá!
Labels:
Ferrari,
Gilles Villeneuve,
GP da Itália,
Jody Scheckter,
Mauro Forghieri,
Monza
Monday, September 7, 2009
O Giancarlo que Fisichella pretende ser
Uma enquete realizada pelo La Gazzetta dello Sport mostrou torcedores italianos bastante esperançosos com Fisichella para o próximo GP, muitos deles acreditando inclusive em vitória. Otimistas demais, os tifosi? Talvez. Mas o fato é que eles já viram isso antes.
Um italiano vencer na Itália em sua primeira corrida de Ferrari. Sim, já aconteceu. O piloto em questão era Giancarlo Baghetti. O ano, 1961. A prova, o GP de Siracusa, não válida para o campeonato mundial, disputada nas ruas da cidadezinha siciliana.
Há poucas explicações convincentes sobre por quê a Scuderia confiou seu único carro na prova a um estreante - a mais convincente delas, por Baghetti ser filho de um promissor empresário italiano. Logo nos treinos, a escolha se revelou certeira: foi o primeiro a baixar de 2 minutos o tempo da volta, e parecia que conseguiria a pole, até Dan Gurney cruzar a linha de chegada e a chuva começar a cair.
Na primeira passagem pelo grampo, Baghetti deixou passar o ponto de frenagem, caindo para sexto. Ao sexto giro de 56, era o líder. Ultrapassara nada menos que: Graham Hill, Jack Brabham, Innes Ireland, Jo Bonnier, John Surtees e Gurney. Como se pode ver na foto, porém, o norte-americano não deixou sua Porsche sair do raio de visão dos retrovisores da Ferrari. Na exata metade da prova, era o novo líder - para retornar ao segundo posto pouco depois.
A pista de Siracusa era entremeada por muros de ambos os lados na maior parte do percurso, tinha longas retas, algumas curvas muito rápidas e a corrida era longa. O jovem, inexperiente Baghetti finalmente perdeu a concentração e saiu da pista - após receber a bandeirada.
Mais de dois meses depois, venceria sua segunda corrida de Fórmula 1. Outra vez com a Ferrari, outra vez após segurar Gurney, em Reims, no GP da França, este sim válido para o mundial. Seria também sua última.
Siracusa perdeu gradualmente a importância ao longo dos anos 60, mas frequentemente era o palco de pequenos milagres envolvendo a Ferrari. O último deles, na última prova, em 1967, quando Ludovico Scarfiotti e Mike Parkes cruzaram a linha de chegada empatados - a única corrida que se tem notícia na qual duas Ferrari venceram.
Saturday, September 5, 2009
GP da Itália 1969 - Não estou lá
Um feliz (?) clique captou, na mesma foto, Jochen Rindt (Lotus) e Piers Courage (Brabham, Frank Williams Racing Cars) em disputa direta durante o GP da Itália de 1969. Nenhum dos dois largariam outra vez em Monza, na Fórmula 1, na vida.
Courage pereceu no GP da Holanda do ano seguinte, e Rindt justamente em Monza, durante os treinos. Naquele ano, porém, o austríaco marcou a pole position, chegando em segundo lugar, a míseros 8 centésimos do vencedor, Stewart. Courage chegou a liderar por duas voltas não-contínuas, recebendo a bandeirada em quinto.
Courage pereceu no GP da Holanda do ano seguinte, e Rindt justamente em Monza, durante os treinos. Naquele ano, porém, o austríaco marcou a pole position, chegando em segundo lugar, a míseros 8 centésimos do vencedor, Stewart. Courage chegou a liderar por duas voltas não-contínuas, recebendo a bandeirada em quinto.
Labels:
Brabham,
GP da Itália,
Jochen Rindt,
Lotus,
Monza,
Piers Courage
Friday, September 4, 2009
Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo
Giancarlo Fisichella realiza seu sonho. O meu sonho. O seu sonho. Sobre Fisichella, tanto já foi dito, que talvez seja melhor falar sobre sonhos.
Pois então, aqui começa o post. Para muitos, a frase colocada no título inaugura o século XX, mesmo que cunhada pouco antes do nascimento de Cristo. Seu autor não poderia ter dados biográficos mais coincidentes: romano, como Fisichella; embora nascido na região de Mântua.
“Se não posso submeter as forças superiores, moverei o Acheronte”, exclama o provérbio (os amantes do Lácio me corrijam se estiver errado). O Acheronte, diz a mitologia, é o rio que leva as almas ao mundo dos mortos – algo que os cristãos deram outra função e outro nome, que talvez você conheça: Inferno.
Quando Dante Alighieri, no meio do caminho de sua vida, se põe a adentrar pelos nove círculos do Inferno em busca da amada Beatriz, é o autor deste provérbio que o toma pela mão.
O século passado começa quando um médico austríaco faz ressoar a frase supracitada no prefácio de um livro. O médico se chama Sigmund Freud, e o livro, A Interpretação dos Sonhos. A um só golpe, Freud nos abre um século, o nosso inconsciente e os portões do inferno.
Não foi pouco o espanto e as críticas que acompanharam esta frase. Até hoje ela é pouco compreendida. Para a psicanálise, não somos os senhores de nossos próprios desejos e aspirações: pelo contrário, eles nos controlam. Muitas vezes, porém, nossos desejos não condizem com aquilo que os outros (ou “o Outro”) esperam de nós, e somos obrigados a mantê-los guardados nos porões de nossa subjetividade. Em suma, carregamos cada um nosso inferno dentro de nós.
No entanto, guardar para si um desejo não é uma tarefa simples. Nossos porões têm frestas, e se não tiverem, a pulsão daquilo que guardamos neles é tão forte que serão logo cavados.
Quando dormimos, arrefecemos as barreiras que contém tais pulsões. Elas saem então de forma velada, escondidas através de símbolos e metáforas. É o que chamamos de sonhos. Por isso, quando um desejo se realiza (como se pode notar no início do post), dizemos que “foi realizado um sonho”.
E é precisamente aqui, na realização do desejo, que o provérbio entra na história. Lembre-se, se o guardamos em nosso “inferno”, deve haver algum motivo. O mais freqüente é que o desejo nos implique uma atitude que deploramos. Apaixonar-se por uma pessoa comprometida, ou do mesmo sexo, ou se estamos comprometidos em uma relação, por exemplo. Ou se tal realização implique na morte de alguém - tudo depende do que julgamos ser ou não deplorável.
Acontece que nossos desejos não se prendem às nossas convicções. Sublinha-se: eles nos controlam. E se as forças do Céu não nos favorecem, moveremos sem hesitar as forças do Inferno.
Fisichella realiza um desejo: pilotar a Ferrari. Para que isto ocorresse, teve que mover as forças do inferno: Felipe Massa teve de sofrer um acidente grave, e Luca Badoer teve de ser queimado.
Talvez seja por isso que gostemos de Fórmula 1, porque ela nos preenche uma necessidade intrínseca: realizar nossas pulsões de morte sem ter que suportar o peso da culpa que trazem consigo.
“Estou no sétimo céu”, disse Fisichella. Seria mero acaso ele ter usado uma metáfora dantesca na primeira declaração como piloto da Ferrari?
Labels:
Ferrari,
Giancarlo Fisichella,
Sigmund Freud
Wednesday, September 2, 2009
Cartazes - GP da Itália 1949
O GP da Bélgica ainda rende muito assunto, denúncias, especulações. Julgamentos, depoimentos, declarações ainda devem acontecer até que os carros cheguem a Monza, no próximo dia 13.
Mas no meio de toda essa chatice de jornalismo condicional (aquele de "fulano teria delcarado", "beltrano diz que, se confirmadas as denúncias") vale mais a pena falar de outra coisa. Então vamos falar de passado.
Acima, o belo cartaz de divulgação do GP da Itália de 1949, a pista se abrindo sobre as grandes árvores e o sol flamejante se impondo acima do circuito. A esperança, talvez, de ver um campeonato mundial estruturado no ano que vem.
Mais uma vez, o título GP da Europa se sobrepôs ao título nacional - o que talvez queira indicar uma tentativa de reunião do continente após as tragédias da Segunda Guerra.
Poucas palavras, três carros desenhados (o que é bastante para um cartaz, diga-se) e um enorme céu sobre a pista. E é quase possível ouvir som dos motores rasgando as retas!
Labels:
Cartazes,
GP da Itália,
GP de Monza
Subscribe to:
Posts (Atom)